Hoje o Pop Literário de Sexta fica por conta dos leitores do Todoprosa. A ideia foi lançada aqui na segunda-feira, baseada numa lista de capas horrorosas (reais) preparada pela Flavorwire: imaginar como seria se clássicos da literatura brasileira viessem embalados em capas cretinas, mas de grande apelo comercial. O pessoal pegou direitinho o espírito da coisa. Vinicius Linné lançou mão da boa e velha apelação sexual para vender Clarice Lispector. Wellington Santos preferiu, na promoção de Dalton Trevisan, usar o expediente – bastante em voga – de fingir ser o que não é, pegando carona no sucesso alheio a fim de fisgar o leitor desatento. Ivan Santos optou por João Ubaldo Ribeiro e uma mistura de falta de noção e cara-de-pau que descortina novos horizontes para o conceito de “capa cretina”, enquanto Guilherme Carvalhal – que só esqueceu o nome do autor de “O rei da vela”, Oswald de Andrade – ficou no terreno batido, mas sempre eficaz, da malhação de Judas. Bom fim de semana a todos. .
Bichos lambem louças na pia. Num canto da cozinha, a menina. Faz dias. Lave a louça que a mãe já vem! Ela não lavou. Será que foi por isso? O drama desmedido que Sônia Barros fez caber na medida escassa de 139 caracteres é o vencedor do III Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter. Com total controle de seus meios de expressão – um punhado de palavras caseiras e meia dúzia de elipses afiadas – a autora escreveu uma micronarrativa modelar. O registro que Sônia escolheu é arriscado: o de um realismo semijornalístico que, com suas boas intenções de “denúncia das mazelas sociais”, é visto descambando com frequência para a banalidade do mundo-cão. Isso só realça a perícia com que se desincumbiu do desafio. Em segundo lugar ficou Celso Alves com um microconto de ficção científica que é um pequeno achado de humor – a angústia claustrofóbica do circuito narrativo fechado, que lembra um conto como No último minuto, de Sérgio Sant’Anna, é apenas entrevista por trás do sorriso: Jonas apertou o último parafuso e ligou a máquina do tempo. Erro. Jonas apertou o último parafuso e ligou a máquina do tempo. Erro. Jonas… Por fim, representando a corrente metaliterária…
Conforme prometido ano passado aos leitores, declaro aberto neste momento o terceiro – e último! – concurso de micronarrativas em formato Twitter promovido pelo Todoprosa. As inscrições ficam abertas até o último dia deste mês, às 18h. O regulamento é simples: 1. O microconto deve delinear uma narrativa (história) em 140 toques no máximo. 2. Cada leitor pode inscrever até três microcontos, desde que submeta um por vez. 3. Os contos devem ser inscritos diretamente na caixa de comentários abaixo, identificados pelo nome do autor e com email para contato (este não aparecerá para o público). 4. As inscrições se encerram no dia 30 de abril às 18h. 5. Os três melhores microcontos serão publicados neste blog em forma de post e o resultado, divulgado no Twitter e no Facebook. 6. A comissão julgadora é composta de um homem só, eu mesmo, e suas decisões são soberanas. A primeira edição foi realizada em 2010 e a segunda, ano passado – leia aqui e aqui as micronarrativas vencedoras. Cada uma delas teve pouco mais de 600 microcontos inscritos. Esta agora fecha um ciclo e é a última oportunidade para quem ainda não entrou na brincadeira. É razoável supor que, desde aquele…
Para encerrar o capítulo do II Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter, publico algumas histórias que mereceram menção honrosa e que ajudam a ilustrar a diversidade de estilos e efeitos abarcada pelos atuais praticantes do formato ultracurto. Carlos Seabra, por exemplo, consegue alçar um bom voo no terreno da fantasia em apenas 116 caracteres: Os semícaros eram um povo unialado, cada qual com uma única asa. Para voar, tinham que escolher alguém e se abraçar. Edson Victor Lima toma o caminho oposto, o do realismo cru que, frequentemente carregado de violência e desespero, tem a preferência da maioria dos cultores da narrativa mais-que-sucinta. Isso é compreensível – com o tempo tão escasso, nocauteemos logo o leitor – mas também traiçoeiro, por produzir um efeito que, já esperado, tende à mesmice. O microconto de Edson se destaca mesmo assim, talvez ao preço de reduzir um pouco além do desejável o espaço do não-dito: Saco o iPhone para a última tuitada: “Me sigam, hahahaha.” Quem pode imaginar que essa é uma gargalhada de desespero? Pulo. Já a micronarrativa de Bárbara M.W. deixa um mundo inteiro de subentendidos num flagrante doméstico de banalidade pungente: Clara abriu a gaveta de calcinhas. Era a decisão…
Foi mais difícil escolher os vencedores desta vez. O número de narrativas ultracompactas inscritas foi o mesmo, pouco acima de 600. No entanto, desde a primeira versão do Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter, em 2010, é possível que o formato radicalmente sucinto tenha se alojado mais fundo na sensibilidade da nossa época, sei lá. O fato é que o trabalho de seleção foi mais difícil, o medo de cometer alguma injustiça grave pairando o tempo todo sobre a cabeça do microjúri – formado, como já anunciei, por mim mesmo. Numa primeira peneirada, cheguei a 53 microcontos que, sem favor algum, poderiam constar da lista abaixo. Desse universo, um pente mais fino separou 24 finalistas. Escolher um oitavo deles para montar o pódio foi, como seria de esperar, o salto mais arriscado. Após incontáveis releituras, o primeiro lugar vai para Mara Augusta Soares pelo prodígio de, pronunciando apenas oito palavras cuidadosamente pesadas, desenhar um não-dito de dimensões vertiginosas entre a violência realista – tom eleito pela maioria dos concorrentes – e o lirismo, o mundo lá fora e o mundo aqui dentro, borrando irremediavelmente suas fronteiras: Ao pular na garganta do penhasco, ele sonhou. O segundo lugar premia uma tendência…
Aqui vai um joguinho divertido para bons leitores (e cinéfilos também): numa galeria de 36 personagens famosos da literatura, com limitação de tempo, em quantos casos você consegue identificar os autores? Como a escolha dos nomes que participam da brincadeira é decididamente mainstream, a maioria dos personagens já foi parar no cinema, o que pode facilitar a tarefa ou não. Quem, não sendo um bom leitor, presta atenção no nome do escritor em cuja obra o filme se baseou? A propósito, caso alguém esteja interessado: acertei 28 antes que se acabasse o tempo. Nota 7,7 – podia ser pior. * Achei surpreendente essa lista (em inglês) de escritores que atuaram como atores em filmes, preparada pelo “The Millions”. A carreira de Norman Mailer na tela grande é notória, certo. Eu também já tinha ouvido falar vagamente da atuação de um adolescente Martin Amis em certo filme inglês dos anos 1960, embora não fizesse ideia de que ele precisou ser dublado por uma menina (!). Mas a maioria foi novidade para mim. Tem coisas que só o Pop de Sexta faz por você. * Foi excelente a conversa do americano John Freeman, editor da “Granta”, com Paulo Roberto Pires, editor da…
Faltam 48 horas para o encerramento das inscrições no II Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter, às 13h desta sexta. As micronarrativas inscritas – limitadas ao número máximo de três por autor – já são 345. O resultado será divulgado aqui na próxima segunda-feira, dia 16. Se você está tomando conhecimento do concurso agora, acesse o regulamento aqui. E boa sorte. * Por falar em concurso: parabéns aos vinte escritores brasileiros – ou novelists, “romancistas”, segundo a versão inglesa, embora nem todos o sejam – que integram a seleção da revista “Granta”, anunciada em Paraty. Não conheço todos os nomes, mas é evidente que há muito talento reunido ali, e escolhas são escolhas. No dia em que Deus lançar uma antologia em tabletes de pedra, talvez Suas opções sejam menos contestadas – não por serem indiscutíveis (“aposto que o Todo-Safado eliminou os ateus sem nem ler!”), mas devido à possibilidade de que raios fulminem os dissidentes antes que eles cliquem no botão de enviar. Enquanto isso não ocorre, temos que nos resignar com antologias falíveis e exibições dolorosas de ressentimento. Fazer o quê? Desde o lançamento trágico da “Grandpa” é assim. * A Flip consegue transformar a literatura em notícia,…
Em 2010, quando organizei aqui um concurso de micronarrativas em formato Twitter, com 140 toques no máximo, aberto a todos os leitores, prometi uma segunda edição da brincadeira. Chegou a hora de cumprir a promessa. Terá amadurecido nesses quase dois anos o potencial literário do Twitter? A primeira iniciativa atraiu mais de 600 inscritos e teve os seguintes vencedores: A caixa de emails da mulher aberta diante de si. Dali mesmo gritou perguntando se demoraria no banho. Acabei de entrar, ela respondeu. (Denival Fernandes Moreira) Todos estão mais felizes desde que você se foi, mas todos te amam, papai. (Dilson L.D.) Caiu-lhe no quintal densa lasca de estrela de bilhões de anos; recado de oito ou nove planetas explodidos. Um deles, azul, albergara amores. (José Aurélio M. Luz) Como principal inovação do regulamento, o limite caiu de dez para três microcontos por autor. Isso provavelmente vai reduzir o número de textos inscritos, mas ao mesmo tempo – esta é a aposta – elevar a qualidade média. Eis as regras: 1. O microconto deve delinear uma narrativa (história) em 140 toques no máximo. 2. Cada leitor pode inscrever até três microcontos, desde que submeta um por vez. 3. Os contos devem…
No distante julho de 2007, impressionado com a capacidade que tinham os “debates críticos” sobre a literatura brasileira dos últimos 20 anos de descambar para lugar nenhum, publiquei aqui um Sobrescrito em forma de enquete chamado O problema é ‘o problema’, mais tarde compilado no livro “Sobrescritos” (Arquipélago Editorial, 2010). As respostas foram desenhadas de acordo com as metodologias mais avançadas de prospecção sociocultural da Universidade de Itaguaí, a fim de cientificamente dar conta de todos os vetores relevantes da nossa “cena”. O único problema com aquele experimento pioneiro é que a enquete era falsa, um mero simulacro literário de enquete: o internauta não votava. Será por isso que, cinco anos depois, ainda estamos mais ou menos no mesmo lugar? Por via das dúvidas decidi republicar a enquete, mas desta vez é diferente: ficamos interativos, docemente interativos. Vote, caro leitor, e ajude a descascar esse pepino. . [poll id=”61″]
Interessante com certeza, preocupante talvez: a enquete sobre o mais inesquecível personagem da literatura brasileira, que lancei aqui na quarta-feira, ainda está em andamento, mas com mais de oitocentos votos já permite traçar um padrão claro. Quanto mais velho o livro, mais ele ressoa junto aos leitores. Está certo que temos no século 19 um monstro chamado Machado de Assis (foto). Está certo também que o recuo no passado costuma ser um dos requisitos para a incorporação de uma obra literária ao cânone. No entanto, nada disso permitiria prever uma curva quase inteiramente linear: começando por Capitu e Brás Cubas, os líderes da corrida, e passando por Emília, Macunaíma, Capitão Rodrigo, Diadorim, Gabriela, a votação dos personagens vai minguando à medida que os livros em que eles surgiram se aproximam do presente. A tendência é tão forte que passa por cima até de algo que, à primeira vista, poderia parecer decisivo para a popularidade de personagens literários: o fato de terem ou não transcendido as páginas para ganhar adaptações de sucesso no cinema ou na TV. Emília e Gabriela são figurinhas manjadas na cultura audiovisual das últimas décadas, mas isso não foi suficiente para movê-las dos lugares que a linha…
O jornal literário “Rascunho” está preparando sua edição de aniversário – o 12º, marca heroica – e me pede um depoimento breve sobre “uma característica, uma marca da literatura brasileira atual”. Vale notar que a chamada “nova literatura” do país tem mais ou menos a idade do jornal curitibano, o que ajuda a entender a atenção sem rival com que ele a vem acompanhando desde 2000. Tentei dar uma resposta não viciada, entre o otimismo com uma efervescência “profissional” que é inédita em nossa história e o reconhecimento de que ainda falta um salto, quem sabe vários saltos – a conquista do leitor é provavelmente o maior deles, mas a afirmação de uma crítica mais consequente e menos autista não fica muito atrás. Depois que mandei o texto para o editor Rogério Pereira, porém, a questão continuou dando voltas em minha cabeça. Foi só então que me ocorreu o problema do personagem – que os antigos chamavam de a personagem, no feminino, mesmo que fosse macho. Mas de que personagem estamos falando? De nenhum, aí é que está. Até agora, o século não parece ter dado à literatura brasileira um daqueles personagens que transcendem o texto e vão se incorporar…