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A volta dos Começos Inesquecíveis: D.H. Lawrence

Nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a vê-la tragicamente. O cataclismo já aconteceu e nos encontramos em meio às ruínas, começando a construir novos pequenos habitats, a adquirir novas pequenas esperanças. É trabalho difícil: não temos mais pela frente um caminho aberto para o futuro, mas contornamos ou passamos por cima dos obstáculos. Precisamos viver, não importa quantos tenham sido os céus que desabaram. Era esta mais ou menos a posição de Constance Chatterley. Para marcar a volta da sumida seção Começos Inesquecíveis, nada como um começo do tipo epigramático, que prega já na porta de entrada da narrativa uma frase que nem parece ter autor, de tão entranhada numa certa sabedoria coletiva – à moda daquela famosa abertura de Leon Tolstoi em “Ana Karenina”, uma dos campeãs de audiência do gênero: “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. É esse o caso do começo de “O amante de Lady Chatterley” (Penguin/Companhia das Letras, 2010, tradução de Sergio Flaksman), o sexualmente escandaloso romance publicado em 1928 por D.H. Lawrence (1885-1930). “Nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a vê-la tragicamente” é uma frase marcada pelo…

Inesquecíveis, mas esquecidos: a revolta dos sem-teto

Nesses quase cinco anos de Todoprosa, desde sua estreia na extinta revista eletrônica NoMínimo, a hoje adormecida seção “Começos Inesquecíveis” foi sem dúvida a mais marcante, a que seduziu mais leitores e se multiplicou em mais links pela blogosfera. Deve haver razões profundas para que as aberturas lapidares de livros – e, em uns poucos casos, de contos – tenham tanto apelo. Para o aspirante a escritor, acredito que isso se relacione com o mito de que basta um bom primeiro passo para que todas as outras palavras se encaixem no lugar certo e o livro saia sem esforço, o que é obviamente um delírio. Mas deixemos a metafísica dos inícios para outra ocasião. Hoje é dia de acertar contas com alguns começos inesquecíveis que nunca apareceram nos “Começos Inesquecíveis”. Não vou pedir desculpas por isso: num universo que tende ao infinito, a ideia sempre foi fazer recortes assumidamente pessoais – uma seleção dos mais inesquecíveis entre eles pode ser conferida aqui, aqui e aqui. Para tanto, descartei as buscas no Google e fiquei apenas com minha experiência de leitor e, principalmente, como forma de reavivar memórias, com minhas estantes. Experiência e estantes que, mesmo não sendo exatamente pequenas, têm…

Os melhores começos inesquecíveis (VI)

Na manhã em que a última filha dos Lisbon decidiu-se também pelo suicídio – foi Mary dessa vez, e soníferos, como Thereza –, os dois paramédicos chegaram à casa sabendo exatamente onde ficavam a gaveta das facas, o forno, e a viga no porão à qual era possível atar uma corda. Não se pode dizer que o início da novela “Virgens suicidas”, de Jeffrey Eugenides (na ótima tradução de Marina Colasanti), deva sua estranha beleza ao fato de abrir com esse prosaico “na manhã em que…”, que chega a lembrar o clichê “era uma vez” dos contos de fadas. No entanto, ao escorar tão firmemente no tempo a história, o autor lhe confere densidade e verossimilhança. Um crítico mais intolerante com as artimanhas dos narradores poderia argumentar justamente o contrário: que estamos diante de um ponto fraco do texto, uma concessão à banalidade e ao lugar-comum. Foi o que fez Paul Valéry em sua famosa diatribe contra o romance, ao se dizer incapaz de escrever uma frase tão prosaica quanto “A marquesa saiu às cinco horas”. Bobagem. A tal frase só será banal se a marquesa se mostrar uma personagem bidimensional ou desinteressante – o resto é preconceito contra a…

Os melhores começos inesquecíveis (V)

O começo in medias res – expressão cunhada pelo poeta latino Horácio e que significa “no meio das coisas, dos fatos” – é aquele em que a narrativa já se inicia com o bonde andando, no meio ou perto do fim da história, e aos poucos vai dando ao leitor as necessárias informações sobre o passado. In medias res se opõe a ab ovo (do princípio), outro termo horaciano, e é típico da grande – e há muito extinta – poesia épica. Tão antigo quanto a própria literatura, portanto. O que não o torna menos eficaz nas narrativas modernas. A “Ilíada” de Homero começa com a Guerra de Troia perto do fim e com o herói amuado em sua tenda, recusando-se a participar do cerco dos gregos aos troianos. Aquiles, sabemos depois, brigou com o rei Agamenon quando este lhe confiscou uma cativa por quem nutria especial afeição. De tão humilhado, quer que os gregos se explodam. Isso lá é jeito de começar? Claro que é. Num bom início in medias res, a própria confusão momentânea experimentada pelo leitor, para quem o quadro geral vai se desembaçando aos poucos, contribui para sustentar sua curiosidade. Note-se que na técnica clássica do…

Os melhores começos inesquecíveis (IV)

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. O começo de “Cem anos de solidão”, romance lançado em 1967 por Gabriel García Márquez (Record, tradução de Eliane Zagury), é um dos maiores clássicos do gênero, sobretudo na preferência do leitor comum. Presença obrigatória em listas de aberturas romanescas memoráveis, vale a pena examinar mais de perto o mecanismo que o torna tão eficaz: a superposição de tempos narrativos. García Márquez demarca com brevidade impressionante dois momentos de ação, separados por “muitos anos”, e em cada um deles pendura um anzol que o leitor dificilmente deixará de morder. O primeiro traz uma isca política ou mundana: quais foram os motivos e o desfecho do tal fuzilamento? O segundo abre uma dimensão poética de formação, situando numa “tarde remota” a transmissão entre pai e filho de um saber sobre a natureza. Sem forçar barra nenhuma, pode-se imaginar até um terceiro anzol em que a isca é a curiosidade de saber como histórias tão díspares vão se combinar. E tudo isso em duas linhas. Além de enredar o leitor em mais de uma…

Os melhores começos inesquecíveis (III)

O começo metalinguístico tem um caráter tão lúdico, tão brincalhão, que pode ser uma tentação irresistível para escritores em busca de uma isca suculenta para abanar diante do leitor arisco. Recomenda-se cuidado. O recurso de falar do livro que está sendo lido/escrito, isto é, de usar a linguagem para falar da própria linguagem (metalinguagem é isso), tem sido vítima de tantos abusos em nossos tempos pós-modernos que o efeito pode ser contrário ao pretendido. Não que o recurso seja novo. No Brasil, Machado de Assis já o empregava com propriedade no início de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, publicado na “Revista Brasileira” em 1880, dando uma pista da extravagância que estava por vir: Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Em chave cômica mais contida, Graciliano Ramos fez algo semelhante na abertura de “São Bernardo”, de 1934: Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade…

Os melhores começos inesquecíveis (II)

O primeiro parágrafo de “O estrangeiro” (Record, tradução de Valerie Rumjanek), novela que lançou em 1942 as bases da reputação do escritor franco-argelino Albert Camus como ficcionista-ensaísta-filósofo, é mais que um começo inesquecível. É a epígrafe de uma época e um insistente eco no fundo de parte significativa da literatura escrita desde então. Mersault, o enigmático narrador que entra em cena relatando com indiferença a morte da mãe, matará em seguida um árabe pelo mais fútil dos motivos e acabará condenado por ser incapaz de sentir – ou mesmo simular – arrependimento. Símbolo de um tempo de desconexão radical entre o eu e o mundo? Certamente, entre outras leituras possíveis. Mas o achado maior de “O estrangeiro”, que torna tão matadores seus primeiros acordes, é a voz de Mersault, seu estilo distanciado, de frases curtas e com pouco espaço para a reflexão. Jean-Paul Sartre, primeiro e principal analista (e avalista) do livro, definiu esse estilo como composto de “frases separadas umas das outras pelo vácuo”, como se “o mundo fosse destruído e renascesse a cada frase”. Mais tarde, Camus teria alegadamente reconhecido no tom de “O estrangeiro” a influência da literatura policial hard-boiled americana dos anos 1930, em especial a…

Os melhores começos inesquecíveis (I)

Desde os primeiros tempos do Todoprosa, que estreou há mais de quatro anos no extinto site “NoMínimo”, a seção “Começos inesquecíveis” foi sua marca mais forte. Não é difícil imaginar por quê. Em primeiro lugar, lembrar os grandes inícios da história do romance é uma forma de sugerir leituras do modo mais saboroso que existe, isto é, oferecendo pequenas provas. Se o começo agradou, por que não tentar o livro inteiro? Aberturas lapidares, afinal, são concebidas precisamente com este fim principal, manter o leitor lendo. O que leva àquela que acredito ser a segunda razão do sucesso dos “Começos inesquecíveis”: o fascínio de ver se desenrolar essa mágica que não tem fórmula, que pode assumir mil feições, da simplicidade absoluta ao rebuscamento mais vertiginoso, mas que certamente é mais necessária do que nunca num mundo que vê a multiplicação diária de textos pedindo para serem lidos, enquanto nosso tempo, que não espicha, endurece o jogo. Como manter o leitor lendo? A abertura perfeita, capaz de fisgar qualquer um desde a primeira palavra, é obviamente um mito. Tentar se aproximar dela é o que vale. Esta nova fase dos “Começos inesquecíveis” na Veja.com me apresentou de cara um problema: como não…

Começos inesquecíveis: Alejo Carpentier

De prata as delgadas facas, os finos garfos; de prata os pratos onde uma árvore de prata lavrada na concavidade de suas pratas juntava o suco dos assados; de prata as fruteiras, com três bandejas redondas, coroadas por uma romã de prata; de prata as jarras de vinho marteladas pelos artesãos da prata; de prata as travessas de peixe com seu pargo de prata inflado sobre um entrelaçamento de algas; de prata os saleiros, de prata os quebra-nozes, de prata os covilhetes, de prata as colherinhas com iniciais lavradas… E tudo isso ia sendo levado pausadamente, cadenciadamente, cuidando para que prata não esbarrasse em prata, rumo às surdas penumbras de caixas de madeira, de engradados ao aguardo, de arcas com fortes ferrolhos, sob o olhar vigilante do Amo que, de roupão, só fazia a prata ressoar, vez por outra, ao urinar magistralmente, com jorro certeiro, copioso e percuciente, num penico de prata, cujo fundo era adornado por um malicioso olho de prata, logo ofuscado por uma espuma que, de tanto refletir a prata, acabava por parecer prateada… Eis os primeiros acordes de “Concerto barroco” (Companhia das Letras, 2008, tradução de Josely Vianna Baptista), novela lançada em 1974 pelo cubano Alejo…

Começos inesquecíveis: Siri Hustvedt

Ontem, encontrei as cartas que Violet escreveu para Bill. Estavam escondidas entre as páginas de um dos livros dele, de onde escorregaram e caíram no chão. Embora eu já soubesse da existência dessas cartas fazia anos, Bill e Violet nunca me contaram o que havia nelas. Contaram, no entanto, que minutos depois de ter lido a quinta e última carta, Bill mudou de idéia sobre seu casamento com Lucille, saiu pela porta do prédio da Greene Street e foi direto para o apartamento de Violet, no East Village. Quando segurei aquelas cartas com minhas mãos, senti que tinham o peso misterioso das coisas encantadas por histórias que já foram contadas e recontadas uma infinidade de vezes. Enxergo muito mal atualmente e levei um tempo enorme para conseguir lê-las, mas acabei conseguindo distinguir cada palavra. Quando guardei de novo as cartas, sabia que começaria a escrever este livro hoje. Mais conhecida por aqui como “a mulher do Paul Auster”, a americana de ascendência norueguesa Siri Hustvedt mostrou em “O que eu amava” (Companhia das Letras, 2004, tradução de Sonia Moreira), seu terceiro romance e o primeiro lançado no Brasil, que tem voz própria e madura. O tijolo de 500 páginas sobre…

Começos inesquecíveis: Gabriel García Márquez (II)

No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda, e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros. “Sempre sonhava com árvores”, disse-me sua mãe 27 anos depois, evocando os pormenores daquela segunda-feira ingrata. A seção Começos inesquecíveis estava de férias desde outubro do ano passado, quando seu primeiro ciclo foi fechado com a eleição, pelos leitores do blog, da abertura de “Ana Karenina”, de Leon Tolstoi, como o mais memorável entre os começos memoráveis da literatura. Um dos concorrentes de Tolstoi na ocasião foi, é claro, Gabriel García Márquez com a primeira frase de “Cem anos de solidão”. Considerado por muitos vítima de uma injustiça, faz sentido que o colombiano ganhe agora mais uma chance de entrar no jogo, na segunda edição da enquete que o futuro nos reserva, e o privilégio de inaugurar a nova temporada de aberturas literárias brilhantes do Todoprosa. O começo de “Crônica de uma morte anunciada” (Record, tradução de Remy Gorga, filho) pode não ser tão sensacional quanto…

Para os viciados em começos inesquecíveis

Este site (em inglês), que acabo de descobrir, é indicado para quem anda com saudade dos “Começos inesquecíveis”, seção deste blog que está passando por uma espécie de período sabático. Algumas das aberturas de livro que já apareceram por aqui ao longo de três anos e meio estão lá. Mas muitas das que estão lá nunca apareceram por aqui. A seleção é boa, embora excessivamente focada na língua inglesa. Na página de abertura, à esquerda, clique em “All-time favourites” para ter acesso à lista completa e, se quiser levar a brincadeira mais longe, votar no seu começo preferido. Boa diversão.

Começos inesquecíveis: Tolstoi é o campeão

Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. A força de aforismo e o jeitão de verdade universal do início do romance “Ana Karenina”, de Leon Tolstoi (tradução de João Gaspar Simões), conduziram o escritor russo a uma vitória incontestável na eleição do começo mais inesquecível de todos os tempos. Como eu disse no já distante agosto de 2006, quando ele apareceu pela primeira vez aqui no blog, esse início “conseguiu virar aquilo que a maioria dos escritores só ousa perseguir em sonho: máxima, aforismo, provérbio, dito popular, pérola de sabedoria que parece não ter dono, mas brotar diretamente do inconsciente coletivo”. A disputa foi animada. “O estrangeiro”, de Albert Camus, largou na frente e chegou a dar a impressão de que seria imbatível, mas acabou ultrapassado tanto por “Ana Karenina” quanto por “Lolita”, de Vladimir Nabokov (ah, esses russos…). No fim das contas, o pódio ficou assim: Tolstoi, 41 votos; Nabokov, 35; e Camus, 33. Nas três últimas posições, houve empate entre “Moby Dick” e “Grande sertão: veredas”, com 23 votos cada um, e a lanterna sobrou para “Memórias do subterrâneo”, o preferido de 14 leitores. Confesso que, como torcedor,…

Começos inesquecíveis: uma seleção (final)

Herman Melville e Fiodor Dostoievski, nessa ordem, foram os mais votados da última rodada classificatória, com Miguel de Cervantes num honroso terceiro lugar. Chegamos assim à finalíssima dessa disputa sumamente desimportante – mas, espero, divertida – para eleger o mais inesquecível começo de romance de todos os tempos. Agradeço a todos os que participaram das rodadas classificatórias, animando a conversa muito além do que eu tinha imaginado ao propor a brincadeira. Aos votos, pois, moçada! Como diria meu amigo Humberto Werneck, chegou a hora da onça beber água. Apenas um lembrete: cada eleitor deve escolher um único início, por favor. Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. (Vladimir Nabokov, “Lolita”.) Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames”. Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem. (Albert Camus, “O estrangeiro”.) Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. (Leon Tolstoi, “Ana Karenina”.) Nonada. Tiros que o senhor…

Começos inesquecíveis: uma seleção (III)

Tolstoi promoveu um massacre na última rodada: o famoso início de “Ana Karenina” teve 28 votos e deixou a emoção restrita à disputa do segundo lugar, esta sim dura. E Guimarães Rosa acabou eliminando Charles Dickens por apenas um voto. (Campos de Carvalho também teve participação honrosa. Meu preferido era Juan Rulfo, mas o que se há de fazer.) Assim, já estão classificados para a rodada decisiva, domingo que vem, os começos inesquecíveis de “Lolita”, “O estrangeiro”, “Ana Karenina” e “Grande sertão: veredas”. Da lista abaixo sairão os dois últimos finalistas. Agora é com vocês… Chamem-me Ismael. Alguns anos atrás – não importa precisamente quantos – tendo pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e nada que me interessasse particularmente em terra firme, decidi navegar um pouco por aí e ver a parte aquosa do mundo. É um jeito que tenho de espantar a melancolia e regular a circulação do sangue. (Herman Melville, “Moby Dick”.) Desocupado leitor: sem juramento meu embora, poderás acreditar que eu gostaria que este livro, como filho da razão, fosse o mais formoso, o mais primoroso e o mais judicioso e agudo que se pudesse imaginar. Mas não pude eu contravir a ordem da natureza, que nela…

Começos inesquecíveis: uma seleção (II)

Os começos de “Lolita”, de Vladimir Nabokov, e “O estrangeiro”, de Albert Camus, empatados, foram os mais votados pelos leitores do Todoprosa na chave de domingo passado e estão classificados para a rodada final. Da segunda chave, hoje, sairão mais dois começos inesquecíveis – e quem, voluntariosamente, tiver escolhido por antecipação algum dos candidatos da lista abaixo deve fazê-lo de novo, pois só agora esses votos serão computados. Domingo que vem rola a última rodada classificatória. Bons sufrágios! Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. (Leon Tolstoi, “Ana Karenina”.) Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. (Guimarães Rosa, “Grande sertão: veredas”.) Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. (Campos de Carvalho, “A lua vem da Ásia”.) Você vai começar a ler o novo romance de…

Começos inesquecíveis: uma seleção (I)

Em quase três anos e meio de Todoprosa, foram tantos os Começos Inesquecíveis que já me esqueci de uma parte deles. Talvez tenha chegado a hora de, como dizem em sala de aula, recapitular a matéria. Domingo que vem a seleção continua. E quem sabe, os leitores se animando, a gente possa eleger aqui, no fórum da caixa de comentários, o mais inesquecível entre os inesquecíveis? Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. (Vladimir Nabokov, “Lolita”.) Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. (Gabriel García Márquez, “Cem anos de solidão”.) Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames”. Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem. (Albert Camus, “O estrangeiro”.) Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou…