Na votação dos cem maiores romances da língua espanhola dos últimos 25 anos, feita por críticos e escritores a pedido da revista “Semana” (veja nota abaixo), o romance “Rosario Tijeras”, lançado em 1999 pelo colombiano Jorge Franco (Alfaguara, tradução de Fabiana Camargo, 160 páginas, R$ 28,90), aparece na 87a posição. Pode parecer pouco. Não é. O número de bons autores que não chegaram a entrar na lista é grande o bastante para valorizar o feito desse escritor de 45 anos nascido em Medellín. O romance apresenta, numa narrativa supereditada e veloz, a história de uma assassina sexy do submundo de Medellín e dois rapazes de classe média apaixonados por ela. As semelhanças com uma certa corrente da literatura brasileira contemporânea fixada em sexo e violência — que podemos chamar de rubem-fonsequiana — são evidentes e curiosas. Mas os leitores que, até compreensivelmente, andam cansados do estilo devem levar em conta que “Rosario Tijeras” consegue trabalhá-lo com felicidade acima da média. O trecho abaixo abre o livro: Como levou um tiro à queima-roupa ao mesmo tempo em que recebia um beijo, Rosario confundiu a dor do amor com a da morte. Mas tirou a dúvida quando afastou os lábios e viu…
Da grande geração de escritores ingleses que integra com Ian McEwan, Martin Amis e Salman Rushdie, Julian Barnes é o mais “europeu”, no sentido de sofisticado, afeito a sutilezas de composição e pensamento, numa tradição assumidamente francófila – pecado quase imperdoável em sua ilha. O que o torna também, previsivelmente, o de menor sucesso comercial dos quatro. Autor da obra-prima “O papagaio de Flaubert”, uma mistura de ensaio e ficção em que acerta contas com sua grande admiração literária, Barnes volta, em “Arthur & George” (Rocco, tradução de Léa Viveiros de Castro, 448 páginas, R$ 53,50), a transformar uma figura real da história da literatura em tema. Mas desta vez, embora a variedade sempre tenha sido uma marca de sua obra, surpreendeu até quem já esperava uma surpresa. O escritor cuja vida ele romantiza é popular e inglês até a alma: Arthur Conan Doyle, o criador do detetive Sherlock Holmes. E o livro, o mais convencional que Barnes já escreveu. Ficção histórica consistente, cheia de pesquisa, “Arthur & George” conta em contraponto as histórias do médico Arthur Conan Doyle e de outro personagem real, o advogado George Edalji. Trata-se de dois antípodas: um inglês atlético e bem sucedido, um descendente…
Um escritor frustrado de São Paulo é abordado num restaurante da Liberdade por uma velha senhora japonesa que diz se chamar Setsuko. Ela deseja lhe contar a história de um triângulo amoroso de desenho cambiante, nebuloso, passado no Japão do pós-guerra. É assim que o narrador entra, e atrás dele o leitor, num labirinto de sombras, simulacros, mentiras e mal-entendidos, com personagens desenraizados em busca de uma verdade que sempre lhes escapa, deixando em seu lugar a versão, o texto. Ou lacunas. Bernardo Carvalho volta a confirmar sua posição de mais “pós-moderno” dos escritores brasileiros – o que é um clichê, sim, mas não apenas isso – com o romance “O sol se põe em São Paulo” (Companhia das Letras, 168 páginas, 34 reais). Sucessor coerente de “Nove noites” e “Mongólia”, o novo livro se aproxima mais do segundo por não ter a urgência e a visceralidade que, no caso do primeiro, isentam os constantes dribles narrativos da acusação de artificialismo. Mesmo assim, e apesar de um certo desleixo formal que se manifesta sobretudo em alguns tiques de estilo e informações repetidas, é inegável que a amplitude histórica, geográfica e, digamos, filosófica da tela na qual Carvalho risca suas histórias…
“Luz em agosto”, do grande mestre americano William Faulkner (Cosac Naify, tradução de Celso Mauro Paciornik, 448 páginas, R$ 69), já teve uma tradução lançada no Brasil, pela Nova Fronteira, em 1983. Neste quarto de século, porém, tornou-se figurinha rara entre nós este romance que costuma ser considerado o mais acessível do autor (1897-1962) de “O som e a fúria”, a melhor porta de entrada em sua obra. Publicado em 1932, “Luz em agosto” talvez tenha mesmo mais ação e menos monólogos interiores do que os livros mais famosos do homem, embora não lhe faltem uma prosa luminosa e aquela atmosfera faulkneriana de decadência econômica e moral do Sul dos Estados Unidos. Como afirma a boa orelha assinada por Marçal Aquino, “há escritores que escrevem grandes livros. Há outros, mais raros, que instauram mundos”. A acessibilidade não significa que o livro seja simples. O grande número de personagens faz de “Luz em agosto” uma malha de histórias que se cruzam, se completam e se corrigem, todas centradas na cidadezinha de Jefferson, no fictício condado de Yoknapatawpha. Os personagens que sustentam a construção, porém, são três, e todos párias: a adolescente Lena Grove, solteira e grávida, que chega em busca do…
Do escritor inglês Jonathan Coe, 45 anos, só li o romance que costuma ser considerado sua obra-prima, “O legado da família Winshaw” (Record, 2002, tradução de Celina Cavalcante Falck). Um livro divertido, despudoradamente farsesco, em que as histórias de variados personagens se cruzam numa trama complicada e não desprovida de artificialismo, para compor uma sátira feroz da Grã-Bretanha de Margaret Thatcher. Um bom romance cujo aparente defeito – uma certa candura ou confiança excessiva no poder do contador de histórias – termina por ser sua maior qualidade, ou pelo menos aquilo que o distingue no panorama literário atual. Não sei se fui claro: é evidente que Coe tem ambições, tanto estéticas quanto políticas, mas não cabe bem no figurino do literato. Provavelmente não é sequer um grande escritor, mas está tão empenhado em envolver o leitor em suas fabulações e comentar com ele o mundo lá fora – e não a própria literatura, o que o diferencia de boa parte do pós-modernismo em que se alinha – que acaba tendo uma vitalidade curiosa. (Será que influi em minha simpatia o fato de Coe ter se revelado um sujeito sensato, afável e sem frescura quando nos conhecemos na Flip de 2004,…
Juan Carlos Onetti (1909-1994) é um dos menos conhecidos dos grandes escritores latino-americanos. Eu mesmo confesso que demorei demais a conhecê-lo. Mas que é um dos maiores – para muita gente mais nervosa no manejo dos superlativos, o maior – ficou claro para mim ao ler o romance “A vida breve”, na edição de 2004 da editora Planeta, com tradução impecável de Josely Vianna Baptista, que agora nos dá esses “47 contos de Juan Carlos Onetti” (Companhia das Letras, 448 páginas, R$ 42). O mais recente título da coleção de contos da Companhia – aquela com belas capas em estilo retrô de Jeff Fisher – traz todas as histórias curtas escritas por Onetti ao longo de seis décadas, de 1933, em Montevidéu, onde nasceu, a 1993, em Madri, cidade que adotou após ser exilado pelo regime militar, em 1975. Mestre da sutileza e do desencanto, com suas narrativas em que “nada acontece” ocupando quase programaticamente o pólo oposto ao das pirotecnias verbais e simbólicas do chamado realismo mágico, é até compreensível que esse uruguaio que se dividiu entre o jornalismo e a publicidade – sem jamais deixar de ser ficcionista – tenha sido mais lento que tantos de seus contemporâneos…
Críticas ao alto preço dos livros têm sido freqüentes na área de comentários do Todoprosa – com razão. Mais um motivo para comemorar o lançamento de “Adeus, Columbus”, livro de estréia do grande escritor americano Philip Roth (Companhia de Bolso, tradução de Paulo Henriques Britto, 288 páginas, R$ 19), composto do ótimo romance curto (ou novela) que dá título ao volume e mais cinco contos. Lançado em 1959, o livro é o primeiro a sair diretamente na linha de bolso da Companhia das Letras, sem ter passado por uma edição “normal”, e traz um Roth de preocupações joviais – embora já em pleno domínio de sua arte – falando do difícil amor do jovem Neil Klugman, judeu de classe média baixa, por Brenda Patimkin, judia rica. É um exercício interessante – ainda que melancólico – comparar o estilo daquele Roth de 25 anos com o dos últimos e crepusculares livros do autor a aparecerem aqui na seção “Primeira Mão”: O animal agonizante, em tradução do mesmo Paulo Henriques Britto, e o lancinante Everyman, ainda inédito no Brasil, num trecho vertido por mim. Leia abaixo uma das primeiras cenas de “Adeus, Columbus”. Meu tio Max chegou em casa, e enquanto eu…
O assombroso Isaac Bábel (1894-1940), um judeu franzino de óculos nascido em Odessa, cumpriu um percurso tristemente típico de seu tempo e lugar: fulgurante escritor revolucionário soviético nos anos 20, uma espécie de Maiakóvski da prosa; visto com desconfiança cada vez maior e incomodado com os rumos tomados pelo país ao longo dos anos 30; preso como contra-revolucionário e assassinado pela máquina repressiva de Stálin em 1940; reabilitado oficialmente pelo Partido em 1957. Esse breve esboço biográfico vai aqui porque, em primeiro lugar, ajuda a dissipar um pouco do denso desconhecimento que paira sobre Bábel no Brasil, e depois por ter, na sua brutalidade, uma sinistra correspondência com a literatura do homem. O livro de contos que a Cosac Naify lança agora como vigésimo volume da coleção Prosa do Mundo, “O Exército de Cavalaria” (tradução e apresentação de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade; posfácio de Boris Schnaiderman e Otto Maria Carpeaux; capa dura, 256 páginas, R$ 55), já teve no Brasil, com o título de “A cavalaria vermelha”, até edição na série Clássicos de Bolso da Ediouro. Isso não o impediu de permanecer pouco conhecido entre nós, o que é lastimável. A edição atual, a primeira com…
Eu nunca tinha ouvido falar de Edward Pimenta. A orelha de “O homem que não gostava de beijos” (Record, 128 páginas, R$ 27,90) informa que ele é jornalista, nascido em Mirassol (SP) em 1974. Ah, sim: na introdução, o diretor de teatro Gerald Thomas se rasga em elogios. Hmm. Confesso que isso não preparou meu ceticismo de retinas tão fatigadas para o prazer de ler esses 31 contos breves protagonizados por um personagem de mil caras chamado Horace Catskill. O tênue fio condutor desse nome parece ser a razão pela qual o material de divulgação chama o livro de “romance”, coisa que ele definitivamente não é. Pimenta, que talvez seja antes de tudo um humorista, revela-se também um prosador talentoso e – coisa rara em nossas letras – cosmopolita, no controle de infinitas referências pop, mas sem traço de deslumbramento. Vale a pena vencer a barreira do título careta, curiosamente menos provocante que o da maioria dos contos, para descobrir, por exemplo, o que uma mosca encontra ao entrar pelas fossas nasais de Michael Jackson. Sabe aquela sisudez tristonha que a literatura brasileira gosta de confundir com seriedade, mencionada na nota de ontem – a sisudez que Campos de Carvalho,…
Momento de autopromoção explícita: o titular deste blog tem um enorme telhado de vidro, inversamente proporcional à cobertura capilar que lhe resta. Autor do livro de contos “O homem que matou o escritor” (Objetiva, 2000) e da coletânea de crônicas “What língua is esta?” (Ediouro, 2005), está lançando na semana que vem seu primeiro romance, “As sementes de Flowerville” (Objetiva, 136 páginas, R$ 28,90). Os leitores do Todoprosa que moram no Rio ou estiverem passando por aqui nesta terça-feira, dia 14, estão convidadíssimos para um aperto de mão e dois dedos de prosa: a noite de autógrafos rola a partir das 19h na Livraria Argumento do Leblon (Rua Dias Ferreira, 417). Abaixo, um trecho do livro, que, instigado por um amigo a definir em duas palavras, resolvi chamar na intimidade de “farsa futurista”. O que é um rótulo tão idiota quanto qualquer outro, mas tem a vantagem de prometer alguma originalidade. Quantas farsas futuristas têm sido lançadas no Brasil? Adelina começa a sentir contrações no meio da tarde do feriado de Sete de Setembro. Quando chega a noitinha e as dores estão vindo de dois em dois minutos, Sebastião corre com o vigor de seus vinte anos até a casa…
O boliviano Juan Claudio Lechín, 50 anos, está deixando de ser inédito no Brasil: lança hoje, na Feira de Porto Alegre, seu romance “A gula do beija-flor” (Bertrand Brasil, tradução de Ernani Ssó, 332 páginas, preço a definir). Premiado na Bolívia, o livro acompanha um congresso secreto de grandes especialistas em sedução e sexo, organizado em La Paz pelo protagonista, dom Juan, homem idoso – e velha estrela do sindicalismo – que se recusa a entregar os pontos. Cada capítulo traz o relato picante de um dos congressistas, histórias que dom Juan passa a usar em benefício próprio para tentar seduzir Maya, a estudante de jornalismo que o entrevista. E o que poderia ser apenas um compêndio de machismo latino-americano acaba virando, por engenho do autor, um tributo à esperteza feminina. Não estará errado quem lê-lo ainda como painel das relações sociais num país em ebulição. Com arestas formais que a linguagem, freqüentemente à beira do neologismo, espelha, “A gula do beija-flor” é um livro no mínimo vigoroso em sua mescla de humor safado e uma profunda melancolia. Impossível ficar indiferente ao retrato, patético mas terno, de um homem que se recusa a desistir de uma fome que hoje está…
Um papagaio francês é o narrador do quinto romance de Luis Fernando Verissimo, “A décima segunda noite” (Objetiva, 148 páginas, R$ 28,90), que chega às livrarias no dia 16 de novembro. Segundo título da coleção Devorando Shakespeare, dedicado a histórias baseadas na obra do dramaturgo inglês, o livro se inspira na comédia “Noite de Reis”. Um dos maiores cronistas da literatura brasileira em qualquer época, Verissimo costuma se sair bem nas narrativas longas – em seu caso, nem tão longas assim –, que só escreve quando lhe encomendam. Foi assim com “O jardim do diabo” (L&PM, 1988), o primeiro e preferido deste escriba, e também com “Gula – O clube dos anjos” (Objetiva, 1999), “Borges e os orangotangos eternos” (Companhia das Letras, 2000) e “O opositor” (Objetiva, 2004). O primeiro título da coleção Devorando Shakespeare foi “Trabalhos de amor perdidos”, de Jorge Furtado. O próximo será “Sonhos de uma noite de verão”, de Adriana Falcão. Abaixo, o trecho inicial de “A décima segunda noite”: Mon Dieu, mon Dieu, um gravador. Deus dos papagaios, me acuda. Já ouvi minha voz gravada. Quase silenciei para sempre. É o som do caldeirão rachado com o qual pretendemos comover as estrelas e só conseguimos…
“Conhecimento do Inferno” (Alfaguara, 248 páginas, R$ 37,90), o terceiro romance lançado pelo escritor António Lobo Antunes, em 1980, fecha uma trilogia que começou a chegar ao Brasil com a publicação, pela Objetiva, de “Memória de elefante” e “Os cus de Judas”. Como a dos outros dois, a narrativa de “Conhecimento do Inferno” é conduzida por um psiquiatra, veterano da guerra colonial em Angola, aqui num longo monólogo interior enquanto viaja de carro por Portugal. O contraste entre o tempo exíguo em que se passa a “ação” e o tempo dilatado da memória do protagonista representa um desafio técnico que a prosa de Lobo Antunes vence com um pé nas costas. Prosa que é, em si, o próprio livro, a literatura inteira desse autor de 64 anos que, para muita gente, era mais merecedor do Nobel do que seu conterrâneo José Saramago. Não vou entrar nesse Fla x Flu, aliás besta. Mas não há dúvida de que a escrita de Lobo Antunes, exaltadamente poética, caudalosa e rigorosa ao mesmo tempo, tem uma beleza plástica que às vezes, em meio a certas páginas, dá uma vontade danada de sair por aí gritando que estamos diante do maior escritor vivo da língua….
O Nobel conquistado hoje pelo escritor turco Orhan Pamuk será comemorado no Brasil com o lançamento, dentro de duas semanas, de “Neve” (Companhia das Letras, tradução de Luciano Machado, 488 páginas, preço a definir). Trata-se do oitavo romance de Pamuk e, em suas palavras, “o primeiro e último político”. A história é realmente política do início ao fim, embora nada tenha de panfletária. O autor cria um microcosmo isolado por uma nevasca, a pobre e decadente cidadezinha de Kars, para encenar ali os conflitos étnicos, religiosos e ideológicos que agitam a Turquia de hoje – sobretudo o abismo que se abre num país dividido entre a modernidade ocidental e o tradicionalismo islâmico. A princípio uma testemunha perplexa do conflito, do qual acaba por se tornar peça-chave, Ka é um jornalista e poeta turco que passou os últimos anos exilado na Alemanha por razões políticas e visita a cidadezinha com dois objetivos: escrever sobre uma estranha epidemia de suicídios entre jovens muçulmanas e propor casamento à bela Ipek, sua colega dos tempos de universidade. No trecho abaixo, Ka reencontra Ipek pela primeira vez e tem com o editor do jornal local uma conversa que traça as linhas gerais da guerra que…
No 120o aniversário de nascimento de Manuel Bandeira (1886-1968), sua obra em prosa começa a ser relançada com método em edições caprichadas – e pelo começo. “Crônicas da província do Brasil”, de 1937 (Cosac Naify, posfácio e notas de Júlio Castañon Guimarães, 320 páginas, R$ 48), abre a fila com o requinte típico da editora paulistana, campeã indiscutível na produção de livros como objetos de desejo: capa dura, três versões de capa, fotos internas. O conteúdo justifica o tratamento luxuoso e promete dar um susto em quem, até compreensivelmente, se acostumou a pensar em Bandeira só como poeta, e dos maiores. Se Rubem Braga era um versejador não mais que curioso, por que alguém imaginaria que o pernambucano tinha na crônica qualquer brilho especial? Bom, ele tinha. “Crônicas da província do Brasil”, reeditado como volume autônomo pela primeira vez desde o lançamento, é uma coletânea de textos publicados na imprensa. Nem todos podem ser considerados crônicas no sentido estrito da palavra: há ensaios de fôlego erudito sobre patrimônio histórico, críticas literárias, perfis de amigos, um atualíssimo artigo em defesa do jeito brasileiro de falar português, historinhas ligeiras de sabor ficcional – coisa à beça. Em extensão e intensidade, um cardápio…
O escritor gaúcho João Gilberto Noll chega este ano à categoria dos sessentões tendo uma obra vasta e coerente para mostrar. Nela predominam os romances: “A fúria do corpo”, “Bandoleiros”, “Harmada”, “Berkeley em Bellagio” e outros. Essa predileção pelas narrativas longas – ou relativamente longas, pois a verborragia aqui não tem lugar – sempre me pareceu intrigante. Meu livro preferido de Noll continua sendo o primeiro, de contos, “O cego e a dançarina”, lançado em 1980. O estilo marcante do autor, com sua indeterminação crônica instalada no coração mesmo das frases, das palavras, torna aflitivamente fugidios, estranhos, esgarçados, personagens e cenários. O que me parece bem menos adequado à narrativa longa que à curta, que pode prescindir com mais facilidade de uma arquitetura precisa, de um enredo calculado – ainda que calculado para confundir. Por tudo isso é muito boa a notícia de que, após publicar o volume de minicontos “Mínimos múltiplos comuns” (Francis, 2003), Noll já está de volta ao gênero, e dessa vez em tamanho mais suculento, com as 24 histórias de “A máquina de ser” (Nova Fronteira, 144 páginas, R$ 22), que chega às livrarias no próximo fim de semana. Abaixo, um conto inteiro, um dos melhores…
É a primeira vez que a seção Primeira Mão aparece aqui dois dias seguidos, mas a ocasião justifica o exagero. No pacote de lançamento do selo Alfaguara no Brasil (veja a nota de ontem sobre o livro de Mario Vargas Llosa), chama atenção outro escritor de primeira grandeza, este, porém, de obra pouco conhecida entre nós: o americano Cormac McCarthy, 73 anos. Em maio deste ano McCarthy teve o livro que costuma ser considerado sua obra-prima, “Meridiano sangrento”, incluído por um júri do “New York Times” entre os mais importantes da ficção americana nos últimos 25 anos (nota da época aqui). “Meridiano sangrento” foi lançado nos EUA em 1985 e saiu aqui pela Nova Fronteira em 1991, mas faz tempo que virou raridade. Depois disso a Companhia das Letras publicou a chamada Trilogia da Fronteira de McCarthy: “Todos os belos cavalos” (1993), “A travessia” (1999) e “Cidades da planície” (2001). Ficou nisso. O que torna mais bem-vinda esta edição de “Onde os velhos não têm vez” (Alfaguara, tradução de Adriana Lisboa, 252 páginas, R$ 38,90), um western moderno – ambientado nos anos 80 – e ultraviolento que a prosa tensa e seca de McCarthy ajuda a tornar mais do que…