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Começos inesquecíveis: Jorge Luis Borges
Posts / 18/10/2006

Devo à conjunção de um espelho e uma enciclopédia o descobrimento de Uqbar. A primeira frase de ?Tlön, Uqbar, Orbis Tertius?, o primeiro conto da coletânea ?O jardim de caminhos que se bifurcam?, lançada em 1941, resume Jorge Luis Borges. Ou pelo menos o Borges dos labirintos, da erudição absurda, lúdica e ardilosa, dos tempos paralelos ? tudo aquilo que daria origem ao borgianismo. O livro ganhou três anos depois o acréscimo de outros contos fundamentais, entre eles ?Funes, o memorioso?, e o nome de ?Ficções?. O melhor título do escritor argentino, na minha opinião. (Cito aqui a tradução que consta das ?Obras completas?, editora Globo, 1998, mas com uma liberdade: no título do livro, prefiro ?caminhos? a ?veredas?, que pode até ser uma tradução mais precisa do original senderos, mas soa meio pesado.)

Ficção, internet, salões de beleza – um debate
Posts / 17/10/2006

…a muitas outras pessoas, as possibilidades de se tornarem leitoras foram decididamente vedadas por nosso mundo volúvel e cínico – um mundo aturdido pelo botão de fast-forward, um mundo que iguala o estar quieto no seu canto com o não-ser, um mundo cujos habitantes sentem uma raiva lancinante de alguma coisa sem nome que lhes falta. “Eu não leio ficção”, as pessoas me dizem, normalmente num tom que beira o acusatório. “Isto é, nos dias de hoje, não é só um punhado de sujeitos usando a linguagem para tentar parecer inteligentes?” Sim, é exatamente isso! “Mas eu encontro a mesma coisa, e com mais rapidez, num blog. Ou no meu cabeleireiro.” O trecho acima faz parte de uma das respostas do escritor russo-americano Gary Shteyngart ao seu colega, este americano por inteiro, Walter Kirn, no bom debate encomendado aos dois pela revista eletrônica Slate sobre “O Romance, 2.0” – ou seja, o futuro da forma por excelência da literatura de ficção na era da internet. Ambos são jovens ou quase isso – Shteyngart na casa dos 30, Kirn na dos 40. Cada um escreveu três artigos curtos, em forma de carta dirigida ao outro, e a coisa toda tem momentos…

Setenta anos de solidão?
Posts / 16/10/2006

Esse premiado anúncio (via Gawker) da agência de publicidade milanesa Saatchi & Saatchi para uma liquidação da rede de livrarias Mondadori – tudo com 30% de desconto, claro – é a prova de que as campanhas de “incentivo à leitura” não precisariam ser a chatice que são.

Dois livros pinçados da avalanche
Posts / 15/10/2006

Como Drummond mirando com perplexidade as pernas dos transeuntes, qualquer um que acompanhe de perto o volume de lançamentos editoriais tem vontade de gritar de vez em quando: “Para que tanto livro, meu Deus?”. Às vezes – nem sempre – é possível surfar a avalanche no contrafluxo e recuperar novidades de ontem ou anteontem. Nos últimos meses, dois lançamentos nacionais que passaram em branco por aqui, e pela maior parte da imprensa cultural, ficam ao mesmo tempo acima – na qualidade literária – e abaixo – no marketing literário – da média dos dias que correm. Em outras palavras, são boas dicas de leitura. “A solidão do Diabo”, de Paulo Bentancur (Bertrand Brasil, 352 páginas, R$ 45), é uma alentada coletânea de 59 contos – necessariamente desiguais, dada a quantidade – que, no entanto, encontram sua unidade no difícil artesanato de uma linguagem madura, econômica, reminiscente do bom conto brasileiro dos anos 60 e 70. A originalidade do livro aparece quando essa simplicidade enganadora, sugestiva de penosos trabalhos de reescritura que infelizmente andam fora de moda, é posta a serviço de uma liberdade narrativa de um tipo difícil de encontrar na literatura contemporânea – um tipo capaz de enfileirar no…

Lendo Pamuk em Teerã – ou coisa parecida
Posts / 14/10/2006

Metade da Turquia comemorou o Nobel de Orhan Pamuk, enquanto a outra metade ficou arrasada com a consagração internacional de um sujeito que é considerado traidor da pátria – leia mais sobre as reações, em inglês, aqui. Parece saído de um livro de Pamuk esse embate de consciências irreconciliáveis num país que, até por razões geográficas, para não mencionar as históricas, se estica sobre o abismo entre Ocidente e Oriente. O problema – para todo mundo, claro, mas primeiro e principalmente para quem tem um pé de cada lado – é que o abismo está se alargando nestes nossos “tempos catastróficos”, como anotou Margaret Atwood num emocionado artigo para o jornal inglês “The Guardian”. A escritora canadense afirma não conceber hoje, por essa razão, um Nobel de literatura mais importante do que Orhan Pamuk. Tudo isso me fez pensar na recente polêmica provocada por um acadêmico iraniano radicado nos EUA, Hamid Dabashi, professor de literatura da Universidade de Colúmbia, ao atacar com violência a escritora Azar Nafisi, autora do best-seller “Lendo Lolita em Teerã” (editora Girafa, 2004). O livro trata, a seu modo, do mesmo choque cultural que alimenta a obra de Pamuk. Escreveu Dabashi: “Lendo Lolita em Teerã” é…

Pamuk ganha o Nobel
Posts / 12/10/2006

O prêmio Nobel de literatura para o romancista turco Orhan Pamuk só é surpreendente porque não foi surpresa alguma. Pamuk, de 54 anos, era o favorito este ano e vinha aparecendo entre os principais candidatos há algumas edições do prêmio, mas o Nobel, que gosta de uma surpresa, raramente premia favoritos. Embora o presidente da Academia Sueca tenha negado o caráter político da premiação (leia a notícia do “New York Times”, em inglês, mediante cadastro), é difícil desvinculá-la da recente controvérsia que cercou o nome de Pamuk, submetido a um processo (já encerrado) na Turquia por crime de opinião, após afirmar em entrevista que o país massacrou 1 milhão de armênios na Primeira Guerra Mundial – veja nota da época no Todoprosa aqui. Pamuk devolve o prêmio, digamos assim, a um país majoritariamente muçulmano, depois que o egípcio Naguib Mahfouz morreu em agosto deste ano. Como a de Mahfouz, pode-se ver sua literatura como uma rica fusão cultural entre Ocidente e Oriente. O autor turco é conhecido dos leitores brasileiros. Esteve no país ano passado, como convidado da Festa Literária Internacional de Parati, e tem seu romance “Neve” chegando às livrarias nos próximos dias – sim, a Companhia das Letras…

Sabino, um mestre sem imaginação
Posts / 11/10/2006

Hoje faz dois anos que morreu Fernando Sabino. Amanhã faz 83 anos que Fernando Sabino nasceu. Tudo isso e mais o carnaval feito pelo caderno “Prosa e verso” do “Globo” com o romance “O encontro marcado” – tratado, a meu ver com exagero, como se fosse um “Grande sertão” ou um “Dom Casmurro” – me motivaram a entrar no debate republicando um artigo que escrevi assim que soube da morte do escritor mineiro. Fica como contribuição à tarefa nada simples de pôr em perspectiva o legado de Sabino: O jornalista e escritor Humberto Werneck tem razão: é injusta a cobrança que perseguiu Fernando Sabino ao longo de sua carreira, porque “nenhum escritor tem a obrigação de escrever mais que um bom livro”. Werneck completa seu raciocínio com estilo e contundência: “Se todo romancista fizesse um romance da envergadura de ‘O encontro marcado’, o Brasil teria a maior literatura do mundo”. Posta a questão nesses termos, é difícil discordar. Lançado quando o escritor tinha só 32 anos, “O encontro marcado” é um romance que bastaria para justificar qualquer obra. Mesmo assim, fica faltando dizer alguma coisa. Por que Fernando Sabino, depois de um vôo tão ambicioso, guardou as asas no sótão…

Nobel: façam suas apostas
Posts / 10/10/2006

O Nobel de Literatura, que será divulgado nesta quinta-feira, está movimentando as casas de aposta inglesas – o que não é novidade nenhuma num país que aposta até na cor do vestido que a Rainha vai usar amanhã. O romancista turco Orhan Pamuk está disparado em primeiro lugar nas preferências, mas isso não quer dizer muita coisa: Pamuk já era o favorito ano passado e perdeu para o dramaturgo Harold Pinter, que nem aparecia na lista de seus conterrâneos jogadores. A americana Joyce Carol Oates também está no páreo, segundo a casa de apostas Ladbrokes. Uma curiosidade: Bob Dylan aparece mais bem cotado que Ian McEwan. Mais especulações podem ser lidas, em inglês, no blog Culture Vulture.

O ‘Suplemento Literário’, hoje
Posts / 09/10/2006

Um belíssimo presente dado pelo “Estadão” de ontem aos seus leitores tem textos disponíveis também a não-assinantes na internet: quatro páginas com uma seleção de artigos do “Suplemento Literário”, lançado em 6 de outubro de 1956 (a primeira versão desta nota dizia, repetindo informação equivocada do jornal, tratar-se de um fac-símile; na verdade, é uma coletânea que cobre vários números). Editado pelo crítico teatral Décio de Almeida Prado a partir de um projeto de Antonio Candido, o SL marcou época pela qualidade de seus colaboradores nos dez anos seguintes, enquanto teve Décio à frente da equipe. Sóbrio e elegante, o SL nunca assumiu um papel vanguardista e combativo como seu contemporâneo carioca mais vistoso, o “Suplemento Dominical” do “Jornal do Brasil”. A explicação de Antonio Candido para isso – em entrevista publicada na mesma edição do “Estado”, esta, porém, fechada no site para assinantes – é curiosa e dá uma medida de como a paisagem cultural brasileira mudou nesse meio século: São Paulo naquele tempo não tinha a densidade cultural do Rio, onde se concentrava o mais vivo da literatura e das artes. Não valeria a pena, portanto, pensar uma fórmula “de movimento”, como a que caracterizava, por exemplo, o…

Começos inesquecíveis: José Saramago
Posts / 08/10/2006

D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. “Memorial do convento” (Bertrand Brasil, 1998, 22a edição), que José Saramago publicou em 1982, é um livro do início da “fase madura” do autor português – aquela, prolífica, que lhe valeria sua enorme popularidade e o Nobel. Naquele tempo o estilo aliciador de Saramago, com traços viciantes, ainda era novo demais para criar anticorpos no leitor ou para ser acusado de repetitivo. Resultado: D. Maria Ana Josefa podia ser estéril, mas a prosa era a própria…

Dê um Google: Ahab + baleias = ?
Posts / 06/10/2006

O Brasil, nariz enfiado no umbigo, finge que não é com ele. Mas continua mundo afora o quebra-pau sobre o futuro do livro e da leitura na era digital, assunto que o Todoprosa – embora seja tão cerimonioso com engenhocas de alta tecnologia que até hoje tem um celular sem câmera, imagine só – acompanha com interesse entre o perplexo e o entusiasmado. O último capítulo é um artigo/resenha (em inglês, acesso gratuito) de Jason Epstein, ex-diretor editorial da Random House, no “New York Review of Books”. Comentando um pacote de cinco livros que de alguma forma abordam o assunto, Epstein observa que… … a concepção original de (Larry) Page (um dos fundadores do Google) para o Google Book Search parece ter sido a de que livros, como os manuais de que ele precisava na escola secundária, são fontes de informação que os usuários podem pesquisar como pesquisam na Web. Mas a maioria dos livros, diferentemente de manuais, dicionários, almanaques, livros de receita, publicações acadêmicas, manifestos estudantis e assim por diante, não podem ser representados adequadamente googlando-se assuntos como Aquiles/ira ou Otelo/ciúme ou Ahab/baleias. A “Ilíada”, as peças de Shakespeare e “Moby Dick” são, em si mesmos, informação para ser…

A incrível lenda do violino funerário
Posts / 05/10/2006

O último burburinho nos meios literários anglófonos é o conto-do-vigário em que caíram duas editoras de respeito – a Duckworth na Inglaterra e a Overlook nos Estados Unidos – ao comprar como uma legítima obra de não-ficção um livro chamado An incomplete history of the art of the funerary violin (Uma história incompleta da arte do violino funerário), do inglês Rohan Kriwaczek. O livro conta em detalhes, com fotos, partituras e fac-símiles de documentos, a história de um gênero musical menor, o do violino funerário, que teria sofrido perseguição da Igreja Católica no século XIX até ser virtualmente extinto, sobrevivendo apenas como culto secreto numa organização chamada Sociedade dos Violinistas Funerários. O livro vai ser publicado este mês, embora tenha sido denunciado por historiadores e músicos como uma completa invenção, segundo reportagem do “New York Times” (aqui, em inglês, mediante cadastro gratuito). “Verdadeiro ou falso, é o trabalho de alguma espécie de gênio louco. Se é uma fraude, é uma fraude brilhante, brilhante”, defende-se Peter Mayer, editor da Overlook. O autor não quis falar.

Ainda a decadêndia da leitura: zapping
Posts / 04/10/2006

O que ainda pode haver de tão impressionante num fenômeno que todos sabemos que marca o nosso tempo – o do encontro de atenções cada vez mais dispersas com fluxos de informação cada vez mais acelerados? É uma obviedade que, por alguma razão, nunca nos ocorre quando somos jovens: há livros demais, cada vez mais, e tempo de menos, cada vez menos. Solução não há, mas o zapping não deixa de ser uma digna resposta humana a essa perversidade de Deus. Zapear, eu também zapeio. Mas não vou ficar surpreso se, exatamente porque o tempo anda tão curto e nossa atenção, tão impaciente, o romance longo vier a ganhar cada vez mais importância como santuário, como refúgio contra a tirania da velocidade. Os trechos acima são de Zap não pula por boniteza, um artigo que publiquei aqui no NoMínimo há pouco mais de dois anos, logo após fazer a mediação de uma mesa na II Flip em que Sérgio Sant’Anna declarou que já não tinha tempo para ler: agora, disse, apenas zapeava entre os livros. Tudo a ver com as observações de Daniel Galera sobre o, digamos, “rebaixamento do horizonte” da leitura como uma marca do nosso tempo (nota abaixo)….

Índia em Frankfurt
Posts / 03/10/2006

O Babelia, suplemento cultural do jornal espanhol “El Pais”, preparou um interessante roteiro com dez links (em línguas diversas, mas sobretudo em inglês) sobre aspectos variados da literatura indiana. A Índia é o país homenageado este ano na Feira de Frankfurt, que começa amanhã e termina domingo. Cerca de 70 escritores indianos estarão na Alemanha vendendo o seu peixe.

Galera e a decadência da leitura
Posts / 02/10/2006

…as conversas sobre literatura, mesmo entre o público mais culto e esclarecido, raramente ultrapassam variações de diálogos do tipo “E aí, já leu o LIVRO X, do AUTOR Y?” “Claro, bom à beça. Gostei muito.” “Bacana, né? Agora já comecei o LIVRO Y, achei o início sensacional.” “De quem é esse mesmo?” “Do AUTOR X, primeira tradução direto do original, saiu pela coleçãozinha nova, aquela, da EDITORA Z, com as capinhas aquelas.” “Ah, claro. Claro. Tinha lido a resenha do RESENHISTA A no JORNAL B. Tenho que comprar esse aí também, mas a grana tá curta.” Sob o risco de minha memória estar sendo deformada por sentimentos nostálgicos, acho que na adolescência eu tinha muito mais conversas longas e profundas sobre livros com meus amigos do que hoje, agora que já publiquei livros e trabalho praticamente só com coisas relacionadas a literatura ou mercado editorial. Em seu blog, Ranchocarne, o escritor gaúcho Daniel Galera – autor de “Mãos de cavalo”, desde já um dos livros brasileiros do ano – fala da sensação de que a qualidade da leitura vem caindo à medida que aumenta a velocidade com que novidades literárias são lançadas e substituídas no foco de interesse de um…

Começos inesquecíveis: Ernest Hemingway
Posts / 01/10/2006

Robert Cohn fora campeão de boxe na categoria dos pesos-médios em Princeton. Não pensem que esse título me impressione. Mas significava muito para Cohn. Os jabs em seqüência com que Ernest Hemingway (1899-1961) abre seu primeiro romance, “O sol também se levanta” (Bertrand Brasil, 2001, tradução de Berenice Xavier), são mais do que o começo de um livro. Desferidos em 1926, quando o autor tinha 27 anos, marcam a fundação de um mito pessoal e outro coletivo, o da “geração perdida” de escritores americanos que viveram em Paris nos anos 20. Mas isso é marketing literário, não literatura. Importa mais reconhecer que a prosa do homem, tão seca que faz o adjetivo “seca” soar úmido, continua poderosa. Lamento que esteja meio demodê apreciá-la, mas sei que essas coisas de prestígio literário são cíclicas. Acho difícil que qualquer escritor, mesmo um de estilo barroco, diluvial, chegue muito longe se não tiver em algum momento da vida trocado com Hemingway uns golpes desses de quebrar o nariz – como Robert Cohn quebrou o dele.

Cala a boca, heideggeriano!
Posts / 29/09/2006

A história foge do terreno da ficção em que se concentram as obsessões do Todoprosa, mas reúne nomes de peso e um coquetel de política e filosofia que merece atenção: a supereditora francesa Gallimard acaba de suspender a publicação de um livro de filosofia chamado Heidegger à plus forte raison – notícia do “Le Monde”, em francês, aqui. Detalhe bizarro: a suspensão se deu no último minuto, depois que cópias do livro já tinham sido distribuídas à imprensa e algumas resenhas, publicadas. A Gallimard não explicou a decisão. A proposta do livro – de diversos autores, com organização de François Fédier – é provar que o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) não era nazista.