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Roberto Pompeu de Toledo: ‘Leda’
Primeira mão / 28/05/2006

O jornalista Roberto Pompeu de Toledo, colunista que há anos toma conta da última página da revista “Veja”, é dono de um dos textos mais literários – no bom sentido – da imprensa brasileira. Era talvez inevitável que acabasse experimentando o romance, como faz agora com “Leda “ (Objetiva, 160 páginas, R$ 27,90). O livro, que conta a estranha relação entre um escritor famoso e seu biógrafo, tem um subtítulo saboroso: “Relato romanesco em 13 capítulos e epílogo, contendo uma versão condensada de ‘A Busca Vã da Imperfeição’”. A seguir, o trecho que abre o romance: Chapéu… Sim, havia um chapéu, de fino feltro negro, elegante chapéu de proteger da friagem e do sol mas também de impor respeito, e os olhares em volta eram de admiração e reverência, quando não enamorados e suspirosos, ou… Não, não tão elegante, na verdade um chapéu pobre e roto, chapéu-coco à Carlitos, divertido, com que se brincava e ria, pondo e tirando, pondo e tirando, mas… eis que da última vez que pousa na cabeça ele começa a apertar, assim machuca, assim não é bom, tenta-se tirá-lo, e agora ele não sai… tenta-se de novo, puxa-se daqui e dali, experimenta-se um golpe mais…

Mia Couto: ‘O outro pé da sereia’
Primeira mão / 21/05/2006

O novo romance do premiado escritor moçambicano Mia Couto, “O outro pé da sereia” (Companhia das Letras, 336 páginas, R$ 43), que acaba de sair em Portugal e chega às livrarias daqui no fim desta semana, une dois momentos históricos – 1560 e 2002 – por meio de uma relíquia que atravessa os séculos: uma velha imagem de Nossa Senhora com o pé quebrado. O sincretismo tecido em torno da santa serve de emblema da história de Moçambique. O trecho a seguir foi retirado do terceiro capítulo e joga o leitor em 1560, a bordo da nau portuguesa Nossa Senhora da Ajuda, que zarpou de Goa com destino à África levando a imagem benzida pelo papa e uma missão: converter infiéis: A vela pincelou de luz a estátua da Santa. Naquele bruxulear, a Virgem parecia animada de vida interior. O padre Antunes certificou-se de que a imagem estava bem apoiada, a salvo dos balanços do mar. Depois, fechou os olhos, deixando-se possuir pelo duplo embalo: da obscuridade e do mar. Acreditava estar dormindo quando um rosto pálido de mulher lhe inundou os sentidos. Era uma jovem despedindo-se na berma do rio Mandovi. Antunes seguia na canoa a caminho da nau…

Um defeito de cor (trecho)
Primeira mão / 11/05/2006

Ana Maria Gonçalves Sentada sob o iroco, a minha avó fazia um tapete enquanto eu e a Taiwo brincávamos ao lado dela. Ouvimos o barulho das galinhas e logo depois o pio triste de um pássaro escondido entre a folhagem da Grande Árvore, e a minha avó disse que aquilo não era bom sinal. Vimos então cinco homens contornando a Grande Sombra e a minha avó disse que eram guerreiros do rei Adandozan, por causa das marcas que tinham nos rostos. Eu falava iorubá e eve, e eles conversavam em um iorubá um pouco diferente do meu, mas entendi que iam levar as galinhas, em nome do rei. A minha avó não se mexeu, não disse que concordava nem que discordava, e eu e a Taiwo não tiramos os olhos do chão. Os guerreiros já estavam de partida quando um deles se interessou pelo tapete da minha avó e reconheceu alguns símbolos de Dan. Ele tirou o tapete das mãos dela e começou a chamá-la de feiticeira, enquanto outro guerreiro apontava a lança para o desenho da cobra que engole o próprio rabo que havia, mais sugerida do que desenhada, na parede acima da entrada da nossa casa.

Cony inédito: e a Madre Teresa, hein?
Primeira mão / 08/05/2006

Excelente notícia: Carlos Heitor Cony, um dos poucos escritores propriamente ditos da Academia Brasileira de Letras, comemora seus 80 anos (completados dia 14 de março) lançando romance novo, o primeiro desde 2003. Chama-se “O adiantado da hora” (Objetiva, R$ 32,90) e quando sair, no próximo dia 18, promete causar algum escândalo. Nada que se compare ao caso das caricaturas de Maomé – o catolicismo é bem mais flexível, afinal. Flexível mas nem tanto: vale lembrar a recente tempestade de protestos que desabou sobre os falos desenhados com terços pela falecida artista plástica Márcia X., e que fez o Centro Cultural Banco do Brasil cancelar a mostra “Erotica”. Acontece que Cony, um ex-seminarista que já decretou, pela boca de um personagem do romance “Informação ao crucificado” (1961), que “Deus acabou”, continua afiado em sua tensão espiritualidade x anticlericalismo. “O adiantado da hora” é uma farsa furiosa, de humor escrachado e absurdo, em que Madre Teresa de Calcutá, beata a caminho da santificação, torna-se personagem de uma tórrida cena de sexo – mas talvez tudo não passe de mentira de um certo Seabra… O adiantado da hora (trecho) Ninguém sabe por que nem quando o chamavam de Seabra – nem ele, que…