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A herdeira
Posts / 30/07/2006

Esta podia estar no blog do Ryff, mas vamos lá: a milionária indústria de picaretagem que gira em torno de “O código da Vinci”, de Dan Brown, acaba de pôr na rua seu produto mais bizarro. A escritora americana Kathleen McGowan publicou um tijolo de 464 páginas chamado The expected one (“O aguardado” ou coisa assim), sobre Jesus, Madalena e aquela conversa toda que vocês já conhecem. A novidade é que o livro, um romanção em que se mesclam ficção e “pesquisa”, tem como protagonista uma escritora que se descobre descendente direta… de Cristo. Consta que McGowan deixa no ar sem muita sutileza que a herdeira é ela.

Se…
Posts / 28/07/2006

Se o Todoprosa falasse de poesia, seria o caso de me declarar surpreso e decepcionado com o dogmatismo exposto pelo escritor e agitador cultural paulistano Nelson de Oliveira em artigo para o jornal curitibano “Rascunho”. Oliveira não deixa escolha aos poetas aspirantes: exige que eles… …inventem sua própria métrica, evitem o verso de medida fixa, fujam da rima. O poema regularmente metrificado e rimado pertence ao passado glorioso. Hoje seu ritmo mecânico e engessado (cafona até à medula) só faz sentido na música popular e no canto lírico de baixa qualidade. Pensando bem, nem mesmo aí. A literatura não deve ser tratada como passatempo de burocratas afetados e pedantes. Se o Todoprosa falasse de poesia – mas não fala, não fala –, eu diria que, obviamente, metro fixo e rima são apenas recursos, não têm valor intrínseco para o bem ou para o mal. Vetá-los é tão absurdo quanto declará-los obrigatórios. Principalmente num momento em que, tendo sido tratados com um certo desprezo pelos bem-pensantes por décadas, eles oferecem enorme potencial para o drible na expectativa do leitor, para a obtenção do efeito que não se espera – função básica de qualquer boa literatura, pois não? O artigo é desalentador…

Queimem Monica Ali!
Posts / 27/07/2006

Virou caso de polícia a filmagem, em Londres, do longa-metragem “Brick Lane”, baseado no livro homônimo da princesa do multiculturalismo inglês Monica Ali (leia aqui nota publicada no Todoprosa sobre o último livro da autora). A comunidade bengalesa que Monica Ali retrata no livro – e à qual ela pertence – está revoltada com o que alega ser um retrato preconceituoso e estereotipado de sua gente. Os protestos ganharam tal vulto que a produtora cancelou as filmagens em locações na região bengalesa de Londres, seguindo o conselho da polícia. Não bastou. Está prevista para domingo uma passeata em que exemplares do livro serão queimados. “Ela tem direito à liberdade de expressão, nós temos o direito de queimar livros”, declarou Abdus Salique, líder de uma certa “Campanha contra o filme Brick Lane de Monica Ali”. O movimento reúne centenas de pessoas e foi lançado oficialmente ontem, segundo reportagem (em inglês) do “Guardian”. Uma manifestação de trogloditismo? Claro que é. Mas é comovente também. Quer dizer que a ficção, tratada como uma excentricidade cada vez mais irrelevante em termos sociais, ainda é capaz de provocar toda essa mobilização em algum lugar do mundo? Bom saber que o papel não está restrito a…

Irã proíbe ‘O código da Vinci’
Posts / 27/07/2006

O best seller de Dan Brown, cuja tradução já teve oito edições no Irã, não pode mais ser republicado no país. Os exemplares existentes continuarão à venda – presume-se que devidamente inflacionados. O governo se decidiu pelo veto depois de uma campanha de líderes cristãos iranianos. Curiosamente, os cristãos são gatos pingados no país: cerca de 100 mil contra 69 milhões de muçulmanos.

Nabokov aprendeu com as borboletas?
Posts / 26/07/2006

Não é segredo para ninguém que o grande Vladimir Nabokov (veja nota abaixo sobre “Lolita”) foi um estudioso de borboletas tão sério que chegou a batizar uma nova espécie e sugerir que preferia a lepidopterologia à literatura. Mas ninguém tinha levado tão longe a relação entre as duas maiores paixões do escritor russo (o xadrez vinha em terceiro lugar) quanto o biólogo e nabokovólogo Dmitry Sokolenko. Sokolenko organizou em São Petersburgo, cidade natal do autor de “Ada”, a exposição “O código Nabokov”. Trata-se de uma série de grandes painéis com imagens superampliadas da anatomia das borboletas ao lado de fragmentos da obra do escritor – leia a reportagem do “New York Times”, em inglês, mediante cadastro gratuito. O efeito talvez não seja dos mais feios, mas as ambições de Sokolenko vão além do decorativo. Ele espera provar que o Nabokov escritor deve muito ao Nabokov cientista: “Acho que sua atenção meticulosa aos detalhes (como escritor) só pode ter vindo de sua profissão, daquilo que ele estava fazendo na entomologia”.

Brasil em foco no ‘Guardian’: participe
Posts / 25/07/2006

O bom blog de assuntos culturais do jornal inglês “The Guardian”, chamado Culture Vulture, está pedindo aos seus leitores sugestões de escritores brasileiros – de preferência traduzidos para o inglês, mas não necessariamente. Faz parte de uma seção fixa que eles têm, World Literature Tour, que se limita a pôr um país em foco e deixar o resto por conta dos comentaristas (que precisam ser cadastrados, mas o registro é gratuito). A nota do Brasil entrou no ar ontem e até agora as sugestões andam meio pobres. As melhores não conseguiram ir além de obviedades como Machado de Assis e Clarice Lispector, tal e coisa. Fica aqui a convocação: eu sei que os leitores do Todoprosa podem mostrar àqueles ingleses que nós somos mais do que um país bonito e muito, muito esculhambado. Ou não somos?

Callado: um curioso documento de época
Posts / 24/07/2006

O fato é que, sob a aparente paz e ordem encontradas em tantos países da América Latina, uma corrente de inconformismo vai atingindo níveis cada vez mais profundos. Exatamente como nos nossos romances e nas nossas peças – e é isso que confere a elas sua atual vitalidade, reconhecida pelo mundo –, também entre as massas a estagnação do subdesenvolvimento está começando a ser desafiada. Os que pensam e os que sofrem estão confluindo para um mesmo caminho. Não há hoje praticamente nenhum romance na América Latina que não pregue a revolta. Em nossos países, romances suaves e etéreos não iriam mesmo convencer nenhum leitor. É estranho ler “Censura e outros problemas dos escritores latino-americanos” (José Olympio Editora, tradução de Cláudio Figueiredo, 98 páginas, R$ 20), tradução de três conferências de Antonio Callado (1917-1997) escritas em inglês e proferidas em universidades britânicas em fevereiro e março de 1974. Além da coragem do escritor, militante do Partido Comunista, de tocar naqueles temas com a ditadura militar brasileira esbanjando força – ainda estávamos no governo Medici –, o que mais chama a atenção do leitor de hoje é o envelhecimento implacável desses textos. Não se trata, obviamente, de dizer que os problemas…

Começos inesquecíveis: Vladimir Nabokov
Posts / 24/07/2006

Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. De uma família aristocrática que deixou a Rússia fugindo da Revolução de 1917, Vladimir Nabokov (1899-1977) se mudou para os Estados Unidos em 1940, depois de passar por Berlim e Paris. Já então um escritor maduro – e finíssimo – em sua língua materna, embora pouco conhecido do grande público, dedicou-se tanto a dominar literariamente o inglês que em 1955 lançou nada menos que “Lolita” (Companhia das Letras, 1994, tradução de Jorio Dauster). O escandaloso teor sexual do romance sobre o amor de um homem maduro por uma adolescente transformou Nabokov num estouro comercial. Talvez mais escandaloso que o tema, porém, seja um russo ter se tornado um dos maiores estilistas da história da…

As 007 vidas de James Bond
Posts / 23/07/2006

Um livro novo – inédito – de James Bond, o agente 007 criado pelo inglês Ian Fleming? Pois é. A empresa que controla a obra do escritor morto em 1964, a Ian Fleming Publications Ltd., anunciou ter encomendado a um autor “muito famoso e altamente respeitado” um novo livro de Bond, para ser lançado em 2008, quando será comemorado o centenário do nascimento de Fleming. Notícia completa, em inglês, aqui. Se Robert Ludlum pode continuar literariamente vivo depois de morto (veja aqui como ele consegue), por que Fleming não poderia?

Thomas Pynchon vem aí
Posts / 21/07/2006

O próximo livro do americano Thomas Pynchon se chama Against the day (?Contra o dia?), tem mais de 900 páginas e será publicado no dia 5 de dezembro pela Penguin. Excitante? Não falta quem ache. Considerado um dos maiores escritores vivos por muita gente ? e um dos mais ilegíveis por outro tanto ?, não se pode negar que o americano Thomas Pynchon, de 69 anos, conseguiu se tornar uma lenda pop com sua decisão de, como J.D. Salinger, jamais se deixar fotografar ou dar entrevistas. Autor de romances caudalosos marcados por uma profusão de personagens, situações e registros de linguagem, além de uma lógica interna toda própria, Pynchon não publica um livro novo desde ?Mason e Dixon?, de 1997 (aqui lançado em 2004 pela Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Britto).

Um alemão ‘latino-americano’
Posts / 20/07/2006

A cobertura da Copa do Mundo ajudou a transformar num bagaço imprestável, mastigado mil vezes por dia, o clichê de que a Alemanha anda mais leve, mais alegre, menos carregada de culpa. Acontece que clichê não é sinônimo de mentira. O romance “Medindo o mundo”, de Daniel Kehlmann, tem sido apontado como mais um sinal dessa nova leveza alemã. Lançado em setembro do ano passado, vendeu 600 mil exemplares no país – mais do que os fenômenos importados JK Rowling e Dan Brown. É o suficiente para fazer de Kehlmann o maior acontecimento editorial alemão desde “Perfume”, de Patrick Susskind, publicado nos anos 80. O que tem merecido a maior admiração da crítica – também ela, como o público, rendida ao autor de 31 anos – é o fato de “Medindo o mundo” não ter nada da gravidade e do peso normalmente associados à literatura alemã. A explicação do próprio autor é que sua mistura de romance histórico e fantasia científica sobre o encontro do matemático Carl Friedrich Gauss com o explorador e naturalista Alexander von Humboldt foi inspirada numa certa literatura sul-americana. Fã de Gabriel García Márquez, Kehlmann declarou o seguinte ao jornal inglês “The Guardian” (reportagem completa aqui):…

Deus mata Mickey Spillane: ‘Foi fácil’
Posts / 18/07/2006

O primeiro livro do americano Mickey Spillane, “Eu, o júri”, de 1947, que já trazia seu lendário detetive durão Mike Hammer, tem um dos finais mais canalhas da história da literatura policial. Quando descobre que a mulher por quem se apaixonou é a assassina do amigo que tinha jurado vingar, Hammer não pensa duas vezes: mete um tirambaço de 45 na barriga dela. Segue-se o diálogo: – C-como você pôde? – ela ofegou. Eu só tinha um momento antes de falar com um cadáver, mas deu tempo. – Foi fácil – disse. Spillane trabalhou aquele gênero de literatura policial barata que Dashiell Hammett tinha transformado numa fortíssima arte seca e Raymond Chandler em admiráveis exercícios de desencanto e sarcasmo. Barateou tudo de novo, aumentou o volume do sexo e da violência até um ponto ensurdecedor e, como vivemos no planeta Terra, vendeu muito mais em poucos anos do que Hammett e Chandler, juntos, a vida inteira. O escritor morreu ontem, em casa, aos 88 anos. Leia aqui o obituário do “Los Angeles Times”.

Tintim, o maior herói da literatura
Posts / 17/07/2006

Para o escritor inglês Tom McCarthy, não basta gostar de Tintim, o repórter aventureiro de topete louro criado por Hergé. Eu também gosto. O problema começa quando McCarthy resolve provar que os álbuns em quadrinhos de Tintim estão no mesmo nível da melhor literatura jamais escrita. Aí seu caso começa a ficar indefensável. Nada contra os quadrinhos, mas me parece fora de questão que eles não são – e só têm a ganhar se não tentarem ser – literatura. Além do mais, se desconfiei da onda teorizante que vinte e tantos anos atrás quis reduzir Tintim a um repulsivo agente do imperialismo francês, por que embarcaria agora na viagem de incensá-lo como o mais acabado herói produzido pela cultura ocidental desde Homero, aquele em que se cruzam algumas das tradições mais férteis da literatura de todos os tempos? O fato é que a editora inglesa Granta resolveu jogar seu prestígio nessa brincadeira, e não parece estar arrependida. Tem feito um certo estardalhaço o livro Tintin and the secret of literature (“Tintim e o segredo da literatura”). Abaixo, alguns fragmentos do livro – e aqui, em inglês, um maior. Personagens como o Capitão Haddock e Bianca Castafiore ombreiam com qualquer um…

Começos inesquecíveis: o pior de todos
Posts / 17/07/2006

O detetive Bart Lasiter estava em seu escritório estudando a luz que incidia da única janela sobre seu super-burrito quando a porta se abriu para revelar uma mulher cujo corpo lhe dizia que tinha acabado de comer seu último burrito por um bom tempo, cujo rosto informava que anjos existem, e cujos olhos denunciavam que ela seria capaz de fazer você cavar sua própria sepultura e depois lamber a pá até deixá-la limpa. Essas linhas, de autoria do californiano Jim Guigli, foram as vencedoras do prêmio literário Bulwer-Lytton de 2006. Criado em 1982 pela Universidade de San Jose, nos EUA, o concurso anual de “piores começos de romances imaginários” homenageia o autor inglês Edward George Bulwer-Lytton, que em 1830 começou de fato um romance, chamado “Paul Clifford”, com a frase que Snoopy e outros amantes de clichês ajudariam a tornar imortal: “Era uma noite escura e tempestuosa”. São horrorosas as primeiras linhas da história do detetive Lasiter, isso não se discute. Mas concordo com o blog londrino Culture Vulture, que encerrou a notícia da premiação com uma provocação aos seus leitores: sabemos que vocês podem fazer melhor do que isso – ou seja, pior. Quem se habilita?

Começos inesquecíveis: João Ubaldo Ribeiro
Posts / 16/07/2006

Contudo, nunca foi bem estabelecida a primeira encarnação do Alferes José Francisco Brandão Galvão, agora em pé na brisa da Ponta das Baleias, pouco antes de receber contra o peito e a cabeça as bolinhas de pedra ou ferro disparadas pelas bombardetas portuguesas, que daqui a pouco chegarão com o mar. Vai morrer na flor da mocidade, sem mesmo ainda conhecer mulher e sem ter feito qualquer coisa de memorável. É certamente com a imaginação vazia que aqui desfruta desta viração anterior à morte, pois não viveu o bastante para realmente imaginar, como até hoje fazem os muito idosos em sua terra, todos demasiado velhos para querer experimentar o que lá seja, e então deliram de cócoras com seus cachimbos de três palmos, rodeados pelo fascínio dos mais novos e mentindo estupendamente. No início de “Viva o povo brasileiro” (Nova Fronteira, 1984), João Ubaldo Ribeiro anuncia de cara a morte (mas será mesmo?) do protagonista, como faz Gabriel García Márquez em “Cem anos de solidão”. Mas não fica nisso: baianamente, deixa claro que essa é só uma das vidas do sujeito. Fica apenas insinuada a sugestão de que vale a pena seguir cada uma delas. E vale mesmo. Não será…

De empregada doméstica a escritora-revelação
Posts / 14/07/2006

A grande sensação literária da Índia no momento, já traduzida para o inglês, é uma empregada doméstica chamada Baby Halder e seu livro de memórias, “Uma vida menos banal”. Halder teve vida miserável – abandonada pela mãe aos 4 anos, casada aos 12 com um supercanalha, mãe um ano depois – e só começou a escrever incentivada por um patrão, professor universitário aposentado, que lhe deu um caderno escolar e uma caneta quando descobriu que ela, sempre que tirava o pó da estante, aproveitava para bisbilhotar dentro dos livros (notícia completa do “Herald Tribune International”, em inglês, aqui). O mesmo professor a ajudou a “editar” mais tarde o material bruto. Consta que “Uma vida menos banal” é forte e emocionante a seu modo cru, mas isso contribui pouco para o fato de os quatro cantos do mundo estarem ouvindo falar do livro – inclusive, agora, os leitores do Todoprosa. Méritos à parte, é difícil não ver no caso de Baby Halder mais uma amostra do vício contemporâneo de tratar qualquer arte como um subproduto – não muito importante, aliás – da biografia do artista.

Shakespeare inflacionado
Posts / 13/07/2006

Todo jovem escritor deve guardar esta notícia para mostrar a seus pais quando eles vierem com aquela conversa de que “literatura não dá dinheiro”. Às vezes demora um pouco, mas dá. Um exemplar da primeira edição das peças reunidas de William Shakespeare, publicado em 1623, apenas sete anos após a sua morte, e cheio de anotações nas margens, foi vendido hoje num leilão em Londres por 2,8 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 11,4 milhões). Notícia completa, em inglês, aqui.