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Plebiscito não torna Macondo uma cidade real
Posts / 27/06/2006

A cidade natal do colombiano Gabriel García Márquez, a pequena Aracataca, que ele pôs no mapa, não quis sair de casa para lhe retribuir o favor: num plebiscito realizado domingo passado, uma alta taxa de abstenção – leia-se indiferença – impediu que o nome da cidade fosse trocado para Aracataca-Macondo, em referência à localidade fictícia onde se passa a trama da obra-prima de García Márquez, “Cem anos de solidão”. Dos 22 mil eleitores da cidade, apenas 3.600 apareceram para votar, abaixo da metade do mínimo necessário. Notícia completa, em inglês, aqui. Moral da história? Talvez esta: o brilho da literatura, por mais forte que seja, costuma perder quando confrontado com o sol a pino da vida mundana. Ou ainda: a cidade está ressentida porque faz duas décadas que o escritor não a visita. Ou não, nada disso: rebatizar o lugar como Aracataca-Macondo era uma idéia de jerico mesmo.

Nossos comerciais, por favor
Posts / 26/06/2006

O product placement, mais conhecido no Brasil como merchandising, é tão comum no cinema e na televisão quanto atrizes siliconadas. Parece que já passamos da fase de debater a ética da coisa, que de alguma forma se naturalizou: afinal, o personagem tem que tomar uma cerveja naquela cena, não tem? Está no roteiro. Então por que não fazer da cerveja uma Bohemia e descolar uma grana que – naturalmente – será reinvestida em prol da qualidade artística do produto final? Hein, hein? (Um espírito-de-porco pode argumentar que, uma vez começado esse jogo, é inevitável que mais e mais personagens virem enxugadores de cerveja, mesmo que sejam atletas de ponta em véspera de Olimpíada, mas ninguém vai lhe dar ouvidos.) Na literatura é diferente: a jogada ainda provoca escândalo, como se viu depois que dois autores americanos de livros juvenis, Sean Stewart e Jordan Weisman, admitiram ter reescrito as frases em que mencionavam o batom e outros produtos de maquiagem usados por uma personagem num livro recém-lançado, Cathy’s book, para encaixar as marcas registradas da grife Cover Girl. Imoral? Onde vamos parar? A escritora Jane Smiley publicou no “Los Angeles Times” um artigo em que troca de saída esse enfoque chocado…

Goleadores de letra
Futebol & literatura , Posts / 25/06/2006

Seleção brasileira de autores que escreveram sobre futebol, escalada pelo craque botafoguense Sérgio Augusto para o Portal Literal: Paulo Barreto; Coelho Neto, José Lins do Rego, Octávio de Farias e Vinicius de Moraes; Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues e Décio Almeida Prado; Mario Filho, Edilberto Coutinho e Luis Fernando Verissimo.

Começos inesquecíveis: Dashiell Hammett
Posts / 23/06/2006

O maxilar de Spade era largo e ossudo, seu queixo era um V muito pronunciado, abaixo do V mais suave formado pela boca. As narinas se arqueavam para trás para formar um outro V, menor. Os olhos amarelo-cinzentos eram horizontais. O tema do V era retomado pelas sobrancelhas um tanto peludas que se erguiam a partir de duas rugas gêmeas acima do nariz adunco, e o cabelo castanho-claro tombava – de suas têmporas altas e retas – em uma ponta, por cima da testa. De modo bem ameno, ele parecia um satã louro. Disse para Effie Perine: – O que é, meu bem? O início de “O falcão maltês” (Companhia das Letras, tradução de Rubens Figueiredo, 2001), obra-prima lançada em 1930 por Dashiell Hammett (1894-1961) e fortíssimo concorrente ao título de maior romance policial da história, marca o momento – não desprovido de choque – em que a descrição da literatura realista encontra o grafismo econômico dos gibis.

Cem anos de polêmica: o Brasil lê ou não?
Posts / 22/06/2006

Nos primeiros anos do século XX, escritores de grande importância no cenário intelectual do Rio de Janeiro deram vez a uma discussão que até hoje parece merecer nossa curiosidade. Com grande interesse, eles tentavam responder à seguinte questão: era o Brasil um país de leitores? O famoso cronista João do Rio, que costumava flanar pelas ruas da capital federal em busca de temas cotidianos e ao mesmo tempo provocantes para suas colunas nos jornais, dizia, ao observar o intenso movimento das livrarias e o número cada vez maior de mercadores ambulantes de livros, que o Brasil, de fato, lia. Inconformado com a análise do colega, Olavo Bilac, poeta, cronista e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, discordava veementemente. Usando como prova os dados censitários que denunciavam o alto índice de analfabetismo em todo o país e a constante queixa de romancistas eminentes que mal conseguiam esgotar a primeira edição de suas obras, Bilac deixava clara sua opinião: o Brasil não lia, pela “razão única e terrível de não saber ler”. Assim começa o bom livrinho “O livro e a leitura no Brasil” (Jorge Zahar Editor, 76 páginas, R$ 22), da cientista social Alessandra El Far, lançamento da coleção…

O ‘Rascunho’ se defende
Posts / 22/06/2006

Um dos editores do jornal literário “Rascunho”, Luís Henrique Pellanda, me envia uma mensagem cordial para defender a publicação – sem a menor pinta, digamos, internética – do folhetim de Fernando Monteiro, que critiquei na nota abaixo. “O projeto que nos foi apresentado pelo Fernando não era o de um romance online, mas o de um folhetim a ser publicado em papel”, explica Pellanda. “A publicação do material no site do jornal é uma conseqüência do que é publicado mensalmente no ‘Rascunho’, e serve como registro e consulta aos leitores que perderam capítulos anteriores. Ou seja, o Fernando não buscava desenvolver, para este projeto, uma linguagem específica para a sua publicação na internet.” Muito bem. Imaginei mesmo que fosse o caso, sendo o “Rascunho” eletrônico um mero espelho do jornal de papel, mas vale usar o clichezão – caiu na rede, é peixe. A crítica continua de pé e pode até ser reforçada, estendendo-se à internet brasileira como um todo: com exceções raras, ainda nem chegamos à fase de tentar tornar a rede algo mais do que um depósito de textos. Temos cabeça de papel.

É claro que nossos netos vão rir
Posts / 21/06/2006

Quem gostou da solução encontrada pela Slate para publicar um romance online (nota abaixo) pode achar instrutivo conferir um exemplo de como não fazer isso, acessando o livro que o escritor Fernando Monteiro tem soltado em capítulos no “Rascunho”, o jornal literário paranaense.

Romance online na Slate: nossos netos vão rir?
Posts / 21/06/2006

Vai chegando ao fim a publicação, pela revista eletrônica Slate, do folhetim (a palavra se refere à publicação em série, não ao estilo) The Unbinding, de Walter Kirn, que estreou em março. Kirn é um autor com alguma estrada, embora pouco conhecido no Brasil, e merece uma visita – é grátis. Não tanto pelo romance em si, ambientado num futuro próximo e montado como uma colagem de e-mails e trechos de diários eletrônicos, entre outros fragmentos. Confesso que não me interessou terrivelmente. Mas o modo como é apresentado, sim. Absolutamente legível, com navegação fácil entre os capítulos, possibilidade de escolher a cor do fundo entre preto e branco e outras boas sacadas. A própria Slate – que é suspeita, claro – anuncia a iniciativa como a mais significativa desde que Stephen King “testou o meio no ano 2000, publicando um romance online chamado The Plant”. Não deu muito certo, como se sabe, mas isso teria ocorrido porque “os leitores foram prejudicados pelo acesso discado. Mas a supremacia da banda larga e o crescente conforto com a leitura online tornam possível a publicação de um romance como The Unbinding”, conclui a Slate. Eu sei que estamos engatinhando nessa área. É muito…

Começos inesquecíveis: Graciliano Ramos
Posts / 20/06/2006

Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o meu nome na capa. “São Bernardo” (1934), de Graciliano Ramos (39a edição, Record, 1983).

Brasil vai mal na Copa do Mundo literária
Posts / 20/06/2006

A lista de sugestões de livros para as férias de verão (deles), publicada no fim de semana pelo “Financial Times”, faz um bom retrato da atual configuração, digamos, geopolítica da literatura mundial – na qual o Brasil vai mal, mas vai mal demais. É importante ressalvar que a qualidade não tem necessariamente a ver com isso. E que listas como essa do FT – dividida por áreas geográficas, simulando as viagens que o leitor poderá fazer em pessoa quando as férias chegarem – não passam de bobagens de interesse meramente jornalístico. Mesmo assim, diz muito sobre a predisposição dos leitores do hemisfério Norte, que quarenta anos atrás mal podiam esperar o próximo lançamento latino-americano, o fato de a categoria “Américas Central e do Sul” ter apenas dois títulos, contra sete (sete!) da África, quatro do Oriente Médio e quatro da China. Ainda bem que, dos dois gatos pingados latino-americanos, um é brasileiro: City of God, de Paulo Lins. Mas não vamos nos iludir: o livro só foi parar lá por causa do sucesso do filme de Fernando Meirelles.

Campos de Carvalho voltou da Bulgária
Posts / 19/06/2006

O Grande Escritor Injustamente Esquecido é um personagem fundamental em qualquer literatura. Mais até do que os nomes consagrados, é o Grande Escritor Injustamente Esquecido quem define os limites da leitura, lá onde não chega o senso comum e uns poucos conseguem vislumbrar tudo o que poderíamos ter sido, como nação leitora, e desgraçadamente não fomos. José Agripino de Paula, de “Panamérica”, é o Grande Escritor Injustamente Esquecido da moda: pega bem à beça citá-lo em rodinhas literárias, sobretudo as paulistanas. Há quem prefira ser mais original e se abrace ao Antônio Fraga de “Desabrigo”. Num terreno em que a glória é virada do avesso e a obscuridade se torna o valor supremo, suspeita-se até que escritores inventados em conversas de botequim – como o prosador vesgo Lucho Ventania, de Itapecerica da Serra, imbatível nos anacolutos – passem por Grandes Escritores Injustamente Esquecidos. E quem vai dizer que não? Eu prefiro Campos de Carvalho (1916-1998). Sem pensar duas vezes, fico com o autor de “A lua vem da Ásia”, mestre do nonsense e um dos grandes humoristas da língua portuguesa – humor entendido aqui como coisa seriíssima, ainda que impagável. Por preferir Campos de Carvalho, ando empolgado com a publicação…

Borges em Alexandria
Posts / 16/06/2006

De todas as homenagens que recebeu nos vinte anos de sua morte, quarta-feira, esta deve ter sido a que mais o envaideceria: a inauguração da exposição “Borges, imagens e manuscritos” na Biblioteca de Alexandria, no Egito – não a que concentrou o conhecimento da antiguidade até ser destruída em ataques sucessivos, em torno de 16 séculos atrás, mas sua versão moderna, inaugurada em 2002. Reportagem do jornal argentino “Clarín”, em espanhol, aqui.

O neto de Joyce é o cara
Posts / 15/06/2006

A neta de John Steinbeck andou levando cascudos dos leitores (veja a nota “De ratos e herdeiros”, abaixo), mas acho que foi vítima de uma injustiça. Seja como for, é inofensiva para a indústria editorial e para humanidade perto do neto do gênio irlandês James Joyce (1882-1941). Stephen Joyce, 74 anos, virou o pesadelo da comunidade de joycianos no mundo inteiro com seu modo discricionário de administrar o legado do avô, como mostra um artigo de D.T. Max no último número da revista “The New Yorker” (aqui, em inglês). A princípio, quando Stephen dizia coisas como “sou um Joyce, não um joyciano”, muita gente achava divertido. Até suas tiradas contra o excesso de teorização em torno da obra do autor de “Dublinenses” encontraram eco num certo antiintelectualismo bonachão: “Se meu avô estivesse aqui, morreria de rir”, é um de seus bordões. Menos engraçada foi sua confissão de que queimou um lote de cartas da família, assim como a suspeita de que pode ter feito o mesmo com cartas do punho do próprio Joyce. Sem falar na facilidade com que inviabiliza a publicação de estudos e outros projetos ligados ao avô, como a versão multimídia de “Ulisses” (pois é…) que um…

Bloom: Harry Potter não leva a nada que preste
Posts / 14/06/2006

Pergunte ao supercrítico americano Harold Bloom se ele concorda com a tese consagrada de que o fenômeno Harry Potter representa uma esperança para a literatura, para o futuro do hábito de ler bons livros. Paulo Polzonoff fez isso, e a resposta foi veemente: Não, não, não. Eu discordo. Isso é um desastre. Geralmente as pessoas que dizem isso argumentam que pelo menos as crianças estão lendo. E que no futuro, se elas criarem o hábito, lerão coisas melhores. Mas a resposta para este argumento já foi dada pelo “Harry Potter de adultos”, um escritor horrível, deplorável: Stephen King, que resenhou um dos livros de Harry Potter no “Sunday Times Book Review”, e disse: “É maravilhoso!”. Bem, se isso é o que as crianças estão lendo aos 9, 10, 11 anos, então aos 12, 13 elas estarão lendo Stephen King. É o que elas estarão preparadas para ler. A entrevista completa de Harold Bloom pode ser lida no site de Polzonoff, aqui. Quem quiser uma visão mais profunda de Bloom sobre o trabalho de J.K. Rowling pode achar instrutivo o artigo (em inglês) que ele publicou no “Wall Street Journal” em 2000, com o significativo título de “35 milhões de compradores…

And the Oscar goes to…
Posts / 14/06/2006

A enquete ficou no ar perto de duas semanas aqui no Todoprosa: “Qual é o melhor filme brasileiro adaptado de uma obra literária (teatro não vale)?” A disputa foi cruenta entre os dois primeiros colocados, que se revezaram o tempo todo na liderança, e “Cidade de Deus” acabou levando a vitória sobre “Lavoura arcaica” no photochart. Pode ter influído no resultado aquele efeito geracional que favorece obras recentes em votações pela internet, mas vale registrar a força demonstrada por alguns clássicos. Segue a lista completa dos dez primeiros: 1) Cidade de Deus (20.00%) 2) Lavoura arcaica (19.52%) 3) Dona Flor e seus dois maridos (15.18%) 4) Vidas secas (11.33%) 5) Macunaíma (9.64%) 6) Memórias do cárcere (8.43%) 7) A hora da estrela (6.75%) 8) O beijo da Mulher Aranha (3.61%) 9) Bufo e Spallanzani (2.17%) 10) Lição de amor (2.17%)

De ratos e herdeiros
Posts / 14/06/2006

Em 1938, o escritor americano John Steinbeck (1902-1968) tinha acabado de publicar “De ratos e homens”, mas ainda estava a um ano de distância de seu livro de maior sucesso, “As vinhas da ira”. Foi quando assinou um contrato em que cedia em caráter definitivo à editora Penguin os direitos de dez de seus títulos. Uma decisão judicial de primeira instância nos EUA acaba de devolver à neta de Steinbeck, Blake Smylle, os direitos sobre esses livros (notícia aqui, em inglês). O juiz alegou que o autor não tinha como saber, na época, a dimensão que sua obra viria a adquirir. E que, portanto, é justo permitir que seus herdeiros renegociem os contratos. A briga vale muito. Quase quarenta anos depois de sua morte, Steinbeck ainda vende cerca de 2 milhões de exemplares por ano.

Começos inesquecíveis: Italo Calvino
Posts / 13/06/2006

Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: “Não, não quero ver televisão!”. Se não ouvirem, levante a voz: “Estou lendo! Não quero ser perturbado!”. Com todo aquele barulho, talvez ainda não o tenham ouvido; fale mais alto, grite: “Estou começando a ler o novo romance de Italo Calvino!”. Se preferir, não diga nada; tomara que o deixem em paz. Você acaba de ler o primeiro parágrafo de “Se um viajante numa noite de inverno”, de Italo Calvino (Companhia das Letras, 1999, tradução de Nilson Moulin).