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Paulo Coelho esquenta a Sibéria
Posts / 27/05/2006

Nós já sabíamos que (Paulo) Coelho é popular. Suas histórias de busca espiritual venderam tanto no mundo inteiro que os números que costumam ser citados nos jornais (70, 80, 90 milhões?) fazem pouca diferença. Sua tradução é facilitada pelo uso rudimentar, ao modo das parábolas, que Coelho faz da linguagem. Mas mesmo ele e seus editores e divulgadores parecem ter sido apanhados de surpresa pelo entusiasmo despertado nas estepes. John Mullan escreveu no Guardian (em inglês, acesso livre), sem disfarçar o queixo caído, sobre a inacreditável recepção que as mais remotas cidadezinhas da Sibéria estão proporcionando ao escritor brasileiro, cercado por uma multidão sempre que desce de seus dois vagões particulares no expresso Transiberiano – modo de viajar que Mullan compara ao de um “monarca do século XIX”. A imagem procede: Paulo Coelho viaja com uma equipe numerosa que inclui dois chefs internacionais, embora só se refira à aventura como “peregrinação”. Sei não, mas a imprensa brasileira parece ter engolido uma mosca gigante.

Mundo cão
Posts / 26/05/2006

Eu sei que livros (assim como filmes) sobre cachorros sempre tiveram um cantinho seguro no mercado, mas a lista de mais vendidos do “New York Times” (mediante cadastro gratuito) sugere que a cinofilia literária está atingindo uma espécie de apoteose. Em primeiro lugar na lista de não-ficção está Marley & Me, do jornalista John Grogan, que conta a história da atribulada – mas no fim das contas inspiradora e terna, é claro – convivência de sua família com Marley, um labrador neurótico e hiperativo. Na terceira posição da lista de auto(?)-ajuda surge Cesar’s way (“O jeito de Cesar”), em que o apresentador de um programa televisivo de sucesso chamado Dog whisperer (“Sussurrador canino”, aquele que sussurra com cachorros), Cesar Millan, dá lições sobre a psicologia dos totós. Talvez não seja exagero imaginar que a tendência chegará ao ponto de invadir a ficção e nos brindar com novelinhas bitch lit estreladas por poodles cor-de-rosa. Eu seria leitor garantido de um romance policial ultraviolento sobre um serial killer da raça pitbull.

Nem os luandinistas entenderam
Posts / 25/05/2006

Resumindo a fúria dos luandinistas militantes que deixaram comentários na nota ali embaixo, sobre a recusa do Prêmio Camões pelo grande escritor angolano: também não entenderam nada, coitados. Não deviam se amofinar tanto. Ninguém entendeu. Curioso é pensarem que o direito – cristalino, sem dúvida – que Luandino Vieira tem de esnobar um prêmio de prestígio anula o do resto da humanidade de achar que, sem uma explicação razoável, a extravagância fica com cheiro de desfeita, e só. Não digo que seja sua intenção, digo que parece. Uma boa explicação seria, no mínimo, sinal de respeito a José Saramago, Jorge Amado, Pepetela, Miguel Torga, João Cabral de Melo Neto e Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros autores que já ganharam – e aceitaram, onde já se viu – o principal prêmio da literatura em língua portuguesa. Ah, sim: servia uma explicação “pessoal, íntima”, como a que Jean-Paul Sartre apresentou ao recusar o Nobel de Literatura de 1964: “Um escritor deve se recusar a ser transformado em instituição”.

Tirem as crianças da sala: Kurt Vonnegut está na área
Posts / 25/05/2006

Eis aqui uma lição de texto criativo. Primeira regra: Não usem ponto-e-vírgulas. São travestis hermafroditas que não representam absolutamente nada. Tudo o que fazem é mostrar que você esteve na universidade. Percebo que alguns de vocês têm problemas para decidir se estou brincando ou não. Por isso, a partir de agora, vou lhes dizer quando estiver brincando. Por exemplo, ingressem na Guarda Nacional ou nos Fuzileiros Navais e ensinem a democracia. Estou brincando. Estamos para ser atacados pela al-Qaeda. Acenem bandeiras, se as tiverem. Isto sempre parece afugentá-los. Estou brincando. Se querem realmente magoar seus pais e não têm coragem de se tornar gays, o mínimo que podem fazer é entrar para as artes. Não estou brincando. O livro “Um homem sem pátria” (Record, tradução de Roberto Muggiati, 160 páginas, R$ 34,90), coletânea de artigos e crônicas lançada nos EUA ano passado, mostra que o humor extravagante e o verbo afiado de Kurt Vonnegut continuam sendo páreo para Philip Marlowe – mas este era um personagem fictício. E olha que o homem está com 84 anos. Autor de pelo menos uma obra-prima incontornável da ficção americana no século XX, “Matadouro 5” (hoje mais fácil de encontrar por aqui numa edição…

Por que Luandino disse não ao Camões?
Posts / 24/05/2006

O escritor angolano José Luandino Vieira, 71 anos, recusou o Prêmio Camões, o maior da língua portuguesa, no valor de 100 mil euros (quase R$ 300 mil), informou hoje o Ministério da Cultura de Portugal. Luandino alegou “razões pessoais, íntimas”, o que é esquisito. Se a recusa fosse uma atitude política contra a ex-metrópole, seria uma coisa – e não surpreenderia ninguém que conhece a obra ou a vida do angolano, que foi preso pelo regime salazarista e passou oito anos num campo de concentração. Nesse caso, o gesto viria acompanhado de um belo discurso. Mas enjeitar uma grana dessas na moita, alegando razões íntimas, em vez de, digamos, aceitar o prêmio e doá-lo a alguma instituição séria de seu país miserável, é mais difícil de entender.

Os improváveis Truman Capote e Harper Lee
Posts / 24/05/2006

O grande filme “Capote”, que tem como uma de suas melhores subtramas a relação complexa dos dois, ajudou a reavivar o interesse por algumas velhas questões. E se Truman Capote for o verdadeiro autor de “O sol é para todos” (To kill a mockingbird), de sua amiga Harper Lee? Ou num caminho inverso – e se a participação de Harper Lee em “A sangue frio” (In cold blood) tiver sido maior do que seu vaidoso autor era capaz de admitir? Aparentemente, nem uma coisa nem outra. Mas não admira que rumores como esses tenham ganhado corpo diante da absurda improbabilidade que Truman Capote e Harper Lee representavam: a de dois amigos interioranos de infância, vizinhos, que na adolescância dividiam a mesma máquina de escrever, se tornarem, cada um na sua praia, clássicos indiscutíveis da literatura americana. E para deixar tudo mais estranho – ele, absurdamente afeminado, sendo o negativo dela. Essas e outras histórias estão na boa resenha (em inglês) de Thomas Mallon na última “The New Yorker”, sobre uma nova biografia de Harper Lee, Mockingbird, de Charles J. Shields.

Clarice e os sinos sem som
Posts / 23/05/2006

Convite que circula no Rio: O Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Vereador Ivan Moreira, tem a honra de convidar para a solenidade de entrega do título de Cidadã Honorária do Município do Rio de Janeiro, post mortem, à escritora Clarice Lispector, por iniciativa do Exmo. Sr. Vereador Eliomar Coelho, a realizar-se no dia 02 de junho de 2006, às 17:00 horas. Demorou, não? Clarice (1920-1977) merece todas as homenagens – mesmo uma de prestígio em frangalhos como essa dos vereadores cariocas –, mas é engraçado imaginar sua provável reação de desprezo a tal tipo de “glória oficial”. Lendo o convite, me lembrei de uma frase do finzinho de “A hora da estrela”, quando Macabéa morre: “Morta, os sinos badalavam mas sem que seus bronzes lhes dessem som”.

‘A voz do escritor’: vida não é obra
Posts / 22/05/2006

Chega esta semana às livrarias um lançamento útil para escritores, especialmente iniciantes, e críticos, além de divertido para os leitores mais cascudos de literatura: “A voz do escritor” (Civilização Brasileira, tradução de Luiz Antonio Aguiar, 160 páginas, R$ 28,90), do poeta, crítico e ensaísta inglês A.Alvarez. O lançamento tem algo de surpreendente. Trata-se de um livro menor de alguém que está longe de ser um nome vendedor no Brasil, embora tenha história. Ex-editor de poesia e antologista, amigo de Sylvia Plath e autor de um clássico sobre o suicídio (“Deus selvagem”, lançado aqui pela Companhia das Letras), A.Alvarez, de 76 anos, é também um ensaísta eclético que dedicou volumes inteiros a assuntos como pôquer e divórcio. Uma figura. “A voz do escritor”, baseado numa série de palestras proferidas pelo autor na Biblioteca Pública de Nova York em 2002, mergulha de cabeça num assunto nebuloso que, embora posto de lado como esoterismo por críticos mais “científicos”, é para muita gente que escreve profissionalmente a questão entre todas do ofício: como cada escritor encontra – ou não encontra – sua voz própria, inconfundível. Bem, para começar, que papo é esse de “voz”? Sinônimo de estilo? Para Alvarez, é mais profundo que isso….

Ludlum, a literatura como crime
Posts / 22/05/2006

A maior desonestidade literária do nosso tempo não é o plágio, essa velha praga que pode estar ganhando fôlego renovado na era digital e que a jovem copiadora de Harvard trouxe recentemente para o centro das conversas (veja nota abaixo). Pior do que isso, a meu ver, é o escritor-franquia, o escritor-marca, que nos últimos anos já não escreve sequer uma linha de seus livros. Como, entre outros, o best seller Robert Ludlum. Pelo menos em tese (pois há indícios de que alguns já não fazem nem isso), o escritor que não escreve se limita a conceber suas obras. Imagina um personagem como – digamos, num rasgo de imaginação – um agente da CIA. Em seguida, se sobrar tempo, talvez bole um fiapo de enredo de três linhas. O resto, ou seja, a tarefa lenta e penosa de escrever o livro, é trabalho para a “equipe” da dita celebridade. Esse sistema de franquia já operou pelo menos um prodígio quase sobrenatural. Ludlum morreu em 2001 e continua despejando nas prateleiras mais títulos do que a maioria dos escritores no auge da saúde. Edições póstumas? Não. Os livros são inteiramente póstumos, foram escritos depois que seu “autor” morreu. O último deles,…

Porque hoje é sábado
Posts / 20/05/2006

Hoje é o dia que, não se sabe bem por quê, a imprensa de boa parte do mundo reservou para tratar de literatura. Algumas notícias garimpadas por aí: * Toni Morrison, que teve seu romance Beloved (“Amada”) eleito o melhor da ficção americana nos últimos 25 anos (nota abaixo), virá à Flip. A informação está na coluna No Prelo, de Mànya Millen e Rachel Bertol, no caderno Prosa & Verso do “Globo”. Ganhadora do Nobel, Morrison passa a ser assim o primeiro nome estelar garantido em Parati este ano. O caderno traz também uma resenha elogiosa sobre “Mãos de cavalo”, de Daniel Galera – o saldo está melhorando (veja abaixo). * O consagrado escritor angolano Luandino Vieira, que no Brasil é mais citado e estudado na universidade do que propriamente lido, ganhou o prêmio português Camões, informa a Folha de S. Paulo (só para assinantes do jornal ou do Uol). * O caderno Babelia (em espanhol), do “El Pais”, faz um carnaval com o novo romance do peruano Mario Vargas Llosa, que está comemorando 70 anos – a mesma idade de Luandino, embora isso não venha absolutamente ao caso. Tem uma boa entrevista e duas críticas, uma do novo livro,…

Saddam agora tortura o leitor
Posts / 20/05/2006

Leitores com gostos bizarros podem começar a torcer por uma tradução: aquele que é considerado o quarto e último romance escrito pelo ex-ditador iraquiano Saddam Hussein acaba de ser publicado no Japão. Chama-se “A dança do diabo” e é mais ou menos inédito: uma edição de dez mil exemplares freqüentou as prateleiras da Jordânia por um breve período no ano passado, antes de ser recolhida pelas autoridades do país. “A dança do diabo” conta a história de um líder árabe que organiza a resistência de seu povo a uma tentativa de invasão de suas terras por hordas judaico-cristãs – e vence. Consta que Saddam teria pingado o ponto final no livro pouco antes da invasão americana. Saddamistas (epa!) fiéis sentiram falta das cenas de sexo que apimentavam seu romance de estréia, publicado sob pseudônimo no Iraque em 2001. Notícia completa, em inglês, aqui.

O mago não perde a magia
Posts / 19/05/2006

Harry Potter e outros heróis juvenis, livros escritos por líderes religiosos e títulos didáticos lideraram o crescimento do mercado editorial americano no ano passado. Com um salto de 5,9% em relação a 2004, o faturamento total foi de 34,6 bilhões de dólares. O sexto título da série do mago, aqui traduzido como “Harry Potter e o enigma do príncipe” (Rocco), vendeu espantosos 11 milhões de exemplares só nas nove primeiras semanas após o lançamento nos EUA. Leia mais aqui, em inglês, mediante cadastro gratuito.

O livro, a árvore e o deserto
Posts / 18/05/2006

Tenha um filho, escreva um livro e plante uma árvore, diz a velha receita da realização pessoal. Fórmula segura para que seu filho acabe lendo num deserto. A editora Random House (do supergrupo de comunicação alemão Bertelsmann) anunciou a meta de usar em seus livros 30% de papel reciclado até 2010 – hoje a proporção é de 3%. Segundo os cálculos da empresa, o novo patamar corresponderá à salvação de 550 mil árvores por ano. A notícia está aqui, em inglês, mediante cadastro gratuito. Enquanto isso, no Brasil, a discussão engatinha, a ponto de ter sido notícia, ano passado, a edição “ecologicamente correta” de “As intermitências da morte”, de José Saramago, pela Companhia das Letras. Por exigência do autor português, alinhado com uma campanha do Greenpeace, o livro foi o primeiro no Brasil a ganhar o selo internacional FSC, que atesta o cumprimento de boas normas ambientais – não necessariamente o uso de papel reciclado. A questão da reciclagem é complicada. Por um lado, o custo de produção sobe. Por outro, abre-se para a promoção do livro um terreno de marketing que tende a ter cada vez mais ressonância, até num país ambientalmente atrasado como o Brasil. Nem é preciso…

Literatura até debaixo d’água
Posts / 17/05/2006

Uma inutilidade engraçadinha? Uma genial preparação para o aquecimento global? Uma das últimas novidades tecnológicas no mercado editorial é o livro à prova d’água, com páginas plastificadas e encadernação resistente à umidade. Assim é apresentada uma coletânea de “contos praieiros” chamada The beach book (“O livro da praia”), da editora americana Melcher Media. Embora se trate de literatura séria – Gabriel García Márquez, Isaac Bashevis Singer e Jeffrey Eugenides são alguns dos autores –, é inegável que o principal atrativo do livro é mesmo seu suporte físico. Mas um cliente da Amazon que o comprou alerta: “O tamanho é o de uma brochura normal, mas ele é muito mais pesado. Não é do tipo que se consegue segurar com uma mão só”.

A era dos superlivros
Posts / 16/05/2006

O mundo vai ser cada vez mais de Paulo Coelho e cada vez menos de Paulo Mendes Campos. Sempre foi assim, mas o abismo entre o livro como objeto comercial e o livro como objeto cultural está se alargando. Em edição recente do ótimo caderno literário do jornal espanhol “El Pais”, o “Babelia”, um artigo de Esther Tusquets analisa a participação cada vez maior que os títulos de altíssima vendagem, apoiados em esquemas caros de propaganda, têm no bolo do mercado editorial. O que vale para a Espanha, no caso, vale para o mundo inteiro – e mais ainda para países como o Brasil, onde é mais baixo o nível médio de educação. O artigo (acesso livre, em espanhol) não vai muito além de apontar o dedo para problemas que todos conhecemos bem, mas o faz com bom poder de síntese. Abaixo, os argumentos principais: No plano individual e no nível de um país, a moda é inversamente proporcional à cultura: quanto maior é a base cultural, menor é a força da moda, que se torna avassaladora se a referida base for ínfima. O que ocorre no âmbito da leitura? Creio que aí as conseqüências do predomínio desmesurado da moda…

O paraíso de cada um
Posts / 16/05/2006

Acho que “O Paraíso é bem bacana” é um livro que tem tudo, todos os ingredientes para despertar interesse na Europa, principalmente na Alemanha. O Brasil ainda está meio na moda por lá, é ano de Copa do Mundo, e se discute o islamismo o tempo todo. Eu estava todo feliz com isso, fazendo planos, imaginando polêmicas internacionais. Mas, depois, percebi que, se o livro acontecer mesmo na Europa, pode ser que minha cabeça fique a prêmio, embora eu tenha uma profunda simpatia pela causa política dos muçulmanos. Do escritor André Sant’Anna em entrevista ao Portal Literal, revelando um misto de medo e desejo de que seu romance “O Paraíso é bem bacana” (Companhia das Letras, 452 páginas, R$ 51), sobre um jogador de futebol brasileiro que vai jogar na Alemanha e acaba virando homem-bomba, o transforme no Salman Rushdie tupiniquim.

Alain de Botton e a AAPC
Posts / 16/05/2006

O escritor suíço (radicado em Londres) Alain de Botton, autor de “Como Proust pode mudar sua vida” (Rocco), praticamente inventou um novo gênero literário, a auto-ajuda podre de chique (AAPC). A AAPC permite ao cidadão fazer aquela leitura utilitária típica da auto-ajuda mais rasteira – “como este livro pode me melhorar?”, pensa, calculando o custo-benefício de cada volume – e ao mesmo tempo desfrutar de uma sensação de refinamento intelectual que apaga qualquer culpa que tal pedestrianismo pudesse causar. Em termos comerciais, a AAPC é coisa de gênio. Como leitura, há quem goste. Não é o caso da crítica Rachel Aspden, da revista New Statesman (acesso livre, em inglês). O último livro do autor, “A arquitetura da felicidade”, um passeio pela história da arquitetura em busca daquilo que pode – claro – melhorar a nossa vida, é recebido por ela a golpes de marreta: “(O livro) é como um capuccino plastificado da Starbucks: consiste de 65% de banalidades acachapantes apresentadas sob uma espuma de polissílabos alatinados”.