O crítico inglês Terry Eagleton (foto) acaba de dar uma interessante entrevista para a revista acadêmica “The Oxonian Review” (em inglês, aqui). Nela apresenta uma visão extremamente negativa do atual estado dos estudos literários acadêmicos e dá um conselho seco aos “jovens críticos”: “Não é um bom momento para estar nas universidades”. Vindo de um nome fundamental da teoria literária britânica, o desabafo tem impacto. Na sua opinião, os jovens estudiosos de literatura sabem “discorrer de forma muito inteligente sobre o contexto de um poema”, sem no entanto ter a menor ideia de como “falar dele como poema”. Marxista, Eagleton tenta dar a esse desejo de restauração dos valores tradicionais da literatura uma roupagem progressista: trata-se, a seu ver, de recuperar para os críticos a relevância cultural dos grandes “intelectuais públicos”, em oposição ao que considera o conformismo reinante com o fechamento da academia em si mesma. Reagindo a uma provocação dos entrevistadores, o crítico traça então um limite para a autocrítica: afirma não acreditar que a razão do problema deva ser buscada numa suposta overdose de teoria dentro da universidade. Ela estaria no mundo lá fora, num miasma em que entram “a mídia, o pós-modernismo, o status da palavra…
Conhece essas ilustrações de 1919, do inglês Harry Clarke, para os contos de mistério de Edgar Allan Poe? Eu não conhecia. Coisa finíssima. * Hoje, dez da manhã, quando se abriram os portões virtuais, tudo correu com suavidade na compra de ingressos para a Flip no site Tickets for fun. Agora, passando do meio-dia, as entradas para a Tenda dos Autores estão esgotadas na maioria das mesas, o que era previsível, mas ainda não ouvi – por email, telefone ou redes sociais – nenhum sinal do choro e do ranger de dentes que em outras edições do evento eram parte da paisagem, diante de conexões que caíam no meio do processo de compra, informações desencontradas etc.. Sim, está certo que cobrar 20% de “taxa de conveniência” é extorsivo, mas isso não é exclusividade da Flip. No décimo aniversário da festa, a bagunça da venda de ingressos parece ser uma herança maldita que ficou definitivamente para trás. * Você gostaria de viver para sempre? Tolinho. Um livro do filósofo Stephen Cave explica por que a imortalidade é uma daquelas ideias que parecem ótimas e na verdade são péssimas. Como champanhe no café da manhã. * Furo de Raquel Cozer na “Ilustrada”…
Como sabe quem costuma aparecer por aqui, elas são um fetiche assumido do Todoprosa: aí vai uma inusitada coleção de fotos eróticas de priscas eras (mais inocentes que a novela das nove, mas vale o alerta) que juntam mulheres e… máquinas de escrever! * É um belo trabalho jornalístico esta entrevista de Rinaldo Gama, Ubiratan Brasil e Maria Fernanda Rodrigues com o editor Sérgio Machado, da Record, que saiu no último Sabático. O chefão da megaempresa aparece de corpo inteiro, mais interessado no “negócio livro” do que no conteúdo dos livros, o claro junto com o escuro, o que explica muita coisa. Só acho injusto que se demonize o homem por contar o episódio – de resto já sabido – da falsa tradução de Nelson Rodrigues para Harold Robbins. Deixa-se de levar em conta que tal tipo de trapaça com o leitor era visto como benigno e foi característico de certo estágio condescendente da indústria cultural do século 20 – veja-se o horóscopo falso, por exemplo, inventado do início ao fim por leigos absolutos, que muitas publicações de respeito cultivaram. É evidente que não cabe mais esse tipo de coisa, o mundo mudou, a ética ficou menos elástica. Mas convém…
httpv://www.youtube.com/watch?v=43q-ZeMhFaQ&feature=related Ainda em clima de “Ulisses”, um vídeo em que a tradicional canção irlandesa “Lass of Aughrim” é interpretada por James Joyce e sua amada, Nora Barnacle – isto é, por Ewan McGregor e Susan Lynch nos papéis de Joyce e Nora. O longa-metragem de Pat Murphy do qual foi extraída a cena chama-se “Nora” e não é grande coisa: apesar de honesto, patina naquela mistura de apanhadão biográfico, trivialização da obra e exaltação do “gênio” que condena 9,7 em dez filmes que têm grandes escritores como protagonistas. Mas a canção é linda, linda. Bom fim de semana a todos.
Escritor multifacetado que gabava-se de reescrever pouco e não saber o que era bloqueio criativo, prolífico articulista de esquerda que nunca se prendeu a dogmatismos partidários, cidadão do mundo de modos aristocráticos, professor universitário e “elegante intelectual público”, segundo o obituário do “New York Times”, Carlos Fuentes morreu ontem deixando uma obra vasta mas, tudo indica, menor que seu papel histórico como agitador do chamado boom latino-americano. Profundamente identificado com a cultura mexicana, embora nascido no Panamá, Fuentes foi o primeiro dos autores do boom – que nos anos 1960 e 1970 conquistou leitores nos quatro cantos do mundo para a literatura do continente – a expressar como ensaísta, ainda nos anos 1960, autoconsciência sobre um movimento que tinha como combustível, em doses iguais, talento e marketing. Fez pelo arcabouço ideológico e pelo instinto gregário do realismo mágico o que a agente literária espanhola Carmen Balcells fazia por suas estratégias comerciais. Como costuma ocorrer com agitadores culturais, Fuentes não figura, porém, entre os nomes de maior potência artística do movimento. O colombiano Gabriel García Márquez, que ainda não se pronunciou sobre sua morte, e o peruano Mario Vargas Llosa – que o fez ontem no calor da hora, ainda que…
O primitivo infográfico ao lado, chamado “Como abrir um livro novo” e pinçado em velhos arquivos da imprensa americana pela revista The Atlantic, funciona como piada pronta – e de época, ou seja, pronta faz tempo – para quem, ao defender os livros de papel diante dos digitais, argumenta que sua tecnologia é insuperável, intuitiva, descomplicada, perfeita. Não para o consciencioso encadernador que deu as dicas para o passo-a-passo ao lado, pelo qual ficamos sabendo que o simples ato de abrir um livro recém-encadernado oferece perigos inimagináveis: “Apoie o livro numa mesa, com a lombada para baixo. Abaixe a capa. Em seguida, a contracapa. Abra então algumas folhas na parte da frente. Agora abra algumas folhas na parte de trás, e siga alternando a abertura de folhas entre a parte da frente e a parte de trás, pressionando-as suavemente para baixo, até atingir o centro. Repita a operação duas ou três vezes para flexibilizar a costura”. Ligar um iPad não é muito mais fácil?
A partir do dia 19 de junho será possível baixar no Kindle todos os sete livros da série Harry Potter, o arrasa-quarteirão de J.K. Rowling, em cinco línguas (inglês, espanhol, francês, alemão e italiano), sem que o cartão de crédito do usuário seja debitado em um único centavo. Os títulos são a mais nova aquisição da “biblioteca” do Kindle, que permite pegar emprestado até um título por mês. Mais detalhes, em inglês, aqui. Ora, qualquer um que tenha cinco minutos de familiaridade com um leitor eletrônico sabe que a diferença entre o empréstimo e a compra pode ser meramente teórica no intangível universo digital – mesmo porque a Amazon anuncia que “não há data de devolução” para os livros da biblioteca do Kindle. Onde, então, estará a pegadinha? A pegadinha, se é que se pode chamar assim, é o amadurecimento de um conceito que já estava embutido no projeto Kindle desde o início: o do dono do aparelho como membro de um clube. A “biblioteca” não é exatamente gratuita no fim das contas: só têm acesso a seus (por enquanto) 145 mil títulos – e a benefícios como entrega rápida de livros físicos sem taxa extra e um acervo de…
Divertidas, as listas fotográficas da Flavorwire já são uma tradição no mundo digital – uma prova de que pouca gente resiste a uma sabedoria de almanaque organizada em tópicos. O tema das estantes criativas, por seu lado, já é uma pequena tradição na blogosfera literária – uma prova de que, embora os livros eletrônicos tenham chegado para ficar, os volumes de papel estão longe de perder seu charme. Juntando as duas coisas temos esta galeria de “30 estantes lindas e inovadoras”. Recomenda-se uma visita à lista completa, mas, como o tempo é curto e os altos e baixos fazem parte do gênero, o Todoprosa separou aqui algumas de suas preferidas. . .
O pôster ao lado (“Estes são seus filhos. Estes são seus filhos com livros”) é uma criação do grupo americano de incentivo à leitura Burning Through Pages. Uma beleza, não? Via Galleycat. * O romance é escrito frase por frase. Para cada uma delas, qualquer pessoa pode inscrever uma concorrente (até 140 toques). Usuários como você votam então em cada uma das frases inscritas, dando-lhes cotações de +1 ou -1. A que tiver a maior nota torna-se então uma frase do romance, pelo menos até que outra inscrita obtenha uma contagem maior. Clique aqui para ler mais sobre a ideia, e aqui para conferir a execução. Ah, sei. Mas já que estamos interativos, proponho outra votação. [poll id=”51″] * Parece ser parte do espírito do tempo a aposta no coletivismo. Mesmo quando os autores são indivíduos: será que “coletivos” e cooperativas de escritores estão escritos no futuro da autopublicação? Alison Flood, do blog de livros do “Guardian”, acredita que sim (em inglês). * O escritor londrino Will Self fez dia desses uma curiosa e enfática defesa das “palavras difíceis”, comparando o gosto de nosso tempo pela facilidade textual com os playgrounds emborrachados das crianças. Vale confrontar com a crônica que…
O site é visualmente modesto, baseado numa ideia simples, e abre mão até de ilustração, que dirá dos recursos multimidiáticos que a internet propicia. Apesar disso – ou por isso mesmo? – o FiveChapters.Com tem um charme dos mais distintos e duradouros da blogosfera literária anglófona. Com curadoria de David Daley, que já andou trabalhando com o pessoal da McSweeney’s, sua proposta é publicar um conto por semana em cinco capítulos, um por dia, de segunda a sexta, e deixar que o talento narrativo de bons escritores faça o resto. Tem sido assim há mais de cinco anos – desde outubro de 2006. Abaixo, em tradução caseira, uma amostra de “Dormindo com John Updike” (aqui o conto inteiro, em inglês), de Julian Barnes, uma espécie de Sobrescrito psicologicamente sagaz e melancolicamente cômico sobre duas amigas, Jane e Alice, escritoras idosas de sucesso limitado às voltas com suas memórias – entre elas, a do caso que a última teve com o ex-marido da primeira, Derek, muito tempo atrás – no trem em que ambas retornam de mais um festival literário. Elas acabam de se irritar mais uma vez com o tópico eternamente repisado do velho triângulo quando Jane abre um novo…
Baixada a poeira, já dá para dizer: Laura Miller, ex-jurada do prêmio Pulitzer, publicou na Salon.com a melhor reflexão (em inglês) que vi por aí sobre a polêmica ausência de um representante da literatura de ficção entre os laureados deste ano, algo que não ocorria desde 1977. Miller explica o frequente atrito entre as deliberações do júri, formado por gente da área de literatura, e o aval do conselho do Pulitzer, que tem interesses variados e costuma levar as decisões para um terreno próximo do gosto médio – daí, aliás, a costumeira eficácia do prêmio como propulsor de vendas. Os conselheiros se comprometem a ler os finalistas, claro, mas é só. Qualquer manobra fora desse terreno é limitada. Miller sustenta basicamente que, como hoje em dia ninguém fora do gueto literário tem tempo nem vontade de se manter em dia com os lançamentos, por melhores ou mais comentados que eles sejam, o consenso em situações desse tipo tende a ser cada vez mais difícil: Segundo todos os relatos, o grupo (de conselheiros) não conseguiu construir uma maioria em torno de nenhum dos três títulos recomendados pelo júri. É certamente improvável que um número suficiente deles tenha lido ficção de forma…
Meu próprio entendimento é que, quando as pessoas chamam hoje em dia algum texto de literário, elas geralmente têm em mente uma de cinco coisas, ou alguma combinação entre elas. O que elas querem dizer com “literário” pode ser um trabalho que seja ficcional; que comporte uma medida significativa de intuição sobre a experiência humana, em oposição ao relato de verdades empíricas; que use a linguagem num registro peculiarmente elevado, figurativo ou autoconsciente; que não seja pragmático no sentido em que listas de compras o são; ou que seja altamente valorizado como exemplar de escrita. O novo livro do crítico literário inglês Terry Eagleton – que brilhou como o grande provocador da Flip há dois anos, conforme relatado na época aqui – chama-se The event of literature (“O evento da literatura”) e traz uma surpresa não só para quem tem alguma familiaridade com sua obra como para qualquer pessoa que costume acompanhar, mesmo de longe, as conversas no ambiente cada vez mais rarefeito da crítica literária acadêmica. Eagleton afirma que, pensando bem e diferentemente do que vinha sustentando até aqui, é possível, além de desejável, definir de forma universal o que é literatura, sim. Para tanto basta introduzir nas lucubrações…
Três anos e meio após a sua morte, David Foster Wallace (foto) se consolida como o Raul Seixas da literatura americana: os últimos achados em seu baú são um cartão postal que ele escreveu para Don DeLillo e algumas cenas ainda inéditas de The Pale King, romance inacabado publicado postumamente. * Da mesma geração de DFW e, para todos os efeitos, tão sério quanto ele no modo de encarar a literatura, Jonathan Franzen se distingue pela absoluta ausência de autoironia. Após mais uma entrevista em que martelou seus temas preferidos – a necessidade que o ser humano tem de ler histórias literárias “complexas” como as que ele escreve e a incapacidade escrevê-las quando se tem conta no Twitter ou no Facebook – abriu a porta para que Tim Parks levantasse dúvidas interessantes sobre a tal “necessidade humana de histórias” e lhe dirigisse outras perguntas incômodas neste artigo (em inglês) no blog da “New York Review of Books”: Naturalmente, é conveniente para um romancista pensar que, pela própria natureza de seu trabalho, está do lado do bem, provendo uma demanda urgente e geral. (…) Mas qual é a natureza dessa demanda? O que aconteceria se ela não fosse atendida? (…) E…
Lean Back 2.0 – updated February 2012 O link acima abre uma apresentação de slides feita há menos de dois meses por Andrew Rashbass, presidente do grupo “The Economist” (em inglês). Para quem tiver paciência de aguentar um certo visgo Powerpointilhista de embromação corporativa, ela traz algumas ideias novas e surpreendentes – numa palavra, revolucionárias – sobre os padrões de leitura online na segunda década do século 21. “O velho é novo de novo”, afirma um dos quadros. O que isso quer dizer? Resumindo, trata-se da constatação de que, após um período em que a leitura online foi feita basicamente em desktops e laptops, estamos entrando de modo resoluto na era do tablet, que – eis a tese, sustentada por pesquisas e tendências já visíveis de comportamento – muda tudo: daquilo que já se convencionou chamar de Lean forward para Lean back 2.0. Lean forward, para quem não sabe, faz referência à posição do corpo do internauta diante da máquina, inclinado sobre ela: é uma postura ativa que favorece o compartilhamento de informação, a navegação nervosa de link para link e o vaivém da atenção entre texto e vídeo, por exemplo. Lean back 2.0 – e agora a inclinação é…
httpv://www.youtube.com/watch?v=v1EbNvHDxbA O Pop Literário de Sexta volta com “O velho e o mar”, curta de animação russo (postado no YouTube em duas partes) que faturou o Oscar da categoria em 2000. Baseado na famosa novela de Ernest Hemingway sobre a luta de um velho pescador solitário contra um peixe gigantesco, o belíssimo filmete do animador Aleksandr Petrov foi feito com uma técnica peculiar – pastel sobre vidro em 29 mil quadros – e tem cenas de tirar o fôlego. Boa Páscoa a todos. httpv://www.youtube.com/watch?v=l2_KszEnlq0&feature=related
“Por que só digo agora,/ velho e com minha última gota de tinta,/ que a potência nuclear Israel põe em risco a já frágil paz mundial?” É curioso que o escritor alemão Günter Grass, Nobel de literatura de 1999, tenha abordado retoricamente em seu polêmico poema-manifesto “O que precisa ser dito” – publicado na quarta-feira em diversos jornais do mundo com duras críticas a Israel – a questão do longo silêncio que finalmente se quebra. Foi um desses atrasos que, em agosto de 2006, arranhou sua imagem de tal forma que faz a manifestação de agora ser recebida com maior perplexidade. Naquele momento, veio a público a confissão de Grass – parte de seu livro de memórias “Descascando a cebola” – de que tinha sido nazista na juventude, tendo pertencido às tropas SS em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial. Uma informação que ele mantivera em segredo até então. Muitos alemães tinham e têm histórias semelhantes. A diferença é que o autor de “O tambor” havia passado seis décadas como uma das principais vozes da consciência moral alemã, instando seus compatriotas a encarar de frente o passado nazista, sem no entanto aplicar a receita a si mesmo (leia aqui…
Descubro sem surpresa, mas com algum pesar, que já existe alguém na internet declarando seu ódio a máquinas de escrever como peças de decoração moderninha – um tumblr dedicado à trollagem dos modismos do design chamado, significativamente, Fuck Your Noguchi Coffee Table. Não, é claro que isso não quer dizer muito. Tente imaginar qualquer coisa no universo que não mereça declarações de ódio em algum lugar da internet e você se verá em apuros. Mas achei curioso, porque não fazia ideia disso e nunca vi nada parecido nas casas que frequento, descobrir que uma paixão que alimento há anos vai, em alguma parte do mundo, entrando no terreno do clichê. Há dois anos e meio, quando rolou a notícia de que Cormac McCarthy estava leiloando sua velha Olivetti, saí do armário aqui no blog como amante e pequeno colecionador de máquinas de escrever. Na verdade, tenho só três peças, todas de valor afetivo, que na época apresentei assim: Tenho em casa um modesto museu da máquina de escrever. Além da portátil Hermes 2000 que já comprei velhinha nos anos 1980, num antiquário, mas ainda cheguei a usar, conservo a pesada Remington que herdei de meu pai, na qual batuquei meus…