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Mario Vargas Llosa: ‘Travessuras da menina má’
Primeira mão / 20/09/2006

O romance “Travessuras da menina má” (Alfaguara, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht, 302 páginas, R$ 39,90), de Mario Vargas Llosa, saiu há cinco meses na Espanha e marca um momento especial na carreira do escritor peruano de 70 anos: sua obra completa começou a ser editada na mesma época e os rumores de que o Nobel de Literatura – que será anunciado mês que vem – tem lhe piscado um olho andam fortes como nunca desde que ele esteve este ano em Estocolmo, terra do prêmio, para participar de um monumental congresso de especialistas em sua obra. Assumido pelo próprio Vargas Llosa como sua primeira “história de amor”, o livro é divertido a seu modo ligeiro, distante da grandiosidade de, por exemplo, “Conversa na Catedral”. A paixão do protagonista Ricardo pela menina má do título se espalha no tempo – quatro décadas – e no espaço, passando por muitas das cidades em que o autor viveu, para esboçar um painel da segunda metade do século XX: Lima nos anos dourados, Paris no tempo do radicalismo estudantil, Londres quando ela era swinging, Madri na redemocratização. Em cada cidade o pobre Ricardo reencontra sua fria e impiedosa amada num novo…

Genichiro Takahashi: ‘Sayonara, Gangsters’
Primeira mão / 16/09/2006

Até agora o único livro do japonês Genichiro Takahashi lançado nos Estados Unidos, e também o primeiro a chegar ao Brasil, “Sayonara, Gangsters” (Ediouro, tradução do japonês de Jefferson José Teixeira, 296 páginas, R$ 39,90) é um espanto. Engraçado e perturbador, satírico e ridículo, cínico e bobo, incongruente e brilhante, é tarefa inglória tentar encontrar referências que situem o trabalho de Takahashi, um ex-diretor de filmes pornográficos, em algum tipo de tradição literária ou mesmo antiliterária. O “Japan Times” bem que tentou, falando em “Pynchon com editor” e “Calvino como ele é”. O que talvez tenha sua graça, mas não soa muito condizente com uma história passada num futuro indeterminado em que as pessoas já não têm nomes propriamente ditos, o protagonista é conhecido como Sayonara, Gangsters (sim, o livro leva o nome dele), existe uma sala de aula com um deserto no meio e Virgílio, o poeta, é uma geladeira. O “Japan Times” não teria como saber disso, mas, aqui do meu canto, o escritor mais aparentado com Takahashi em que consigo pensar é o José Agrippino de Paula de “PanAmérica”: cada um a seu modo, os dois refratam a cultura pop num prisma de loucura. O trecho abaixo…

Antônio Torres: ‘Pelo fundo da agulha’
Primeira mão / 09/09/2006

Com o romance “Essa terra” (1976), o escritor baiano Antônio Torres, nascido em 1940, conheceu uma coisa rara: o sucesso em dose dupla, de crítica e de público. Como um criminoso ou a vítima de um trauma fundador – ou um escritor, mistura de tudo isso? –, Torres nunca mais parou de voltar àquela terra, a cidadezinha de Junco. Foi em Junco que, abrindo a trilogia, chegou certo dia um tal de Nelo, filho pródigo de volta da cidade grande, para deslumbrar a numerosa família sertaneja com seus sinais exteriores de sucesso e em seguida se matar enforcado. Totonhim, o irmão que narra e tenta em vão compreender a trágica história, também se manda de lá, e muitos anos depois faz sua própria visita à terra natal, no romance “O cachorro e o lobo” (1997). Uma viagem diferente da de Nelo, rebaixada, esvaziada de toda dimensão heróica: “Agora sou eu o que volta, sem festa nem foguetório”, ele diz. “Pelo tempo em que estou à janela e pela rapidez com que as notícias correm neste lugar, já era para ter sido notado. Mas ninguém apareceu ainda para os rapapés de antigamente. Vai ver o ir e vir se tornou tão…

Michel Houellebecq: ‘A possibilidade de uma ilha’
Primeira mão / 02/09/2006

O francês Michel Houellebecq, nascido em 1956, está completando meio século de vida, mas continua à vontade no papel de enfant terrible que o transformou, entre um livro escandaloso e outro, no romancista francês contemporâneo mais lido e comentado do mundo – papel, aliás, que andava vago há tempos no país. Admiro Houellebecq desde que li “Partículas elementares” (Sulina, 1999), mas devo acrescentar – embora isso seja tão pouco surpreendente que talvez cumpra direitinho o que o autor planejou desde o início – que se trata de uma admiração cada vez mais contrafeita, cercada de reservas que vão crescendo à medida que sua obra avança: depois do sucesso de “Partículas elementares”, a própria Sulina lançou seu livro de estréia, “Extensão do domínio da luta”. A Record tomou a frente em 2002, com o rumoroso “Plataforma”. Não está errado dizer que Houellebecq escreve romances de idéias, desde que essas idéias sejam entendidas como negativos dos clichês da esquerda – portanto, de certa forma, ainda clichês. Entre outros alvos mais casuais, “Partículas elementares” compra briga com os hippies e a contracultura da virada dos anos 60/70; “Extensão do domínio da luta”, com a liberação sexual; “Plataforma”, com os muçulmanos. O novo Houellebecq,…

Margaret Atwood: ‘O conto da aia’
Primeira mão / 26/08/2006

“O conto da aia” (Rocco, tradução de Ana Deiró, 368 páginas, R$ 48), da canadense Margaret Atwood, é uma curiosa fantasia futurista na linha conhecida como “distopia”, ou utopia às avessas, a mesma de “1984”, de George Orwell, e “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley. O adjetivo “curiosa” se deve ao fato de que a obra soa, em muitos momentos, como uma resposta direta à paranóia americana pós-11 de setembro, embora tenha sido lançada em 1985. Num país que já foi conhecido como Estados Unidos da América, hoje chamado de Gilead, um golpe militar que teve como pretexto a ação de “fanáticos muçulmanos” aboliu os direitos civis em geral – e os das mulheres ainda mais. Não é a primeira vez que o livro sai no Brasil. Com o título de “A história da aia”, foi publicado pela editora Marco Zero em 1987. Mas é inegável que hoje soa mais atual do que na época. O romance é narrado pela aia (categoria social inferior, destinada exclusivamente à procriação) chamada Offred, que no trecho abaixo encontra uma colega chamada Ofglen. Infelizmente, ao optar por manter os nomes originais, em vez de adaptá-los como fez a tradução da Marco Zero, a edição…

Roberto Bolaño: ‘Os detetives selvagens’
Primeira mão / 19/08/2006

Ainda não terminei de ler “Os detetives selvagens”, do chileno Roberto Bolaño (Companhia das Letras, tradução de Eduardo Brandão, 624 páginas, R$ 59,50), mas o humor selvagem do que li dá e sobra – sobra muito – para recomendá-lo aqui no Primeira mão. O estranho romanção desse autor estranho, que morreu há três anos na Catalunha, onde viveu a metade de seus cinqüenta anos trabalhando em empregos modestos, é uma (falsa?) história de detetive radicalmente (anti?) literária: os detetives são poetas, a mulher desaparecida que eles procuram também é, e todas as conversas giram em torno do assunto, um tanto absurdamente, como se nada mais no mundo tivesse importância. E tem? “Os detetives selvagens” foi um dos muitos livros que Bolaño escreveu de forma caudalosa depois de ser “descoberto” tardiamente, aos 40 anos, com “A literatura nazista na América do Sul”. Lançado em 1999, o romance que sai agora no Brasil ganhou o prêmio Rómulo Gallegos, o mais importante da língua espanhola. Mais do que isso, foi saudado por muita gente boa – como Enrique Vila-Matas em artigo publicado no “Mais!” há dois meses – como a obra que finalmente tirou a literatura latino-americana do beco sem saída em que…

Witold Gombrowicz: ‘Ferdydurke’
Primeira mão / 05/08/2006

“Comece pelo título. Que significa… nada. Não há no romance nenhum personagem chamado Ferdydurke. E isso é apenas um aperitivo da insolência que virá depois.” Assim começa o prefácio – reproduzido na edição brasileira – que a ensaísta americana Susan Sontag, fã de Witold Gombrowicz (1904-1969), escreveu para a primeira edição americana de “Ferdydurke” a ter tradução direta do polonês: antes, vergonhosamente, o francês servira de intermediário. A correção da falha histórica se deu outro dia mesmo, em 2000. E o romance do autor polonês (mais tarde exilado por 24 anos na Argentina) saíra em seu país-natal em 1937. Seis décadas de atraso na metrópole fazem parecer menos grave – ou no mínimo mais compreensível – que só agora essa obra-prima de iconoclastia, anarquismo e nonsense, narrada por um adulto que se vê arrastado de volta à adolescência por um professor, seja lançada aqui na periferia (Companhia das Letras, tradução de Tomasz Barcinski, 352 páginas, R$ 49). Os leitores do mineiro Campos de Carvalho, aquele que matou seu professor de lógica (leia mais aqui), não devem se surpreender com o estilo de Gombrowicz. Em compensação, ficarão felizes de lhe descobrir esse brilhante precursor. O príncipe dos mais gloriosos sintetistas de…

Philip Roth: ‘Everyman’
Primeira mão / 29/07/2006

O Primeira mão de hoje é diferente: traz trecho de um livro ainda não publicado no Brasil. Everyman, o último lançamento do americano Philip Roth (Houghton Mifflin Company, 184 páginas, US$ 16,32 na Amazon.com – a tradução é minha), é simplesmente a novela mais crua que já li sobre envelhecimento e morte. Por suas páginas sopra um vento frio, e sopra tão forte que me afetou o juízo e me fez ceder a este clichê. O título – tirado de um auto medieval sobre a visita da Morte a Everyman – sugere que Roth vai fazer de seu protagonista sem nome o Homem Comum, o cidadão médio. Parece ter sido essa a intenção, mas não é bem o que ocorre. O everyman aqui é por demais americano, urbano, agnóstico, sexualmente atraente e habituado aos confortos da classe média alta – enfim, um personagem de Roth – para se qualificar como homem universal. O fato de seu plano de saúde de primeira qualidade fazer inveja a 99% da população da Terra, porém, não tira pungência da meticulosa descrição dos problemas médicos em fila que vão roubando do personagem, naco por naco, a sua vida. Que essa vida já não fazia muito…

Jonathan Safran Foer: ‘Extremamente alto & incrivelmente perto’
Primeira mão / 22/07/2006

Não se pode dizer que o americano Jonathan Safran Foer não seja corajoso. Incensado pela crítica ao estrear no romance em 2002, aos 25 anos, com um relato pouco ortodoxo em torno do Holocausto chamado “Tudo se ilumina” (Rocco, tradução de Paulo Reis e Sérgio Moraes Rego, 368 páginas, R$ 48), Foer – que virá à Flip – construiu seu segundo livro ao redor de mais um grande trauma coletivo. Desta vez, porém, a ferida está bem mais perto de casa, tanto no tempo quanto no espaço – daí se falar em coragem, embora não falte quem fale também em oportunismo. Inevitável. “Extremamente alto & incrivelmente perto” (Rocco, tradução de Daniel Galera, 392 páginas, R$ 47) é conduzido pela narração de um menino brilhante de 9 anos, Oskar, que sofre com a perda de seu pai no ataque terrorista ao World Trade Center. A prosa inventiva de Foer, recheada – e não raro, convenhamos, entulhada – de jogos de linguagem, às vezes parece pesada demais para a criança que a enuncia, mas nem sempre. No fragmento abaixo, Oskar soa absolutamente convincente enquanto ouve as mensagens que seu pai deixou na secretária eletrônica na manhã do atentado. Uma infinidade de tempo…

Felisberto Hernández: ‘O cavalo perdido’
Primeira mão / 15/07/2006

Um dos segredos mais bem guardados da literatura latino-americana acaba de ficar menos secreto. Faz sentido que o escritor e pianista uruguaio Felisberto Hernández (1902-1964) tenha sido admirado com ardor por Julio Cortázar e Italo Calvino, dois prosadores finos com quem tem afinidades evidentes. Mesmo o leitor escolado na obra dos autores de “Histórias de cronópios e de famas” e “As cidades invisíveis”, porém, terá motivos de sobra para se surpreender com os contos longos, alguns beirando a extensão de uma novela, reunidos em “O cavalo perdido e outras histórias”, segundo lançamento da coleção Prosa do Observatório (Cosac Naify, seleção, tradução e posfácio de Davi Arrigucci Jr., 232 páginas, R$ 45). Ressalvada a possibilidade de alguma edição nanica que a história não registrou, trata-se do primeiro livro de Felisberto publicado no Brasil. A notícia merece comemoração porque Felisberto, como disse Calvino, “é um escritor que não se parece com nenhum outro (…), inconfundível ao abrirmos qualquer uma de suas páginas”. No texto que serve de prólogo à edição, Cortázar discorda em parte, descobrindo pontos de contato entre o uruguaio e o cubano José Lezama Lima. Ambos, para ele, “se conectam com as coisas (porque de algum modo tudo é coisa…

Olivier Rolin: ‘Tigre de papel’
Primeira mão / 10/07/2006

O romance “Tigre de papel” (Cosac Naify, tradução de José Bento Ferreira, 286 páginas, preço a definir), que chegará às livrarias no fim deste mês, é o passaporte do escritor e editor francês Olivier Rolin para a Festa Literária Internacional de Parati – onde ele estará dia 11 de agosto, ao lado do peruano Alonso Cueto e do gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, na mesa “Prosa, política e história”. Trata-se de um belo passaporte. Estruturado como uma caudalosa falação de Martin, que foi militante maoísta na Paris de 1968, para a filha de Treize, um correligionário já morto, “Tigre de papel” é o acerto de contas de Rolin, nascido em 1947, com seu próprio passado politicamente ativo naquele tempo e lugar – ambos lendários. É também uma tentativa de traduzir as motivações da geração 68 para a jovem que o escuta e, com intervenções esparsas mas precisas, ajuda a evitar que o relato descambe para o puro saudosismo melancólico. Se este resumo apressado deu a entender que “Tigre de papel” é um romance pesado, denso, cabeçudo – ou seja, “francês” no mau sentido –, esqueça o resumo. Ambicioso, o livro tem uma verborragia atropelada e suja que o situa…

Murilo Rubião: ‘A casa do girassol vermelho’
Primeira mão / 02/07/2006

O mineiro Murilo Rubião (1916-1991) é uma espécie de Dorival Caymmi da literatura: em cinqüenta anos de atividade literária, escreveu uma média de um conto por ano e, perfeccionista, nunca parou de reescrevê-los e submetê-los a uma feroz autocrítica que, no fim das contas, o levaria a considerar apenas 33 aptos a figurar em livro (pena que esse rigor não tenha mais seguidores entre nós). Rubião foi “descoberto” pelo grande público tardiamente, nos anos 70, com o best seller “O pirotécnico Zacarias”. Foi nessa época que o li pela primeira vez. Era adolescente e nunca mais esqueci a forte impressão causada por aquele estilo que, embora fantástico, nada tinha a ver com o realismo mágico latino-americano, ao qual era na verdade bem anterior – o autor já estava inteiro em sua primeira coletânea, “O ex-mágico”, de 1947. A comparação feita habitualmente pela crítica é com Kafka, mas também isso explica pouco. A verdade é que Murilo Rubião não se parece com nada. Só lendo o homem para saber o que significa lê-lo, e por isso é tão bem-vinda a volta ao mercado daqueles 33 contos aprovados por ele, relançados pela Companhia das Letras. Esta semana chegam às livrarias “O pirotécnico…

Ronaldo Monte: ‘Memória do fogo’
Primeira mão / 24/06/2006

“Memória do fogo” (Objetiva, 128 páginas, R$ 27,90), de Ronaldo Monte, é o terceiro título da coleção Fora dos Eixos, que já lançou “O vôo da guará vermelha”, de Maria Valéria Rezende, e “Voláteis”, de Paulo Scott. A coleção pretende, nas palavras escolhidas pela editora, “buscar a qualidade literária fora do eixo Rio/São Paulo”. O ponto de partida é lá um tanto questionável: as idéias de centro e periferia andam embaralhadas pela internet, e a velha convicção de que existe um mundão de talento inexplorado fora do “eixo” anda cada vez mais parecida com um mito. Mesmo assim o resultado da coleção tem sido mais que animador. “Memória do fogo” não é um livro fácil. Regionalista e intimista ao mesmo tempo, tem uma prosa de alta densidade poética dentro da qual a narrativa avança com lentidão de sonho. Vale a pena embarcar na viagem porque Ronaldo Monte, nascido em 1947, psicanalista alagoano radicado em João Pessoa, tem voz própria e um admirável domínio da linguagem. Qualidades incomuns dentro ou fora dos eixos. Foi então que viu pela primeira vez o que nunca queria ter visto. Via as pessoas por dentro. Não as suas carnes, não as suas tripas, não seus…

Campos de Carvalho: ‘Sou um crápula’
Primeira mão / 19/06/2006

Atendendo a pedidos, seguem os dois parágrafos iniciais de uma das crônicas sem título de Campos de Carvalho em “Cartas de viagem e outras crônicas” (veja a resenha na nota abaixo). Qualidade à parte, não é um trecho típico do estilo do autor. Este, para quem não conhece, está bem resumido na frase inicial de “A dama no paquete”, do mesmo livro: “A bicicleta é um boi volátil cujo epicentro se situa sob o esfíncter anal do pedalante”. Resolvi destacar o texto abaixo porque o olhar que se poderia chamar de “social”, no sentido mais atual e penetrante que se dê à palavra, chama atenção em quem foi estigmatizado como alienado pela esquerda. Em outro ponto do livro, diz Campos de Carvalho: “Não sou um animal político, para espanto e escândalo de muita gente. Em compensação eu me escandalizo justamente com a sua politização, que é como eles chamam a sua mania de catequizar e sobretudo de se deixar catequizar”. Sou um crápula. A mulher grávida de muitos meses carregando a enorme trouxa de roupa na cabeça, pobre a mais não poder e com um menino ao lado também equilibrando o seu volume. Chove e no chão escorregadio o menino…

Mário de Carvalho: ‘Um deus passeando pela brisa da tarde’
Primeira mão / 17/06/2006

O português Mário de Carvalho nasceu em 1944, dois anos depois de António Lobo Antunes, e talvez seja correto dizer que ficou meio ofuscado pelo estilo agressivo e flamejante de seu companheiro de geração. Os dois são escritores da linha de frente da literatura portuguesa hoje, mas Carvalho é mais clássico, de prosa mais contida. O livro que costuma ser considerado sua obra-prima, porém, “Um deus passeando pela brisa da tarde” (1994), tem uma legião de fãs ululantes, daqueles que não se incomodariam de se mudar para dentro da obra. No caso, para a fictícia cidade de Tarcisis, na Lusitânia do século 2, na qual o narrador Lúcio Valério Quíncio, magistrado romano, lida com duas ameaças ao mundo como ele o conhece. Uma é externa: a invasão dos mouros. A outra fermenta no próprio coração do povo: o crescimento de uma seita cujos adeptos têm por símbolo um peixe – o Cristianismo. Após uma edição brasileira pouco divulgada da Contraponto, “Um deus…” está sendo relançado esta semana pela Companhia das Letras (320 páginas, R$ 45,00). Poucos vestígios da razia são hoje aparentes. É difícil acreditar que estas casas foram reconstruídas, após terem sido em grande extensão arrasadas. Quando esta geração…

Lúcio Cardoso: ‘Dias perdidos’
Primeira mão / 10/06/2006

Se, como disse o poeta W.H. Auden, alguns escritores são injustamente esquecidos mas nenhum é injustamente lembrado, o mineiro Lúcio Cardoso (1913-1968) está no primeiro caso. A crítica, mesmo acometida de alguma miopia e oscilando ao sabor dos modismos acadêmicos, acabou, de modo geral, por lhe reconhecer um lugar original na literatura brasileira do século 20. A falta de apetite do público, porém, não faz justiça às suas qualidades. E Lúcio Cardoso não é propriamente um escritor “difícil”. Sombrio, torturado, doentio, por vezes aterrador, sim – mas desde quando esses adjetivos, apregoados orgulhosamente em edições de terror, afugentam leitores? A boa notícia é que as obras de Lúcio vêm sendo relançadas com método nos últimos anos. Depois de “Crônica da casa assassinada”, “O desconhecido e mãos vazias”, “Inácio, o enfeitiçado e Baltazar”, “Luz no subsolo” e “Maleita”, é a vez de “Dias perdidos” (Civilização Brasileira, 406 páginas, R$ 60,90), lançado em 1943, que chega às livrarias no próximo dia 20. Há muitos anos esse romance triste e algo convencional sobre duas gerações de amor infeliz – entre Clara e Jaques e entre Sílvio e Diana – andava sumido. Visto pela última vez no catálogo da Nova Fronteira, precisava ser caçado…

Philip Roth: ‘O animal agonizante’
Primeira mão / 04/06/2006

É uma coincidência que “O animal agonizante” (Companhia das Letras, tradução de Paulo Henriques Britto, 128 páginas, R$ 29), lançado pelo setentão Philip Roth em 2001, saia nos próximos dias no Brasil, poucas semanas depois do lançamento nos EUA de seu novo romance, Everyman. Os dois livros, ambos novelas ou romances curtos (formato que representa uma novidade na carreira do prolífico autor), têm outro parentesco: mergulham de cabeça na consciência da morte. Pode-se encarar Everyman, que comentarei neste espaço em breve, como a seqüência natural – triste mas natural – de “O animal agonizante”. Neste, tão erótico quanto qualquer outro de Roth, o homem velho aproveita o que lhe resta de vida dividindo os lençóis com Consuela Castillo, uma deliciosa aluna de 24 anos que é dona dos seios mais belos que ele já viu, enquanto reflete sobre o fim inevitável: Você pode imaginar o que é a velhice? É claro que não. Eu não podia. Nunca consegui. Não fazia idéia do que era. Não tinha nem mesmo uma imagem falsa – não tinha imagem nenhuma. E ninguém quer outra coisa. Ninguém quer encarar a velhice antes de ser obrigado a encará-la. Como é que tudo vai terminar? Em relação…