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Pedra filosofal? Enganação? As duas coisas?
Posts / 12/06/2006

Os admiradores de Christopher Vogler, que não são poucos, dizem que seu livro “A jornada do escritor – Estruturas míticas para escritores” escapa do clichê tipicamente americano do “guia para ensinar qualquer um a se tornar qualquer coisa”. Bem mais do que isso, afirmam que o livro, ao propor para todas as histórias do mundo um passo-a-passo mitológico (a “jornada” propriamente dita) e, para os personagens, uma série de modelos baseados em arquétipos, torna-se uma ferramenta valiosa que ajuda até escritores experientes a refletir sobre aspectos estruturais mas normalmente nebulosos de sua criação – sobretudo em relação ao enredo e ao desenvolvimento de personagens. Os detratores de Christopher Vogler, que também não são poucos, afirmam que ele nada mais faz do que se apropriar das lições do mitólogo Joseph Campbell, seu conterrâneo e guru, e diluí-las com água e açúcar num livro que pretende ser uma pedra filosofal, um molde infalível para a criação de histórias cheias de ressonância. O que, obviamente, é apenas uma ilusão. Esses detratores vão mais longe e dizem que o livro acaba servindo de muleta para gente sem imaginação – basta dizer que é voltado em primeiro lugar para roteiristas americanos, os mesmos que têm…

Bellow e as dedicatórias: drama e comédia
Posts / 12/06/2006

A notícia, extra-oficial, tem todos aqueles ingredientes que andam levando os escritores a chamar mais atenção pelo privado do que pelo público, ou seja, mais por sua vida do que por sua literatura: o romancista australiano Peter Carey, de “Oscar e Lucinda” (Record), teria pedido a seus editores que apaguem das futuras edições de seus livros as quatro dedicatórias amorosas que fez para sua ex-mulher, Alison Summers, de quem se divorciou de forma litigiosa. Uma bobagem, é claro. Que jamais seria noticiada aqui se nesse gancho frágil o articulista John Shuterland, do jornal inglês “The Guardian”, não tivesse pendurado um texto saboroso e informativo sobre a história das dedicatórias. Afirma que o penduricalho se espalhou no século 18 como auxiliar na bajulação de mecenas e apenas nos últimos cem anos ganhou um caráter mais íntimo. A história de Saul Bellow (1915-2005) é uma das melhores: James Atlas, biógrafo de Saul Bellow, afirma que, para obrigar sua musa a trabalhar, o romancista gostava de trocar de mulher. Passou por cinco delas, e suas dedicatórias deixam uma trilha sanguinolenta dessa história conjugal. Seu último grande romance, “Ravelstein”, contém um retrato malévolo da Sra. Bellow número 4 (Alexandra Ionesco Tulesca, física romena) e…

Hitchens conta a história literária do fellatio
Posts / 11/06/2006

O jornalista e escritor inglês (radicado nos EUA) Christopher Hitchens virá à Flip, informa a coluna do Ancelmo, no “Globo”. Isso deve bastar para garantir a diversão num festival não muito farto em estrelas. Hitchens, de quem a Companhia das Letras lançou este ano “Cartas a um jovem contestador”, é um provocador, um iconoclasta que acende um cigarro no outro e critica a esquerda e a direita com a mesma violência. Também já foi visto cometendo o pecado capital de xingar membros do distinto público em suas conferências. Uma boa amostra do estilo cortante e politicamente incorreto de Hitchens pode ser conferida em seu recente artigo (em inglês) sobre a história literária do fellatio, popularmente conhecido no Brasil como “boquete”, publicado na revista “Vanity Fair”, da qual ele é colaborador permanente. Quem esperar grosseria não sairá decepcionado. Mas os amantes da boa literatura encontrarão bem mais do que isso, como observações sobre a curiosa timidez verbal de Vladimir Nabokov ao tratar do assunto em seu escandaloso “Lolita”. E a tese de que “O poderoso chefão”, de Mario Puzo, deve seu sucesso tanto à precisão do retrato que fazia da máfia quanto à coragem de falar em blowjobs sem meias palavras.

Rowling é melhor que McEwan, dizem leitores
Posts / 09/06/2006

É nisso que dá pedir a opinião do distinto público. Uma enquete online da revista especializada The Book Magazine para eleger o maior escritor britânico da atualidade terminou com JK Rowling, a criadora de Harry Potter (Rocco), disparada em primeiro lugar. Dona Rowling teve o triplo da votação do segundo colocado, outro escritor que se dedica ao público juvenil: Terry Pratchett, da série de fantasia Discworld, lançada no Brasil pela Conrad. Dá para imaginar a idade média dos votantes. Só na terceira posição aparece um autor adulto, e que autor: Ian McEwan, do soberbo ?Reparação? (Companhia das Letras), romance que, para muito leitor cascudo por aí, é barbada para o título de grande obra-prima da literatura mundial nos últimos anos. (Tendo a concordar. Se bem que ?Desonra?, do Coetzee…)

O que conta mais: a vida ou a obra?
Posts / 07/06/2006

Uma observação do lingüista Sirio Possenti (veja a caixa de comentários da nota abaixo) desviou o foco da discussão: de Monica Ali e o multiculturalismo para a importância cada vez maior que as informações biográficas de um autor – nacionalidade, cor, orientação sexual, psicopatologias variadas – assumem na agenda da imprensa literária, enquanto seus méritos de escritor vão recuando para o segundo plano. O assunto levantado por Sírio é bem-vindo. O fenômeno parece ser global e não poupar nenhum ramo de atividade: nunca o mundo foi tão obcecado por celebridades, com seu recheio de pastel de vento e sua consistência de holografia. Ou foi? Saiu há poucas semanas nos EUA um livro que joga luzes interessantes sobre a questão: The economics of attention – Style and substance in the age of information (“A economia da atenção – Estilo e substância na era da informação”), de Richard A. Lanham, professor emérito de inglês da Universidade da Califórnia. Lanham, 70 anos, um vetusto especialista em estilo e retórica, caiu na vida digital nos últimos anos. Primeiro lançou um livro chamado The electronic word (“A palavra eletrônica”). Agora amplia o quadro para refletir, entre outras coisas, sobre as novas estratégias que a superoferta…

Heroína do multiculturalismo em apuros
Posts / 06/06/2006

Poucos nomes da literatura inglesa foram mais festejados nos últimos anos do que Monica Ali, 39 anos, bengalesa radicada na Inglaterra – ou seria mais apropriado chamá-la de inglesa nascida em Bangladesh (na época, ainda parte do Paquistão)? Seu romance de estréia, “Um lugar chamado Brick Lane” (Rocco, tradução de Léa Viveiros de Castro, 472 páginas, 52 reais), lançado no Brasil no início do ano passado, trata de um tema que Monica conhece bem: a vida de imigrantes como ela na terra do Príncipe Charles. Foi o bastante para que passasse a ocupar, ao lado de Zadie Smith, o centro do palco mais iluminado da literatura inglesa atual: o de um multiculturalismo que, no ex-Império Britânico, é uma espécie de religião penitente. Não basta ter talento, ajuda a lot ter nascido numa ex-colônia ou ser de uma família vinda de lá. Assim, louve-se a coragem de Monica Ali, que justamente no momento crítico do segundo livro lança um romance que ninguém esperava dela. Chama-se Alentejo blue e é ambientado, como o nome indica, em Portugal. Seus personagens são portugueses e ingleses. O risco que Monica corre ao fugir do estereótipo é duplo: o de trair os que a admiram mais…

O genoma borgiano
Posts / 05/06/2006

Assim eu vou acabar acreditando que Jorge Luis Borges está neste momento, em algum daqueles tempos bifurcantes que ele adorava, morrendo de rir. Além do caso científico da mulher com memória perfeita que o personagem Funes antecipou em mais de meio século (veja a nota abaixo), existe também a tese de que o escritor argentino lançou pistas proféticas sobre o genoma humano no mesmo livro de 1944, “Ficções”, no conto “A biblioteca de Babel”. Coisa de literato? Não. A tese – brincalhona, claro, mas ótima – é defendida com elegância na revista “Ciência Hoje” por um cientista, Sérgio Danilo Pena, professor titular do departamento de bioquímica e imunologia da UFMG. Vale a pena conferir aqui.

Borges e eu, o não-memorioso
Posts / 05/06/2006

Como não tenho a memória perfeita de Irineu Funes, sei apenas que estava no México a trabalho, cobrindo a Copa do Mundo que seria vencida de forma acachapante pela Argentina de Maradona, quando recebi a notícia da morte de Jorge Luis Borges. Lembro-me de ter ficado triste, o que é uma memória óbvia. Se tivesse uma fração do dom de Funes – personagem de “Funes, o memorioso”, um dos melhores contos de “Ficções” (1944), provavelmente o melhor livro de Borges –, estaria escrevendo agora sobre tudo o que tornou aquele 14 de junho um dia sem igual, como todos são: temperatura, forma das nuvens, quanto tempo se passou – certamente uma vida, mas isso também é óbvio para quem conhece o México – entre a encomenda da ensalada de guacamole e sua chegada à mesa, a cor do cardápio, o comprimento da saia da morena sorridente na mesa ao lado e as letras de todas as canções com que os mariachis torturaram o jantar. Tudo isso está perdido para sempre. Só sei que estava no México, me esforçando para falar espanhol dia e noite, quando o argentino que era meu herói literário naquele tempo morreu. Entenderam? Eu falava espanhol, e…

Handke, Milosevic, ‘Asas do desejo’
Posts / 03/06/2006

A vida do escritor austríaco Peter Handke piorou muito desde que ele compareceu ao funeral de Slobodan Milosevic, em março, e fez um emocionado discurso de adeus ao ex-ditador sérvio, o último grande genocida de um século rico nesse gênero. A primeira conseqüência sofrida por Handke foi o cancelamento da temporada de uma peça de sua autoria em Paris, pela direção da Comédie Française. A segunda virá na semana que vem, quando – a agência France-Presse dá isso como certo – o conselho municipal da cidade alemã de Dusseldorf vai se reunir para lhe tomar o prêmio literário Heinrich Heine. A honraria foi atribuída a Handke, mas ainda não entregue. Um dos grandes escritores de língua alemã da atualidade, Peter Handke é pouco lido no Brasil. Alguns de seus principais livros, “A ausência” e “A repetição”, foram lançados pela Rocco, mas andam fora de circulação; ainda disponível em livrarias virtuais, só encontrei “História de uma infância” (Companhia das Letras). Influenciado pela experiência radical (e freqüentemente ilegível) do noveau roman, mas capaz de levar a lentidão da narrativa a novos níveis de ressonância poética, Handke ficou mais conhecido por aqui pela longa parceria com o cineasta Wim Wenders, traduzida em filmes…

Cinema e literatura: e no Brasil?
Posts / 02/06/2006

A enquete do “Guardian” sobre os melhores filmes inspirados em obras literárias (veja nota abaixo) chegou a uma lista discutível, como todas são, mas provocou boas discussões aqui na redação sobre como seria trazer esse debate para o Brasil. Resultado: essa lista aí da direita, na qual você está convidado a votar. (A votação se encerrou no dia 14 de junho. Veja o resultado na nota And the Oscar goes to…, ali em cima.)

Os melhores filmes da literatura
Posts / 02/06/2006

Listas, listas, listas. Quem resiste a elas? A última vem de uma consulta aos leitores feita pelo jornal inglês “The Guardian” e entra na boa discussão sobre o que faz uma obra literária funcionar – ou não funcionar – quando transposta para o cinema. O jornal quis saber quais são os melhores filmes da história adaptados da literatura. Vale a pena visitar a lista completa (em inglês), que tem 50 filmes. Vão aqui os cinco primeiros e seus diretores, com o nome do escritor entre parênteses: 1. “O sol é para todos”, de Robert Mulligan (Harper Lee) 2. “Um estranho no ninho”, de Milos Forman (Ken Kesey) 3. “Blade Runner”, de Ridley Scott (Philip K. Dick) 4. “O poderoso chefão”, de Francis Ford Coppola (Mario Puzo) 5. “Vestígios do dia”, de James Ivory (Kazuo Ishiguro).

Saramago: leitura para poucos, polêmica para todos
Posts / 01/06/2006

“Ler sempre foi e sempre será algo para uma minoria”, disse José Saramago ontem à noite, criticando o Plano Nacional de Leitura, um ambicioso projeto que os ministérios da Cultura e da Educação de Portugal apresentam hoje. Programa governamental de incentivo à leitura, para o autor de “Memorial do convento”, é algo que “não é válido, é inútil”. Notícia da Reuters aqui. A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, reagiu assim que se recuperou do susto com a declaração politicamente incorreta da maior glória das letras lusitanas: “Não vejo como ações que tentam promover e democratizar a leitura sejam vistas como secundárias”. Tocaram, Saramago e a ministra, num debate interminável. É corajoso dizer o que disse o escritor, certamente com enorme dose de razão: programas de “incentivo à leitura” são ótimos para burocratas e rendem encomendas de grandes tiragens a editoras, mas costumam cair no vazio de um sistema educacional – e de um modelo de sociedade, sejamos francos – que simplesmente não valorizam isso. Por outro lado, se o fato – inegável – de que ler sempre foi para poucos conduzir ao imobilismo, será que esses poucos não serão cada vez menos? Isso me fez lembrar de uma…

Depois de Nélida, Auster
Posts / 31/05/2006

O americano Paul Auster ganhou o prêmio espanhol de âmbito internacional Príncipe de Asturias das Letras, no valor de 50 mil euros (quase R$ 150 mil), que ano passado ficou com Nélida Piñon. Chegaram com Auster à final o também americano Philip Roth e o israelense Amos Oz. Notícia completa do site da Fundação Príncipe de Asturias aqui. Tomara que o prêmio ajude a dar fôlego novo ao escritor do Brooklyn. Não estou entre os que gostam de esnobá-lo – uma espécie de esporte intelectual da moda nos últimos anos – porque conservo vivo na memória o prazer que tive em minha fase “austeriana”, quando enfileirei avidamente títulos como “Trilogia de Nova York”, “Leviatã”, “Palácio da Lua” e “A invenção da solidão”. Mas reconheço que nos últimos anos o lado mais chato e autocomplacente do autor, que nunca esteve inteiramente ausente de sua obra, vem levando a melhor. Talvez significativamente, a notícia do prêmio encontrou Auster em Portugal, às voltas não com literatura mas com a filmagem de seu segundo longa-metragem como diretor, chamado The inner life of Martin Frost. O primeiro filme, “Lulu na ponte”, lembra seus piores livros: pose demais para pouca substância.

O escritor e o terrorista
Posts / 31/05/2006

Acho que me senti capaz de compreender a animosidade e o ódio que um fiel do Islã pode ter pelo nosso sistema. Ninguém está tentando ver as coisas por esse ponto de vista. Suponho que eu esteja arriscando o pescoço de várias maneiras, mas talvez seja para isso que existem escritores. Às vezes eu penso: “Por que fiz isso?”. Estou cavucando um assunto que pode ser muito doloroso para algumas pessoas. Mas quando essas sombras me cruzavam a mente, eu dizia: “Eles não podem exigir um retrato mais simpático e, em certo sentido, mais amoroso de um terrorista”. John Updike, 74 anos, um dos principais escritores americanos vivos, fala de seu novo romance, que sai por lá na semana que vem, em entrevista a Charles McGrath no “New York Times” de hoje (cadastro gratuito). O nome do livro é Terrorist. A polêmica, como se vê, é garantida – uma polêmica mais política do que literária, certamente, e no meio da confusão pouca gente deve reparar que o ritmo de thriller é uma novidade surpreendente na carreira do autor. “Terrorista” conta a história de um rapaz de 18 anos, Ahmad, filho de uma americana riponga e de um estudante egípcio de…

Obra-prima cinqüentona: presentes
Posts / 30/05/2006

Nosso livro realiza um impulso difuso nos romances em geral, que em grandes obras do século 20 se torna uma espécie de marca fundamental: a vocação para a totalidade. Toda vez que pensamos nele, devemos pensar também no ‘Ulisses’, de Joyce; no ‘Em Busca do Tempo Perdido’, de Proust; no ‘Berlim Alexanderplatz’, de Alfred Döblin; no ‘Doutor Fausto’, de Thomas Mann; no ‘Quer Pasticciaccio Brutto de Via Merulana’, de Carlo Emilio Gadda; em algum romance de Faulkner; no ‘Século das Luzes’, de Alejo Carpentier, e em poucos outros mais. São obras que tentam dar uma súmula da experiência humana. O trecho acima é tirado do longo artigo que o crítico Davi Arrigucci Jr. escreveu para o magistral caderno especial Grande Sertão: Veredas – 50 anos, publicado sábado passado pelo “Estadão”. Quem puder ter acesso à versão de papel não deve titubear: só lá podem ser lidos os textos de Antonio Candido (escrito em 1956 e avaliando com precisão, em cima do laço, a grandeza da obra), Walnice Nogueira Galvão, Willi Bolle e Mario Sergio Conti, entre outros (ou na versão digital do jornal, para quem for assinante). Aperitivo: com acesso livre no site, além do artigo de Arrigucci, estão os…

Lista da Flip está fechada – confira
Posts / 29/05/2006

A lista dos autores que estarão em Parati de 9 a 13 de agosto está fechada. Ainda não há data marcada para a divulgação oficial, mas os últimos nomes, além daqueles que já estavam confirmados (Jonathan Safran Foer, Nicole Krauss, Benjamin Zephaniah, Uzodinma Iweala, Mourid Barghouti e Maria Valéria Rezende), andam vazando por todos os lados. Nem sempre as informações batem. Sábado, a “Folha de S.Paulo” divulgou uma lista (só para assinantes do jornal ou do UOL) com acertos e erros. Os principais acertos: Adélia Prado, o argentino Ricardo Piglia e os americanos Lilian Ross, jornalista, e Edmund White, ficcionista e crítico. Os maiores erros: não confirmar a presença da americana Toni Morrison, único Nobel e principal estrela da festa, que “O Globo” havia noticiado com um tiro na mosca (nota abaixo); e confirmar equivocadamente o nigeriano Chinua Achebe, que de fato foi convidado para compor uma mesa de literatura africana com o também nobelizado Wole Soyinka – mas nenhum dos dois fechou. Ausente das especulações até o momento, também virá a Parati o francês Olivier Rolin, que terá seu romance “Tigre de papel” lançado em breve pela Cosac Naify. Já o supercrítico americano Harold Bloom esteve muito perto de…

Edgar Allan Poe no dia do ‘nevermore’
Posts / 29/05/2006

O gênio americano Edgar Allan Poe inventou praticamente sozinho a literatura de mistério e um bom pedaço da ficção científica, além de ter se tornado pai e mãe do gênero policial ao criar um detetive voltado para a pura dedução, Dupin, que torna Sherlock Holmes pouco mais que um discípulo esforçado. Tudo bem, mas será que isso nos autoriza a imaginar que Poe concebeu o estranho enredo de sua própria morte, de modo a deixar um último mistério – insolúvel – para a posteridade? Ou essa idéia não passa de romantismo, fruto da inclinação que nós, leitores, temos por borrar as fronteiras entre vida e obra dos autores que admiramos? O fato é que Poe foi visto gozando de boa saúde em Baltimore, em 1849, até sumir de circulação. Passou cinco dias desaparecido, e sobre o que fez nesse tempo nada se conseguiu apurar. Quando finalmente o descobriram num hotelzinho-taberna chamado Ryan’s, estava de cama, em estado lastimável, e morreu logo depois. Tinha 40 anos. Charles Baudelaire, seu fã, nunca duvidou de suicídio. Será? A história está no livro The Poe’s shadow (“A sombra de Poe”), de Matthew Pearl, que acaba de sair na Inglaterra, e do qual o Telegraph…