httpv://www.youtube.com/watch?v=CWmoYRqVNLk A narração de Mário Lago e a direção de Walter Avancini fazem desse pequeno clipe – concebido como uma daquelas recapitulações sumárias dos folhetins televisivos, destinadas a situar o espectador na trama antes que comece um novo episódio – uma espécie bastante inspirada de resumo e, claro, também um spoiler de “Grande sertão: veredas”. Vi na época, em 1985, a minissérie da TV Globo baseada no clássico de Guimarães Rosa. Lembro-me de ficar incomodado com a beleza delicada demais, feminina demais de Bruna Lombardi no papel de Diadorim, que me parecia exigir bem mais ambiguidade, embora aprovasse Toni Ramos como Riobaldo e Tarcísio Meira como um canastroso Hermógenes. Revendo hoje este trechinho, com sua magia que dura até o surgimento daqueles hediondos créditos globais, até Bruna me pareceu uma escolha iluminada, como iluminada ela surge, nua, no clímax da revelação. Bom fim de semana a todos.
Meu pai tinha uma coleção Clássicos da Literatura Universal, capa dura marrom com letras douradas, papel âmbar, graças à qual, aos dez anos de idade, passei semanas ou séculos (o tempo é diferente quando se tem dez anos) engalfinhado com a prosa opaca e vagarosa do “Ivanhoé” de Walter Scott, tentando entender palavra por palavra, crente que o que eu não entendia só me fazia melhor. Da mesma coleção li Flaubert, Tolstoi, Turgueniev, Wilde e Knut Hamsun antes dos quatorze. Quer dizer: muito cedo foi tarde demais. Tudo entremeado com Erico Verissimo, que também reivindicava seu metro e meio de estante nas obras então completas da editora Globo de Porto Alegre, capa dura azul. Os prefácios espirituosos que o pai de Clarissa tinha escrito para todos os volumes, desvelando os bastidores da literatura, deram o empurrãozinho que faltava: tarde demais, sem dúvida nenhuma. Para o bem ou para o mal, eu ia ser escritor e pronto. Meu pai ficou preocupado com a notícia. Meu pai tinha também uma edição inglesa de “David Copperfield” no fundo da parte de cima do armário de seu quarto, com assinatura na folha de rosto – uma assinatura espalhada e confiante de jovem, diferente do…
Nada de debates de ideias. Nada de perguntas difíceis de responder. Tradicionalmente leve, a mesa final da Flip reuniu alguns dos escritores do evento para a leitura de trechos de seus autores preferidos. Confira abaixo uma relação com alguns dos convidados da mesa, hegemonicamente estrangeira, seus livros favoritos e as justificativas de suas escolhas. Beatriz Bracher . Leitura: trecho do romance Angústia, de Graciliano Ramos . Justificativa: “Foi o primeiro autor que me deu a noção clara de que escrever não tinha a ver apenas com aprender ou sentir, mas também com viver”. Reinaldo Moraes . Leitura: trecho de Memórias de um Sargento de Milícias . Justificativa: uma dos principais obras da literatura brasileira, foi escrita por Manuel Antônio de Almeida quando tinha menos de 21 anos. “Um certo prodígio”, disse Moraes. “E é um romance sobre um malandro do século XIX, que se apaixona por uma garota pobre, se liga a cinganos, vai a festas de negros, ele é da pá virada.” Lionel Shriver . Leitura: trecho de A Era da Inocência, de Edith Wharton . “Eu sei que parece inexplicável, mas eu sou admiradora de Edith, porque ela gosta de estilo e entende como convenções sociais podem levar…
Teve um público modesto a mesa “Cartas, Diários e outras Subversões”, que reuniu as escritoras Carola Saavedra, chilena naturalizada brasileira, e Wendy Guerra, cubana nunca editada em seu país. Com mediação do também escritor João Paulo Cuenca, elas conversaram sobre como a figura paterna – ou a figura masculina forte – está presente em seus livros (Nunca Fui Primeira-Dama, de Wendy, e Flores Azuis e Paisagem com Dromedário, de Carola) e sobre a exposição do escritor em sua obra. Wendy, que foi apresentadora de TV em eu país – “Uma espécie de Xuxa cubana” – disse que tem preferência pela narração em primeira pessoa. “Tenho um trabalho performático em primeira pessoa”, reconheceu a escritora, que já posou e realizou performances nua em galerias de arte. Tudo pela arte, aliás. Wendy faz questão de dizer que não consegue separar a arte da vida, por ser filha e amigas de artistas – e possivelmente, vale a interpretação, por essa ser uma forma de transcender as regras restritivas do regime sob o qual vive. Sobre a presença firme de Fidel Castro em Cuba, Wendy revelou sentir tanto objeção quanto fascínio. “Eu sou dupla. Uma vez, estive em dúvida sobre a minha paternidade e disse…
Uma edição especial de José e Pilar, com 40 minutos de imagens que foram incluídas e de outras que ficaram fora do documentário sobre a intimidade do escritor português José Saramago e sua mulher, a jornalista espanhola Pilar Del Rio, fechou a programação da Flip neste sábado. Um sábado sem grandes acontecimentos. A mesa dos cartunistas underground Robert Crumb e Gilbert Shelton, que era uma das mais aguardadas da festa, decepcionou. A do poeta Ferreira Gullar constituiu mais uma homenagem que um debate. Também a sequência de cenas de José e Pilar foi morna. O filme parte da ideia de mostrar a intimidade do escritor. E acaba tendo seu ponto mais interessante na abordagem da morte – não só porque Saramago já estava doente durante as filmagens, mas também porque o olhar do diretor, o português Miguel Gonçalves Mendes, o conduziu a isso. “O filme é sobre os dias atuais e como lidamos hoje com a morte”, disse Mendes. “Esse é um tema forte para mim. Morro de medo de morrer.” José e Pilar será contado em ordem cronológica, porque as 230 horas de gravação feitas por Mendes acabaram acompanhando o processo de feitura de A Viagem do Elefante, um…
Teve tom biográfico a mesa “Gullar, 80”, protagonizada pelo maranhense Ferreira Gullar no fim da tarde deste sábado, em Paraty. Numa conversa com o especialista em teoria literária Samuel Titan Jr., Gullar relembrou o início da carreira, com o livro Um Pouco Acima do Chão, que não reedita por considerar muito parnasiano, sua contribuição para o surgimento do movimento de poesia concreta, com que romperia depois, seu engajamento no neoconcretismo e o nascimento do Poema Sujo, o exílio, em Buenos Aires, quando as ditaduras grassavam na América Latina e ele se achava “sem saída, vendo as pessoas desaparecerem”. O Poema Sujo foi uma forma de “escrever o que restava dizer.” Segundo Gullar, o Poema Sujo foi escrito num jorro, mas ficou incompleto, porque a inspiração acabou. Até que um dia ele conseguiu talhar os versos finais do poema – a poesia, como ele mesmo diz, não se pode controlar, ela surge quando quer, ela vem do imprevisível. Numa visita à Argentina, Vinicius de Moraes ouviu do dramaturgo Augusto Boal, em um jantar, que Gullar havia feito um texto longo e que não o mostrava a ninguém. Vinicius insistiu em conhecer o poema e fez com que o maranhense o recitasse….
O processo criativo da escrita foi o tema proeminente da mesa “Albany, Nova York e outras Aldeias”, que pôs cara a cara o americano William Kennedy e o irlandês Colum McCann, neste sábado, na Flip. Jornalistas de formação, ambos fazem da investigação – da reportagem – o caminho para criar personagens e histórias. “Uma das minhas personagens era uma prostituta do Bronx, e minha mãe ficou curiosa para saber de onde eu a conhecia”, contou McCann. “Mas eu não a conhecia, claro, eu a criei a partir de meses de conversa com prostitutas reais, com policiais, com pessoas nas ruas. Eu pesquisei até ouvir a voz dela, até sentir que ela existia, que ganhava vida.” O irlandês disse que recomenda às pessoas que escrevam sobre o que não conhecem – o que as forçaria a investigar e encontrar surpresas. “Para escrever sobre Albany, eu comecei a entrevistar o meu pai, a minha mãe. Comecei a perceber como a minha cidade era grande, maravilhosa”, disse Kennedy, famoso pelo chamado ciclo Albany, uma série de sete romances ambientados na cidade natal do escritor. Kennedy destacou, porém, diferenças entre o processo de feitura do jornalismo e da literatura. “Ainda sou repórter, e sempre…
Paciência, pessoal. O novo Todoprosa, uma das atrações do novo Veja.com, voltará a ser atualizado em breve neste endereço. Até lá!
Sob o título “Duas elites”, o “Rascunho” traz um bom artigo de Luiz Bras (mais conhecido como Nelson de Oliveira) sobre a guerra entre alta literatura e literatura de gênero. Trata-se – e o autor é o primeiro a admitir isso – de uma caricatura, um quadro em preto e branco que ignora “todas as gradações, todos os matizes”. Isso não diminui o valor do texto. Caricaturas são perfeitas para expor o ridículo de personagens e situações. Como se pode ver pelas listas de “critérios” dos dois lados que Bras expõe: Critério da elite acadêmica: 1. Linguagem original, conotativa, que não possa ser atribuída a outros escritores do presente e do passado, por vezes avessa à norma culta. O autor deve se expressar de maneira única, inaugurando seu próprio modo poético. 2. Subjetivismo. Narrador modernista, tortuoso ou fragmentário, psicológico, pouco confiável, às vezes delirante. 3. Enredo frio, pobre em ação, sem muitas peripécias ou surpresas, próximo da vida comum. A forma literária é mais importante do que o conteúdo. 4. O mundo interior do protagonista e das personagens é mais importante do que seu mundo exterior. 5. Fuga do gênero a que (supostamente) pertence. Faz parte do desejo supremo de…
No terreno cada vez mais batido da interatividade internética, o pessoal do Papeles Perdidos (em espanhol), blog do “Babelia”, encontrou um cantinho original: perguntar aos leitores que livro eles memorizariam para salvar do fogo, como se fossem aqueles heróis da resistência de “Farenheit 451”, de Ray Bradbury. Cerca de oitenta livros ganharam menção. O título mais citado, com oito votos, foi “Cem anos de solidão”. Em seguida vieram “O apanhador no campo de centeio”, “Dom Quixote” e “O jogo da amarelinha”, com quatro votos cada um. A turma dos três votos teve “A Divina Comédia”, “A ilha do tesouro”, “A origem das espécies”, a “Ilíada”, “Os miseráveis” e, sim, “O pequeno príncipe” – este, disparado, o mais fácil de decorar. Será que daria no mesmo perguntar simplesmente ao leitor qual é a sua obra literária preferida de todos os tempos? Talvez sim, mas tenho minhas dúvidas. O peso absurdo de eleger um único livro para aprender de cor – ou seja, de coração – e salvar do aniquilamento completo parece fazer com que a escolha seja no mínimo mais ponderada. Eu, por exemplo, ainda não consegui decidir o meu. E você?
O escritor Reinaldo Moraes, autor do ótimo “Pornopopéia”, da editora Objetiva (leia aqui trecho publicado neste blog na época do lançamento), está confirmado na Festa Literária Internacional de Parati (Flip). Ainda não anunciado oficialmente, Moraes é o 18.º nome a garantir presença num elenco que tem como maiores estrelas Salman Rushdie, que já esteve na cidade em 2005, e Robert Crumb. Como Rushdie, Moraes também é reincidente. Em 2006, formou com André Sant’Anna e Lourenço Mutarelli uma mesa chamada “Do amor e outros demônios”, que explorava uma certa aura de marginalidade e “sujeira” comum aos três autores – Moraes pode ser considerado o patrono brasileiro do estilo por seu “Tanto faz”, lançado pela Brasiliense em 1981. Desta vez, não haverá rótulos mercadológicos. Melhor assim, pois “Pornopopéia” está acima disso.
O interessante artigo de Flora Süssekind publicado na última edição do Prosa & Verso, sob o título “A crítica como papel de bala”, investe contra o “conservadorismo” e o “beletrismo” que sua autora julga hegemônicos no atual cenário da crítica literária brasileira – ou talvez devêssemos chamá-lo de ambiente de recepção de livros, pois o pensamento crítico anda mesmo um tanto anêmico. Esse ambiente, argumenta ela, vive um momento de certa efervescência com seus festivais, prêmios, oficinas, blogs e resenhas breves, eminentemente jornalísticas, mas falta-lhe o tutano de um pensamento articulado e independente que resgate a “dimensão social” da literatura. O curioso é que, num caso clássico de ponto cego, Sussekind parece sincera ao deixar de perceber que o grande elemento faltante nesse ambiente, a crítica universitária de fôlego que ela própria representa, retirou-se do debate porque quis. Como bom exemplo do pensamento literário hoje dominante na universidade, inclusive no estilo árido e calibrado para afugentar leigos, Süssekind, reconheça-se logo, está de mal com a literatura contemporânea. Brigou com ela. Os exemplos de novidade estética que aplaude em seu artigo incluem, ao lado do poeta Carlito Azevedo e seu notável “Monodrama”, uma diretora de teatro, um músico e um artista…
Este artigo (em inglês) de Viv Groskop no site do jornal “Daily Telegraph” defende bravamente uma tese com a qual, para minha surpresa, estou cada vez mais de acordo: o Twitter é o “paraíso dos viciados em livros”. O texto invoca em seu apoio uma frase de Margaret Atwood, aliás, @MargaretAtwood, ela própria tuiteira: “Fui tragada pela Twittersfera como Alice pela toca do coelho” – 67 toques no original, 60 na tradução. A conclusão de Groskop tem tudo para surpreender os que, como eu mesmo até poucos meses atrás, ainda consideram o Twitter um modismo tolo e superficial, talhado para quem tem tempo demais e obrigações de menos, onde proliferam mensagens de importância capital como: “Bom dia, tô comendo granola com mel!” ou “O motorista do ônibus que eu peguei pra vir pro trabalho é os cornos do Léo Moura”. Não é que os recados irrelevantes não estejam lá. Provavelmente são maioria. O que os detratores do Twitter não percebem é que a coisa tem a cara do dono. Tudo depende, claro, de quem você segue. O artigo do “Telegraph” lembra que a rede está cheia de escritores de verdade – @paulocoelho é um dos citados – tuitando e sendo…
A confirmação da cubana Wendy Guerra na Flip não poderia ofuscar a do lendário quadrinista americano Robert Crumb, mas, por razões alheias à qualidade artística, chegou perto. A autora de “Nunca fui primeira-dama” – seu primeiro romance traduzido no Brasil, a ser lançado esta semana – é uma ex-apresentadora de programa infantil de TV que já posou nua por amor à arte. É também uma escritora séria cujos romances permanecem inéditos em seu país. O posto de musa da Flip 2010 já tem dona.
Um post no blog de livros do “Guardian”, a propósito da recém-lançada edição temática da revista “Granta” sobre sexo, sustenta – meio a sério, meio brincando – que a masturbação é a última fronteira. Em outras palavras: que hoje, quando os leitores já não se chocam com quase nada, as imaginosas artes do amor-próprio sobrevivem como o último tabu literário. Segundo o autor do post, Chris Cox, muito pouca boa literatura foi feita sobre o assunto. (Cecilio Giovenazzi ficou indignado, mas deixa pra lá.) Claro que Cox cita o óbvio “Complexo de Portnoy”, de Philip Roth, como uma das exceções que confirmam sua suposta regra. Pensei em escrever para acrescentar um conto de Martin Amis, “Let me count the times”, mas imaginei que, diante do número incontável de exceções nomeáveis, isso seria perda de tempo. Por sorte, nem todo mundo pensou assim. Foi na caixa de comentários – um dos pontos altos do blog do “Guardian”, que, além de pré-cadastrar os comentaristas, faz uma boa triagem – que eu encontrei o tesouro do dia: um conto de Chuck Palahniuk chamado “Guts”, publicado na revista “Playboy” em 2004 e disponível na íntegra, em inglês, aqui. Uma pequena e crudelíssima obra-prima de…
1. Minha contribuição ao (bem-vindo) tsunami de informação provocado pela estréia iminente da “Alice” de Tim Burton, hoje na home de Cultura do iG: Inspiradas nas histórias orais que Dodgson improvisava para uma amiguinha real, Alice Liddell, de 10 anos, as aventuras de Alice são uma das obras capitais da literatura infantil, com tradução para 125 línguas. Mas são mais do que isso: a fúria com que seu autor, matemático de prestígio, empacotou ali paradoxos, charadas, jogos de palavras e neologismos garantiu-lhes um cartaz talvez até maior com os leitores adultos. James Joyce e Jorge Luis Borges estão entre os grandes escritores influenciados por Carroll, que, sob muitos aspectos, foi o maior precursor do modernismo a escrever no século 19. 2. Meu Kindle está acabando de ler “Solar”, de Ian McEwan, e gostando muito. Assim que ele me contar suas impressões finais, prometo dividi-las com os leitores. 3. Claro e informativo este artigo de Claudio Soares, intitulado “Os leitores brasileiros e o livro digital”. 4. Um dos grandes mistérios do terceiro milênio: por que será que a internet predispõe tantos leitores, que na vida real talvez sejam flores de cidadãos, ao ataque histérico e ao insulto grotesco? 5. E o…
A Penguin australiana está recolhendo e destruindo 7 mil exemplares de um livro de culinária especializado em massas, “Pasta Bible”, por causa de um erro de revisão. Um erro gravíssimo: uma receita manda adicionar ao tagliatelle salt and freshly ground black people (“sal e pessoas negras recém-moídas”) em vez de black pepper (pimenta-do-reino).