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Ih, chegou a Flip!
NoMínimo / 30/06/2009

Amanhã de manhã estou indo para a Flip, minha quinta em sete anos. Esta é diferente para mim. Em 2004 trabalhei como mediador em duas mesas – a de Jeffrey Eugenides com Jonathan Coe e a de Luiz Vilela com Sérgio Sant’Anna – mas é a primeira vez que, como autor convidado, viro uma vidraça propriamente dita. Vou abrir mão da piadinha previsível sobre telhado de vidro e escassez capilar, mas não posso fugir da constatação de que isso mudará um pouco o jeitão da cobertura que os leitores do Todoprosa – como todo ano – encontrarão aqui. Para começo de conversa, a agenda de um convidado tem lá suas incompatibilidades com a de um blogueiro integralmente dedicado a produzir posts em série. O que importa é dar aqui a notícia de que o blog vai continuar aberto e funcionando, com pelo menos um post por dia, diretamente das ruas de Parati. Talvez se pareça mais com o diário de um autor na Flip do que com uma cobertura convencional, o que pode ser uma variação interessante no cardápio todoprosaico. Seja como for – e quem quiser suspirar de alívio, pode – não me vejo gastando muitas linhas para resenhar…

Começos (ainda) inesquecíveis: Javier Cercas

Foi no verão de 1994, já faz agora mais de seis anos, que ouvi falar pela primeira vez do fuzilamento de Rafael Sánchez Mazas. Três importantes acontecimentos tinham então acabado de se produzir em minha vida: meu pai havia morrido, minha mulher me abandonara e eu abandonara minha carreira de escritor. Minto. Dessas três ocorrências, as duas primeiras eram exatas, exatíssimas; a terceira não era tanto assim. Na verdade, minha carreira de escritor nunca decolou; portanto, dificilmente poderia tê-la abandonado. Grande parte do apelo do romance “Soldados de Salamina”, sucesso internacional do espanhol Javier Cercas (Francis, 2002, tradução de Wagner Carelli), está no seu jeito – despretensioso só na aparência – de alternar constantemente o foco entre a História (mundial) e uma história (pessoal). O efeito ganha profundidade ao longo de 240 páginas, com outro par de opostos – realidade e ficção – para complicar. As primeiras linhas do livro expõem todo o projeto como miniatura. Publicado em 10/12/2007.

Twitteratura
NoMínimo / 26/06/2009

Tenho 140 caracteres para lhes provar que minha mulher me traiu sordidamente com meu melhor amigo, depois passo à “História dos Subúrbios”. Dois calouros da Universidade de Chicago venderam para a Penguin a idéia de um livro chamado “Twitterature”, que vai recontar alguns dos maiores clássicos da literatura mundial “em vinte tweets ou menos”. Rapazes prolixos: por que não em um? Virei chefe de homens, Deus esteja. Sou pactário? Mas Diadorim depois que morreu era mulher, mire e veja, viver é muito perigoso. Travessia.

Críticos na mira
NoMínimo / 23/06/2009

O site canadense Revenge Lit está organizando um concurso de minicontos (em torno de 250 palavras) com um tema que muita gente vai considerar irresistível: escritores que matam críticos literários. Confesso que não é um desejo que um dia eu tenha entretido – nunca fui além do impulso devidamente refreado de uns cachações – mas pode ser uma iniciativa saudável. Não disse o tio Nelson que “o personagem é vil para que não o sejamos”?

Começos (ainda) inesquecíveis: Herman Melville

Me chamem de Ismael. Alguns anos atrás – não importa precisamente quantos – tendo pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e nada que me interessasse particularmente em terra firme, decidi navegar um pouco por aí e ver a parte aquosa do mundo. É um jeito que tenho de espantar a melancolia e regular a circulação do sangue. Sempre que me pego ficando amargo, mandíbula tensa; sempre que em minha alma se faz um novembro chuvoso e cinzento; sempre que me vejo detendo involuntariamente o passo diante de agências funerárias e seguindo a cauda de todo cortejo fúnebre que encontro; e especialmente sempre que minha hipocondria leva a melhor sobre mim de tal forma que só um forte princípio moral me impede de sair à rua e, deliberadamente e com método, aplicar murros na cara dos passantes – nesses momentos, sei que está na hora de me fazer ao mar o mais depressa possível. Há uma única e melancólica razão para que o início de “Moby Dick”, de Herman Melville, o começo mais “inesquecível”, citado e parodiado da literatura americana, tenha demorado quase dois anos para vir parar nesta seção: a insistência com que os tradutores brasileiros que conheço vertem a…

Desista se for capaz
NoMínimo / 19/06/2009

Que conselho o senhor daria a alguém que deseja dedicar-se à literatura no papel de escritor? Meu conselho-padrão, que muita gente acha que é piada mas é sério, costuma ser o seguinte: desista se for capaz. O mundo da literatura parece charmoso e tal, mas a verdade é que o jogo é muito duro e nem sempre leal, as recompensas são fugidias e as chances de fracasso – não só comercial, mas estético mesmo – estão todas contra você. Agora, se depois de considerar tudo isso o sujeito ainda for incapaz de desistir do seu plano maluco, então é escritor mesmo, e nesse caso todos os conselhos se tornam fúteis. Cada um tem que encontrar seu próprio caminho. Ler muito, ler tudo, e não ter pressa demais de publicar talvez sejam recomendações úteis. Arranjar um jeito de sustentar seu “vício” também me parece um bom toque. A menos que seja rico de berço ou de baú, um escritor deve ter outra profissão, sob pena de ser levado pela ânsia do profissionalismo a vender seus escritos cedo demais, tornar-se um marqueteiro juramentado ou sair à caça de bocadas estatais – e nada disso é muito saudável para aquilo que realmente importa,…

Cadê o Instituto Machado?
NoMínimo / 18/06/2009

O Brasil não está a fazer o que Portugal está a fazer, por exemplo. Portugal tem o Instituto Camões cujo objetivo é exatamente o de promover a língua portuguesa no mundo e o Brasil não tem nada equivalente. O Brasil, por exemplo, não dá apoio às traduções de seus autores no estrangeiro. Portugal tem uma política eficiente de apoiar tradução, apoiando inclusive autores africanos também e o Brasil não tem esta política. De vez em quando, a Biblioteca Nacional apoia uma ou outra tradução, mas não há uma política definida. O Brasil tem que fazer isso. O Brasil tem que entender que a cultura traz muito dinheiro ao país. (…) Tem que compreender que sua afirmação no mundo passa também pela afirmação da língua portuguesa e tem que criar estruturas de promoção da língua e tem que começar a apoiar seus escritores, seus cantores e seus músicos. Sei que ninguém gosta de ver um estrangeiro apontando mazelas aqui dentro, mas está certíssimo o escritor angolano José Eduardo Agualusa, em entrevista à Rádio ONU. É imperdoável a miopia oficial para ações de afirmação cultural num momento em que o Brasil, embalado pela onda BRIC, quer ser reconhecido como potência mundial. Faltam…

Autografa o meu Kindle?
NoMínimo / 17/06/2009

David Sedaris, o autor de “Veludo cotelê e jeans”, que já andou passeando em Parati, foi recentemente visto – e fotografado – autografando as costas de um Kindle a pedido de um leitor. O “New York Times” diz que isso não é tão incomum, apenas um sinal dos tempos. E Sedaris acrescenta que a experiência é tranqüila comparada à do jamegão que certa vez pespegou na perna mecânica de uma leitora. Fica por minha conta a suposição de que a moda de autografar Kindles pode até pegar, desde que o rabisco absurdamente analógico na superfície do maior símbolo da leitura digital seja também ele digitalizado como fotografia, antes de ser sugado pelos poros de um Perfex.

Começos (ainda) inesquecíveis: Italo Calvino

Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo quando este lhe descreve as cidades visitadas em suas missões diplomáticas, mas o imperador dos tártaros certamente continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e atenção do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores. A primeira frase de “As cidades invisíveis”, obra-prima lançada em 1972 por Italo Calvino (Companhia das Letras, tradução de Diogo Mainardi, 1990), pode não parecer, em si, inesquecível. É preciso ler esse espantoso conjunto de relatos de viagem por cidades imaginárias para descobrir que é, sim. Publicado em 4/6/2007.

Herr Donald
NoMínimo / 12/06/2009

Como alguém que aprendeu a ler – literalmente – com o Pato Donald, nas revistinhas que lançaram as fundações do império Abril, gostei de saber (via Arts & Letters Daily) que a decadência cultural do sobrinho de Patinhas e de todos os habitantes de Patópolis não chegou à Alemanha, onde ele continua sendo um gigantesco ícone pop. Mais engraçado ainda é descobrir que a tradução tedesca sempre fez de Donald um pato culto dado a citações de Goethe e Schiller. Quack!

Duas penas e dois martelos
NoMínimo / 09/06/2009

Dois casos inteiramente desconectados levam a literatura aos tribunais. J.D. Salinger, o recluso autor de “O apanhador no campo de centeio”, está processando um escritor – aparentemente sueco, embora só se conheça seu pseudônimo, John David California – que escreveu um romance chamado 60 years later: coming through the rye. Programado para sair em breve na Inglaterra e nos EUA, o livro de California seria uma seqüência não autorizada da obra mais famosa do eremita de 90 anos, que há 45 não publica uma linha. A ação requer o “recolhimento e destruição” do livro. Na revista eletrônica “Slate”, Ron Rosenbaum especula, só meio a sério, se California não seria um pseudônimo do próprio Salinger, que estaria processando a si mesmo. Menos graça tem o caso em que a escritora gaúcha Leticia Wierzchowski, autora de “A casa das sete mulheres”, processa por danos morais o blogueiro Milton Ribeiro, que, bem no estilo do meio, andou soltando alguns cachorros em cima dela. Um dos cachorros de Ribeiro tinha um latido comicamente duvidoso (“Vierschoschoten”) que muita gente pode condenar. Mas não foi para outra coisa que inventaram uma garantia chamada liberdade de expressão – se fosse para expressar sempre em termos moderados aquilo…

Começos (ainda) inesquecíveis: Gabriel García Márquez

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Muitos anos depois, quando lhe perguntassem por que o começo de “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez (Record, tradução de Eliane Zagury), um dos mais inesquecíveis de quantos possam ser assim chamados, demorou tanto a figurar naquela inesquecível seção, o autor do blog haveria de responder com um sorriso: “Não é óbvio?”. Publicado em 10/9/2007.

Oficina literária ensina a escrever?
NoMínimo / 05/06/2009

Algumas questões parecem voar no ar dos tempos. O “Rascunho” que começou a circular nos últimos dias (ainda indisponível online) traz uma longa entrevista comigo em que, entre outros assuntos, o editor Rogério Pereira lança o da eterna dúvida sobre a eficiência das oficinas de criação literária na formação de escritores. Por coincidência, e guardadas algumas proporções, a mesma questão anima um ótimo artigo da “New Yorker” (em inglês, acesso gratuito) publicado ontem pelo crítico Louis Menand. Vamos primeiro à pergunta do Rogério, seguida da minha resposta: Há uma grande quantidade de oficinas de criação literária espalhadas pelo país. O senhor acredita na capacidade destas na “formação” de escritores? Nenhum curso ou oficina jamais vai transformar um não-escritor em escritor, mas pode – nos casos de não-picaretagem, naturalmente, e para isso é preciso pesquisar bem o mercado antes de fazer a matrícula – ajudar a lapidar talentos, além de propiciar uma convivência com seus pares que seja muito produtiva. Por que não? Num esquema mais profissional e institucionalizado, os cursos de creative writing nos EUA podem se gabar de ter algumas estrelas entre seus ex-alunos, como Michael Chabon. No Brasil, ficaram quase lendárias as oficinas de Assis Brasil no Sul,…

O livro proibido de Tezza (final)
NoMínimo / 03/06/2009

Colocado no centro dessa fogueira de paspalhos, faço um apelo: por favor, não me adotem. Não sou um escritor de confiança. Cristovão Tezza, na “Gazeta do Povo”, comentando o caso do seu livro recolhido da rede escolar em Santa Catarina.

E o prêmio de maior perdedor vai para…
NoMínimo / 02/06/2009

Acho difícil entender por que alguém iria querer passar suas horas de leitura na companhia dos virtuosos, dos realizados e dos capazes quando o fracasso é tão mais interessante – e, infelizmente, muito mais comum. Hoje em dia nós os chamamos de anti-heróis (é mais educado), mas para mim eles sempre serão os perdedores da literatura. Gostei desta lista de grandes “perdedores” da ficção, publicada pelo BookForum e elaborada por Mark Sarvas, do blog Elegant Variation. Não conheço a turma toda, mas a julgar por Timofey Pnin, de Vladimir Nabokov, por Alec Leamas, de John Le Carré, e por Tommy Wilhelm, de Saul Bellow, a coisa faz sentido. E antes de perguntar quais seriam, na opinião dos leitores do Todoprosa, os principais candidatos brasileiros ao título, uma pequena questão tradutória: dividir a humanidade entre winners e losers, isto é, vencedores e perdedores, é coisa de americano, sim. O que talvez impeça a palavra de viajar bem, mas não a idéia. Aqui chamamos o loser de fraco, fracassado, pobre-diabo, otário, quem sabe bundão. O tipo nunca foi escasso em nossa literatura, pelo contrário. Trata-se apenas de decidir quem vence a disputa. Talvez o Amaro de “Clarissa”, de Erico Verissimo. Ou o…

Começos (ainda) inesquecíveis: Graciliano Ramos

Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o meu nome na capa. O intrigante começo de “São Bernardo” (1934), de Graciliano Ramos (39.a edição, Record, 1983), apareceu aqui no blog no distante 20/6/2006. Já estava na hora de voltar.

O livro proibido de Tezza
NoMínimo / 29/05/2009

O caso do recolhimento, pelo governo de Santa Catarina, de 130 mil exemplares do livro “Aventuras provisórias”, do catarinense Cristovão Tezza, depois de adquiri-los para distribuição na rede escolar em licitação do ano passado, está bem contado nesta reportagem do “Diário Catarinense”, que ouve todos os lados envolvidos na história. Inclusive uma professora que justifica a proibição com ataques morais ao livro – “chulo e em alguns parágrafos a relação sexual é abordada de maneira banal” – e o próprio escritor, que, elegantemente, evita dar ao caso o tratamento de escândalo censório. Não creio mesmo que se trate disso. É claro que pedagogos têm o direito de escolher o que vão apresentar a seus alunos – mesmo que, no caso presente, a faixa etária de 15 a 18 anos permita supor que as cenas de sexo descritas no romance (a reportagem cita um trecho que menciona sexo oral) contenham pouca ou nenhuma novidade para a quase totalidade deles. O que o imbroglio catarinense me parece deixar evidente, com sua bateção de cabeças entre esferas do mesmo governo, é outro tipo de problema: a dificuldade extrema que o sistema educacional brasileiro tem para lidar com a literatura contemporânea, provavelmente bandeira de…