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O pau de Updike em Houellebecq
Posts / 15/05/2006

Enquanto os fãs brasileiros do escritor francês Michel Houellebecq aguardam o lançamento por aqui de seu quarto romance, “A possibilidade de uma ilha” – ficção científica sobre uma religião que vende vida literalmente eterna, fazendo cópias clonadas em série de seus fiéis –, talvez ajude a matar o tempo ler o que escreve sobre a edição americana do livro o escritor John Updike. A crítica (acesso livre, em inglês) está na última edição da revista “The New Yorker”. Preparem-se que lá vem paulada – assim caminha a literatura em países pouco inclinados ao morno compadrio em que nos espojamos: Para descrédito de Houellebecq, ou pelo menos em prejuízo de seu romance, todo o seu meticuloso ódio a – e estridente impaciência com – a humanidade em seus tradicionais sentimentos e ocupações o impede de criar personagens dotados de conflitos e aspirações com os quais o leitor se importe. O herói habitual de Houellebecq, cujo monopólio de auto-expressão suga a maior parte do oxigênio da narrativa, se apresenta sob uma de duas formas: um eremita consumido por tédio e apatia ou um inflamado astro pornô. Em nenhum dos dois papéis ele solicita – ou recebe – muita simpatia. Quem quiser ver…

Carpinejar, discípulo de Artur da Távola
Posts / 15/05/2006

Este blog, fiel a seu nome, não discute poesia. Fabrício Carpinejar, o talentoso e festejado poeta gaúcho de 33 anos que escreveu, entre outros livros pelo menos interessantes, “Um terno de pássaros ao sul” e “Cinco Marias”, pode ou não ter sua importância exagerada pelo momento pouco exuberante da poesia brasileira – isso não vem ao caso. O certo é que nada me preparou para o choque de encontrar nas suas crônicas, reunidas no volume “O amor esquece de começar” (Bertrand Brasil, 288 páginas, R$ 35), o trabalho de um desenvolto seguidor de Artur da Távola. Entre o livro de Carpinejar e um Távola clássico como, digamos, “Do amor – Ensaio de enigma”, as diferenças são adjetivas ou nem isso. Por exemplo, qual dos dois escreveu, com rima involuntária e tudo, que “no momento em que a gente ama, é difícil não sentir timidez ao mostrar a nudez. Quem não tem vergonha não ama”? E quem disse que “a mulher que perdeu o seu amor é alguém com óculos de ver eclipse na alma. Fica com olhar de rinoceronte e olho de cambaxirra”? Um deles escreveu que “o casado não suporta fazer relatórios de onde vai e quando volta. O…

O livro de Self
Posts / 14/05/2006

Mais uma atração pinçada no programa do Festival de Hay, no País de Gales (veja nota sobre a outra abaixo, “Literatura é coisa de homem, diz feminista”). Esta é diferente porque o interesse que me despertou exclui por completo a ironia: o alucinado escritor inglês Will Self, um satirista atormentado que merece o meu respeito, está lançando um novo romance chamado The book of Dave (“O livro de Dave”). O argumento é promissor: na Londres do futuro, após a devastação provocada por uma enchente, os sobreviventes encontram os escritos desconexos de um motorista de táxi do passado e, com base nessas “escrituras”, fundam uma religião.

Deus não está morto
Posts / 14/05/2006

O que é a religiosidade? Aonde nos levará? O livro de Will Self citado na nota acima não é a única evidência de que os rumos do planeta nos últimos anos estão levando a literatura a atacar novamente a questão de Deus – uma questão que, pelo menos desde o século 19, parecia enterrada. Para a melhor literatura, com raríssimas exceções, Deus era aquele que estava morto – ponto. Não mais. Basta ver que o tema da última edição da Granta, a melhor revista literária do mundo, é God’s own countries, “Os países de Deus”. O foco é mais em política do que em religiosidade, claro. Mas sem entender o que, no homem, anseia pela divindade não se chega a lugar nenhum nessa conversa. (Na internet é possível ler apenas uma parte da edição, mas um pedaço da “Granta” vale por pilhas de revistas que circulam por aí.)

O melhor dos EUA em 25 anos
Posts / 13/05/2006

O editor de livros do “New York Times”, Sam Tanenhaus, fez uma enquete (acesso mediante cadastro gratuito) com centenas de escritores, editores e críticos americanos para descobrir “a melhor obra americana de ficção publicada nos últimos 25 anos”. Ganhou Beloved (“Amada”), de Toni Morrison. Publicado no Brasil ainda nos anos 80 pela Nova Cultural, com tradução de Sarah Kay Massaro, hoje este que costuma ser considerado o melhor livro da primeira escritora negra a ganhar o Nobel virou raridade por aqui. Em seguida, na lista do NYT, vieram “Submundo”, de Don DeLillo (Companhia das Letras) e Blood Meridian, de Cormac McCarthy.

Sai Silvestre, entra Sandra
Posts / 12/05/2006

O programa “Espaço Aberto Literatura”, da GloboNews, vai ao ar neste momento com uma novidade interessante. A repórter Sandra Moreyra conduz a entrevista (no caso, com José Castello, que fala de seu livro sobre João Cabral de Mello Neto) no lugar de Edney Silvestre. Sandra é de uma ilustre dinastia de letrados cariocas, neta de Álvaro e filha de Sandro, e fica bem naquela cadeira. Não deve ocupá-la por muito tempo, porém: Silvestre está ausente porque cobre férias no escritório da Globo em Nova York, e, ressalvada uma mudança de planos, reassumirá o programa dentro de um mês.

Ele superou Dan Brown, mas não existe
Posts / 12/05/2006

O romance mais vendido hoje na livraria virtual Amazon, Bad twin, foi publicado na semana passada e logo deslocou o fenômeno “O código da Vinci” para o segundo lugar. A façanha é ainda mais respeitável porque o thriller de Dan Brown, além de ter sua própria história de sucesso, está turbinado no momento pela propaganda do filme nele baseado. Nada disso, porém, é o mais importante no caso de Bad twin. O que torna o livro um caso realmente único é o fato de seu autor, Gary Troup, não existir – ou melhor, só existir como personagem de ficção. Troup é um dos passageiros que não sobreviveram à queda do avião no seriado de TV “Lost”. Na história, o manuscrito de Bad twin foi encontrado entre os destroços e lido por um dos sobreviventes. A diferença entre Gary Troup (anagrama de “Purgatory”, como alguns fãs de “Lost” não demoraram a descobrir) e outros autores de mentira – aquele “lourinho/lourinha” que andou pela Flip ano passado, por exemplo – é que o jogo ficcional, no caso do personagem de “Lost”, é assumido. Leva a questão da autoria para um terreno que a obsessão pós-moderna com a história-dentro-da-história ainda não tinha ousado…

O maior (952 páginas) romance da literatura brasileira
Posts / 11/05/2006

Justo agora que a internet tinha nos convencido de que ninguém agüenta ler textos com mais de duas telas, uma blogueira mineira de 35 anos chamada Ana Maria Gonçalves está lançando o maior romance da literatura brasileira de todos os tempos: 952 páginas. Chama-se “Um defeito de cor” (Record, R$ 79,90) e é uma saga daquelas que, nos Estados Unidos, já chegariam às prateleiras com um contrato assinado em Hollywood. Ana Maria cobre oito décadas para contar a vida de Kehinde, capturada na infância no reino do Daomé (hoje Benin), em 1810, e que acaba vindo parar no Brasil como escrava. A ambição do vôo romanesco e a coragem quase agressiva do tijolaço já seriam suficientes para destacar Ana Maria da multidão, mas aqui vai outra notícia espantosa: a moça escreve que é uma beleza, com uma sobriedade, uma segurança e um ajuste sereno entre forma e conteúdo que andam em falta – e como – no mercado. Na orelha, Millôr Fernandes escala o livro entre os melhores que já leu “em nossa bela língua eslava”. E desafia: “Desmintam-me, por favor”. Não, isto aqui não é (ainda) uma resenha: estou no começo de “Um defeito de cor”. Um juízo acabado…

A triste história da plagiária de Harvard
Posts / 10/05/2006

A história de Kaavya Viswanathan, estudante de Harvard de 19 anos que foi do paraíso ao inferno editorial em poucos dias por conta de uma série de acusações – todas fundadas – de plágio, não comoveu a imprensa brasileira. Normal: Kaavya, que até poucas semanas atrás era festejada por seu primeiro romance chick lit (de literatura para moças, no estilo de Bridget Jones), não teve tempo de ser conhecida pelo leitor brasileiro. A autora que primeiro a acusou de copiar passagens de dois livros seus, Megan McCafferty, também não é ninguém por aqui. Se é normal que o caso, fora uma notinha ou outra, tenha passado em branco no Brasil, não deixa de ser, ao mesmo tempo, uma pena. Primeiro porque a história é pungente em si: Kaavya, garota linda, tinha fechado com uma grande editora um contrato para dois livros no valor de meio milhão de dólares – nada menos. Depois de recolher o livro sob suspeita, How Opal Mehta got kissed, got wild, and got a life, a princípio para “revisá-lo”, a editora Little, Brown & Company anunciou na semana passada que não haveria uma nova edição. Anunciou também que o contrato estava cancelado. Supõe-se que o meio…

A opinião de Fred Flintstone
Posts / 10/05/2006

Talvez seja exagero atribuir ao caso de Kaavya Viswanathan qualquer importância maior do que a de uma história triste sobre uma moça sem caráter, mas pelo menos um subproduto brilhante a polêmica já gerou: o texto humorístico de Larry Doyle publicado no último número da revista “The New Yorker”, intitulado How Fred Flintstone got home, got wild, and got a Stone Age life. Trata-se de uma alucinada colagem de pastiches de trechos famosos da literatura, tirados de autores como Poe, Dickens, Nabokov, com os versos da musiquinha de abertura dos “Flintstones” de entremeio. A graça do jogo (só para quem lê inglês, infelizmente) é desvendar o maior número possível das referências usadas por Doyle.

Corra que a Flip vem aí!
Posts / 09/05/2006

O romancista americano (filho de nigerianos) Uzodinma Iweala, de apenas 24 anos, mais recente atração internacional confirmada na Festa Literária Internacional de Parati, de 9 a 13 de agosto, é um autor inédito no Brasil. Não por muito tempo: a Nova Fronteira prevê lançar em julho, às vésperas da festa, o livro com o qual Iweala estreou há dois anos, “Feras de lugar nenhum”. O caso é semelhante ao do veterano inglês Benjamin Zephaniah, inédito até que a Companhia das Letras publique, também em julho, o infanto-juvenil “Gangsta rap”. Será que toda essa correria para publicar desconhecidos (desconhecidos aqui) indica que a Flip está com dificuldade para fechar seu elenco internacional? Não seria surpresa – as edições anteriores foram tão vorazes nesse aspecto que não sobraram muitos nomões no caderninho. Isso não quer dizer que Iweala e Zephaniah sejam fracos ou que desembarcarão em Parati a bordo de alguma cota racial – ambos são negros. Nada disso: “Feras de lugar nenhum”, história de um menino africano transformado em matador por uma guerra civil, foi recebido calorosamente pela crítica internacional. E Zephaniah é uma figuraça, um agitador performático que pode até vir a perder todo o sentido na tradução, mas não…

Literatura é coisa de homem, diz feminista
Posts / 09/05/2006

Dando uma olhada na programação do festival de literatura de Hay, no País de Gales – aquele que serviu de inspiração para a nossa Flip –, não demoro a encontrar minha atração preferida: uma conferência da feminista australiana Germaine Greer. No próximo dia 27, sábado, ela examinará “a literatura como construção masculina, e a poesia, especialmente, como uma ‘forma espetacular de exibição de macheza’”. E mais: a intelectual quer descobrir “que estratégias podem adotar as leitoras e escritoras quando confrontadas com uma linguagem desse tipo, que ‘as objetifica completamente’?” A primeira e urgente estratégia seria, provavelmente, pedir com gentileza a dona Germaine que fosse catar little coconuts. E que, enquanto estivesse a catá-los, aproveitasse para refletir sobre algumas posições bizarras que vem adotando nos últimos tempos, e que causam mais estragos à imagem das mulheres do que cem gerações de poetas priápicos barbudos. Como sua defesa intransigente da mutilação genital feminina, com o argumento de que as sociedades africanas em que ela é praticada lhe atribuem um peso cultural que nós, ocidentais, não temos o direito de julgar. Aquela conversa mole de relativismo cultural, pois é. Substância literária eu não garanto, mas querem esquentar o debate nacional? Ainda dá tempo…

Para a ficção ficar mais científica
Posts / 09/05/2006

“Escritores de ficção científica não sabem nada”, declarou certa vez Philip K. Dick. No entanto, sendo um escritor de ficção científica, é possível que ele não soubesse nada. Por via das dúvidas foi criado na Inglaterra o SciTalk, um inacreditável serviço online de aconselhamento científico gratuito a autores que queiram criar coisas como universos paralelos habitados por mutantes com o sexo entre as sobrancelhas, mas deixando a imaginação trabalhar sobre fundamentos físicos e químicos sólidos. Está certo que o gênero de Fausto Cunha, Jorge Luiz Calife e – às vezes – Braulio Tavares está longe de ser o preferido dos escritores brasileiros, mas nunca se sabe quem pode fazer bom uso da dica. Um regime de mais pósitrons e menos pose até que não nos faria mal.

Futebol, literatura e caneladas
Posts / 08/05/2006

O caderno Prosa & Verso, do “Globo”, aproveita a proximidade da Copa do Mundo para pôr novamente na roda uma velha discussão: por que o futebol do Brasil nunca encontrou uma representação literária à altura de sua exuberância? (Re)lançada a questão, alguns craques consagrados foram convidados a comentá-la. E protagonizaram um festival de matadas na canela de fazer inveja ao Íbis. Para o crítico literário Silviano Santiago, “o imaginário sobre futebol no Brasil é um espaço tão complexo, tão amplo e tão multifacetado que é quase impossível uma obra de ficção apreendê-lo. Nunca o imaginário do artista esteve à altura do imaginário do povo”. Soa bonito, mas deixa no ar algumas perguntas incômodas: se a presença anêmica da arte de Ronaldinho Gaúcho na literatura brasileira se explica pelo excesso de complexidade do nosso “imaginário sobre futebol”, onde estão os grandes romances brasileiros sobre esportes de imaginário mais pobre como vôlei, basquete, automobilismo, bocha, badminton – qualquer um? E cadê as belas obras de ficção futebolística produzidas em países de literatura mais desenvolvida e futebol menos acachapante? “Febre de bola”, do inglês Nick Hornby? Aquilo é memorialismo, não ficção. E eu disse “belas obras” – não bonitinhas ou passáveis. O antropólogo…

Esportes coletivos não dão liga?
Futebol & literatura , Posts / 08/05/2006

Impossível levar essa discussão sobre futebol x ficção a sério sem ampliar o quadro e tentar entender as relações entre os mundos esportivo e literário de forma mais geral. Não fiz nenhum estudo aprofundado – isso aqui é um blog, os estudos aprofundados ficam do outro lado da rua –, mas os dois universos parecem, com as exceções óbvias da crônica esportiva e de alguma poesia, manter relações frias. E não ficarei surpreso se, dos poucos exemplos de casamento feliz, a maioria envolver esportes individuais e não coletivos. Pense no que representa o halterofilismo para um conto extraordinário como “A força humana”, de Rubem Fonseca; a natação para o alter ego de Fernando Sabino em “O encontro marcado”; a tourada para o Ernest Hemingway de “O sol também se levanta”. O esporte como microcosmo da luta do homem – frágil, só, patético, magnífico – contra o mundo hostil. (Só depois de citar de memória esses três exemplos me dou conta de que dois deles falam de atividades que nem são consideradas propriamente esportivas.) Talvez seja difícil dar conta, literariamente, de trivialidades como o 4-3-3 e a disputa de pênaltis. Isto é, sem quebrar o encanto.