Você já leu a contista canadense Alice Munro? Eu confesso que não, e convido quem tiver lido a se manifestar aqui nos comentários. O mais-que-prestigioso prêmio Man Booker International que ela ganhou hoje pelo conjunto de sua obra e “contribuição à ficção no cenário mundial”, concorrendo com nomes como Mario Vargas Llosa, V.S. Naipaul e Peter Carey, recomenda jogar logo alguma luz nas trevas da minha ignorância. Munro tem dois livros em catálogo no Brasil: “Fugitiva” (Companhia das Letras, 2006) e “Ódio, amizade, namoro, amor, casamento” (Globo, 2004). Quem tiver pressa e inglês para tanto pode preferir seguir este bom guia de contos disponíveis online, publicado pelo blog de livros do “Guardian”. Vou passear por lá, quem sabe volto ao assunto.
Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta. São trechos lapidares como esse, prontos para ascenderem da página contingente que temos diante do nariz ao repositório atemporal da sabedoria do idioma, que sustentaram meu prazer de ler “Leite derramado” (Companhia das Letras, 196 páginas, R$ 36), a nova novela – sim, novela, novelíssima, não romance – de Chico Buarque. Na estrutura, no arco tensionado da narrativa, sou obrigado a discordar da maioria dos exegetas e considerar “Budapeste” um livro muito mais instigante e coeso. Mas, se o leite às vezes fica meio aguado, não me parece um prêmio de consolação banal dizer que certas páginas ou frações de página exibem uma prosa que ousa passar uma cantada na perfeição, coisa rara na literatura brasileira contemporânea. Imagine-se que, ao trecho anterior, segue-se a comicidade do seguinte, para ter uma idéia do pêndulo que move todo o livro: O ciúme é então a espécie mais…
Rubem Fonseca fechou contrato hoje de manhã com o selo Agir, do grupo Ediouro. Participaram do animado leilão pelo passe do escritor, conduzido ao longo desta semana, oito editoras: além da Agir concorreram Record, Objetiva, Rocco, Leya, Globo, Língua Geral e Cosac e Naify. Segundo informações não confirmadas, a proposta vencedora ultrapassa a barreira de 1 milhão de reais. O anúncio oficial será feito pela Agir na segunda-feira, dia 25. Num episódio que permanece mal explicado, Fonseca se desligou há três semanas da Companhia das Letras, que publicava seus livros há vinte anos. (Corrigido às 17h58: a editora Planeta não participou do leilão.)
Eu odiei O grande Gatsby quando o li na escola, mas achei-o glorioso ao relê-lo para meu curso na universidade, alguns anos depois. Suspeito que, aos 17, eu simplesmente não tenha entendido nada. Baixar o nível do currículo não é a solução, mas talvez tenhamos uma visão estreita demais do que deveria constar numa lista de leituras escolares. A sugestão dada por um editor, misturar clássicos com literatura contemporânea, foi descartada por muitos como um golpe de marketing, mas talvez seja um conceito que poderia se mostrar fértil nos contextos educacionais em que os estudantes fazem um grande esforço para descobrir naquilo que lêem algum tipo de relevância para a vida moderna. Diretamente do arquivo do “Guardian”, Jean Hannah Edelstein entra com este bom post de 2007 na discussão que andou rolando dia desses no Todoprosa. A causa é nobre, embora provavelmente perdida: fazer nosso sistema educacional entender a verdade ululante de que o prazer não é tudo na leitura, mas sem ele a leitura não existe.
Brincadeira divertida no blog de livros do “Guardian”: qual é o personagem literário mais famoso de todos os tempos? O ponto de partida é uma alegação assumidamente publicitária da editora Penguin de que Sherlock Holmes, o detetive de Arthur Conan Doyle (com um bocado do código genético de Poe, como já comentamos aqui), seria o detentor do título. O que leva a autora do post, cética, a lhe opor um adversário mais erudito como D. Quixote e em seguida coletar com conhecidos sugestões que incluem Hamlet, James Bond e Harry Potter. Quase todos transformados em figuras ainda mais populares graças a adaptações para outros meios, claro, em especial o cinema – o jogo é esse mesmo. Começou então uma discussão animada entre os leitores. Gostei especialmente de um palpite lacônico, mas com a maior pinta de campeão: “Deus”. E no Brasil, quem você acha que ganharia um concurso de celebridades entre os personagens da ficção? A boneca Emília? A escrava Isaura? Capitu? Mônica? E por que será que só tem mulher nesta lista? E aqui está mais uma: meu voto vai para Gabriela, aquela que um dia – meninos, eu vi – subiu no telhado para pegar uma pipa.
Li no jornal, naquelas letras grandes que se usam em títulos, esta palavra espantosa: corroteirista. Senti vertigem. Asco. Deslocamento. Desviei os olhos rapidamente, mas não me livrei da imagem mental hedionda, que me acompanhou o dia inteiro. Corroteirista – de fora a fora no pára-brisa. Corroteirista – na hora do almoço, dentro do prato. Corroteirista – de olhos fechados. Sempre defendi, por uma questão de princípio, a unificação ortográfica (que só não adotei ainda neste blog porque estamos em fase de transição, pressa pra quê?). Também sempre critiquei esse acordo pobrezinho que os doutos negociadores dos dois lados do Atlântico levaram tantos anos para alinhavar, principalmente por sua incapacidade de desbastar o ridículo emaranhado que são as regras do hífen. Nunca achei, porém, que essas ressalvas pudessem ser mais que ressalvas, invalidando o argumento central de que é melhor ter uma ortografia tosca, mas única, do que ter duas. Mas isso foi antes de encontrar para nunca mais esquecer, na vida de minhas retinas tão fatigadas, o inominável corroteirista. O corroteirista rompe todos os cojones, corrói minhas convicções. Não sei de mais nada. Me limito a torcer para que, em nome do bom gosto, da elegância, da harmonia entre as…
Os vencedores do sorteio de exemplares autografados de “Elza, a garota”, entre os mais de 140 que se inscreveram, foram os leitores Carlos Marques, de São Paulo; João Athayde, de Londrina; e Mariana Sanchez, de Curitiba. Obrigado a todos os que participaram da promoção de aniversário do Todoprosa. E vamos aos próximos três anos!
A Bravo! atualiza – a propósito do lançamento do livro “A escola e a letra”, coletânea organizada por Flávio Aguiar e Og Dória – a velha mas interminável discussão sobre o que fazer para estimular nas crianças o gosto pela leitura. Por coincidência, algo em que tenho pensado muito nos últimos dias. Acontece que meu filho de 12 anos anda se engalfinhando com dois livros recomendados pela escola: “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, e “The red badge of courage”, de Stephen Crane (isso mesmo, no original, para a aula de inglês). Bons e importantes livros, ninguém discute. Mas serão escolhas sábias para leitores dessa idade? Não vou fingir que entendo de pedagogia, mas literatura eu conheço um pouco. Uma peça teatral de Suassuna e um clássico americano do século 19 (que, mais do que ler, eu traduzi, e posso garantir que é datadíssimo) me parecem opções desastrosas – a segunda, então, beira a piada. Em sua aparente insensibilidade para os desafios que a palavra escrita enfrenta com a geração Playstation, chegam a ser desanimadoras. E estamos falando da “moderna” Escola Parque, no Rio. É claro que meu filho avança lentamente e de má vontade nas duas tarefas. E olha…
Há exatos três anos, dois posts críticos sobre a velha questão da presença magra do futebol em nossa literatura inauguravam este blog. Naquele momento eu acharia graça se alguém me dissesse que o Todoprosa chegaria tão longe, sobrevivendo até ao site que eu editava na época, o saudoso NoMínimo, onde ele surgiu para preencher uma lacuna na área de literatura em meio à reforma editorial que criou uma série de colunas diárias no formato blog. A longevidade inesperada num meio tão volátil é motivo de festa. E como essa duração se deve antes de mais nada aos leitores, tentei bolar aqui uma forma de incluir todo mundo na celebração. Então aí vai a “promoção”, que é singela mas é sincera: vou sortear três exemplares autografados de “Elza, a garota”, um para cada ano de vida do blog, entre os leitores que se manifestarem na caixa de comentários desta nota até a noite de terça-feira (lembro que é preciso fornecer um email válido, que não será publicado – os vencedores serão informados através dele). Aos interessados, boa sorte!
Dia desses, um estudante de Jornalismo de Belo Horizonte me mandou um pequeno questionário por email sobre as relações entre internet e literatura. Quase respondi que está na hora de arrumarmos uma pauta mais original, mas me contive – ainda bem. É verdade que já faz alguns anos que nossos papos andam um tanto obsessivos, mas talvez isso seja compreensível diante da vastidão do tema. Acabei respondendo o que sempre respondo, que a internet não me parece um ambiente muito propício para a criação literária em si, mas é sem dúvida o paraíso para todo o resto: divulgação, debate, circulação, descoberta, pesquisa, tietagem, compra, venda, o diabo. Um belíssimo exemplo disso é este site da Universidade de Rouen, na França, em que se pode ler o texto de “Madame Bovary” em francês e, clicando num trecho qualquer, abrir o fac-símile do original manuscrito – a maioria, como este aí ao lado, rabiscadíssimo por Gustave Flaubert em sua lendária caça à “palavra justa”. Escoltando a página com os garranchos há uma outra, limpa, com sua decifração/transcrição. À parte a utilidade óbvia para estudiosos de Flaubert, trata-se de um brinquedo genial. E um encontro emocionante entre literatura e internet.
Essa moça aí ao lado é Edna O’Brien, escritora irlandesa que, salvo algum efeito Carlos Fuentes de última hora, estará na Flip. Mas não se trata do mais fiel retrato de divulgação que se pode encontrar: Edna está hoje com 78 anos e só veio parar aqui no blog, em foto de 1965, como porta de entrada para a divertida galeria de velhos anúncios publicitários de literatura disponível no site do “New York Times”, quase todos com a carinha do autor (uma Susan Sontag gatinha entre eles) e uma série de blurbs que, em sua previsibilidade e seus clichês, talvez sejam a única coisa que não tenha mudado absolutamente nada desde então. Edna é pouco conhecida no Brasil. Tornou-se um ícone do feminismo nos anos 60 depois que teve seu livro de estréia, The country girls, proibido na Irlanda por conter descrições supostamente livres demais da vida sexual das personagens femininas. Por aqui, além da biografia de James Joyce lançada nos anos 90 pela Objetiva – e programada para relançamento em breve pela mesma editora – saíram a coletânea de contos “Uma mulher escandalosa”, pela Francisco Alves, no distante 1982, e o o romance “Dezembros selvagens” pela Bertrand Brasil, em…
Para quem se identificou com meu TOC brando em relação às lombadas que não sabem se sobem ou descem, essa estante, digamos, multidirecional do designer espanhol Jordi Milà pode ser uma solução. Em pé, deitado, mais ou menos? Que tal todas as alternativas acima? A Árvore da Sabedoria – é esse o nome da peça – tem engenhosidade e bastante charme decorativo, suponho, embora me incomode imaginar o quanto os livros podem se sentir desconfortáveis ali. De qualquer maneira, é evidente que a coisa foi feita para quem tem poucos, muito poucos volumes em casa. Eu precisaria de uma floresta inteira de Árvores da Sabedoria – o que, obviamente, não seria nada sábio. (Via blog de livros da “New Yorker”.) E antes que o Rafael, nosso bravo latinista, proteste novamente contra a leveza da pauta, lembro que estamos na bica de mais um feriadão, que talvez fosse lamentável desperdiçar com debates circunspectos. Sempre haverá tempo para voltarmos a ser graves.
Scott Fitzgerald disse que usá-lo é como rir da própria piada! Mas agora ele vive uma renascença, segundo este post de Stuart Jeffries no blog do “Guardian”! E a culpa – adivinhem – está sendo atribuída mais uma vez à internet! (Vão acabar descobrindo que a gripe suína se espalha pelo Twitter!)
Trata-se, sem dúvida alguma, da descoberta mais idiota e inútil que já fiz em minhas estantes. Resolvi compartilhá-la com os leitores por dois motivos: primeiro, me intriga que, sendo óbvio, o padrão tenha me escapado em tantos anos de convivência com livros; segundo, nunca se sabe que sentido ou proveito alguém poderá tirar de detalhes como esse. Mas depois não digam que eu não avisei: Na imensa maioria dos meus livros, os nomes de autor e obra aparecem escritos na lombada de cima para baixo, isto é, descendo. Isso parece ser uma regra das editoras, com poucas exceções. Acontece que duas das exceções são notáveis pelo perfil e pela constância: nos livros da Companhia das Letras e da Alfaguara, os nomes vêm sempre de baixo para cima! (Sim, há certos volumes mais grossinhos em que os nomes aparecem na horizontal, mas são estatisticamente desprezíveis.) E com licença, que agora eu vou contar os azulejos da cozinha.
A intrigante nota que o diretor de programação da Flip, Flavio Moura, publicou há poucos dias em seu blog sob o título “Proposta indecente” fala de um autor americano que fez exigências descabidas para vir à Flip – passagens de primeira classe para ele e seu assessor e 65 mil dólares de cachê. Discreto, Moura não dá o nome, mas adianta que o principal livro da figura ganhou um prêmio relevante há cerca de vinte anos, “teve papel importante na luta pelos direitos civis e alguma visibilidade recente por conta da eleição de Obama”. Foi o bastante para despertar o Dupin que dormita em meu cérebro habitualmente confuso. Juntando as pistas – e transformando aquele “autor” em genérico de “autor(a)” – tudo aponta para Alice Walker, de “A cor púrpura”, romance que foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg e levou o Pulitzer de 1983.
Quem se lembra da guerrinha cultural entre Europa e EUA iniciada de forma idiota pela Academia Sueca às vésperas da entrega do Nobel de Literatura do ano passado? Algumas conseqüências já se tinham feito notar, como esta, mas nada que se compare ao artigo infantil publicado neste domingo por Marie Arana, crítica do “Washington Post”, propondo simplesmente a extinção do prêmio. Seu argumento? Ah, em primeiro lugar (beicinho) os caras não gostam dos americanos; em segundo, consagram tantas mediocridades e esquecem tantos escritores brilhantes… Como observa o ótimo The Elegant Variation – que chama de “estridente e tolo” o texto de Arana – se escolher sua cota de mediocridades fosse motivo razoável para extinguir um prêmio literário, não sobraria um único de pé.
Você escreve porque escreve, não porque tenha necessariamente algo interessante a dizer. Provavelmente escreve bastante bem, mas seu negócio é estilo, não substância, porque você nunca chegou a fazer grande coisa na vida além de escrever. O importante em Ballard é que ele tinha estilo e substância. Como escritores da estirpe de Joseph Heller e Kurt Vonnegut, Ballard pagou seus tributos à vida real, e sua literatura tinha profundidade psicológica e vivencial por causa disso. Comentando hoje no blog do “Guardian” a obra do escritor inglês J.G. Ballard, que morreu domingo, de câncer, aos 78 anos, John Crace defende a importância fundamental da experiência de vida do autor de “O império do sol” e “Crash”, que foi prisioneiro de guerra e vendedor de enciclopédias antes de se tornar escritor. Ótimo pretexto para o blogueiro alfinetar a suposta falta de vivência extraliterária dos escritores de hoje, característica que seria responsável por uma literatura mais aguada e menos autêntica. Hmm. E hmmmm de novo. Embora à primeira vista seja tentador dar razão ao raciocínio do sujeito, recomendo pensar um pouco mais no assunto. Não dá para negar que imaturidade e umbiguismo são defeitos irritantes de boa parte do que se publica hoje,…