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Ficção científica
NoMínimo / 28/11/2007

Para não mudar de assunto, aí vai o pequeno texto que escrevi para o belo livro de arte “O futuro do livro – sessenta visões”, que comemora os 60 anos da Ipsis Gráfica e Editora e que está sendo lançado hoje em São Paulo. Os exercícios de futurologia feitos por nomes como Milton Hatoum, Luis Fernando Verissimo, Marçal Aquino, Muniz Sodré, José Mindlin, Ziraldo, Gilberto Gil e Heloísa Buarque de Hollanda, para citar uma pequena fração da turma de convidados, acabam montando um painel de pontos de vista que faz justiça à polêmica suscitada pela nota aí embaixo. Quem, depois daquele post, quiser ler a seguinte historinha como uma prova de minha irremediável indecisão diante do tema, pode. O argumento é de ficção científica, mas não inverossímil: certo dia, um Grande Pulso Eletromagnético varre a Terra. Vem do espaço, o Pulsão, como logo fica conhecido, talvez provocado por algum evento cósmico de escala inconcebível como o espirro de uma estrela mil vezes maior que o Sol – jamais teremos certeza. Uma das razões pelas quais jamais teremos certeza é que o Pulsão, ao lamber nosso planeta e seguir viagem infinito adentro, apaga num segundo toda a memória digital acumulada pela…

Pequena nota esportiva
NoMínimo / 12/11/2007

Começou muito bem a semana: o Flamengo em terceiro lugar no Brasileirão e “As sementes de Flowerville” nas semifinais da Copa de Literatura Brasileira.

Norman Mailer (1923-2007)
NoMínimo / 10/11/2007

Norman Mailer morreu hoje, de falência renal, aos 84 anos. “Se ele nunca chegou a conseguir produzir o que chamava de ‘o livrão’ – o Grande Romance Americano – não foi por falta de tentativas”, anota o obituário do New York Times (em inglês, mediante cadastro gratuito).

Verissimo estréia (!) no romance
NoMínimo / 09/11/2007

Entrevistando Luis Fernando Verissimo ao lado de Valéria Lamego num dos encontros do Circuito Cultural Banco do Brasil, quarta-feira à noite, no belo centro de artes Dragão do Mar, em Fortaleza, arranquei do homem um pequeno furo de reportagem que, tendo escapado ao faro da imprensa cearense, destaco aqui para que não se perca: aos 71 anos, com três milhões de exemplares vendidos de meia centena de títulos, Verissimo está escrevendo seu primeiro romance espontâneo. Convém explicar: até hoje, o maior cronista brasileiro vivo lançou cinco narrativas longas, entre a novela e o romance. O primeiro desses livros – e para mim o melhor – é “O jardim do diabo”, de 1988, comentado aqui no blog. O último, “A décima segunda noite”, do ano passado – idem. A faixa de qualidade desses exercícios, todos com um pé na literatura policial e o outro num certo jogo intertextual brincalhão, vai do brilhante ao no mínimo divertido. Mas todos nasceram de encomendas – o primeiro da agência de publicidade MPM, os demais de editoras. É a primeira vez que Verissimo se dedica ao gênero sem ser, digamos, coagido. Para quem costuma dizer que não é bem um escritor, que prefere desenhar e…

Começos inesquecíveis: Sérgio Sant’Anna

Entre todas as histórias possíveis, certamente já terá acontecido alguma como esta. Um rapaz de dezessete anos, viciado em drogas (já chegou a roubar e prostituir-se para comprá-las) e com pretensões rimbaudianas a poeta maldito, tem um ciúme doentio da mãe divorciada, principalmente de um caso que ele desconfia que ela mantém com um homem muito mais jovem. Uma noite, a vê chegar em casa parecendo ligeiramente alegre de bebida, e com ares de quem veio de um encontro amoroso, usando uma blusa decotada e saia justa. Enquanto ela se despe em seu quarto, ele ali entra, abruptamente, vestido apenas com uma bermuda, e observa o sutiã vermelho e a calcinha preta que ela usa. – Isso é roupa de vagabunda. – Não fala assim da sua mãe. Ele puxa o corpo dela para si e o aperta: – Quem sabe você faz comigo também? E já que a seção entrou definitivamente na era do conto, aí vai o início do espantoso Um conto nefando?, um dos mais surpreendentes do excelente “O vôo da madrugada” (Companhia das Letras, 2003), de Sérgio Sant’Anna.

Machado, Borges, Perrone-Moisés
NoMínimo / 01/11/2007

No recém-lançado “Vira e mexe, nacionalismo” (Companhia das Letras, 248 páginas, R$ 45,50), a melhor coleção de ensaios literários brasileiros que leio em muito tempo, Leyla Perrone-Moisés reflete a certa altura sobre a curiosa semelhança, quase ponto a ponto, entre os argumentos de Machado de Assis e Jorge Luis Borges em seus textos teóricos sobre (e contra) o nacionalismo literário – respectivamente, “Instinto de nacionalidade” (1873) e “El escritor argentino y la tradición” (1956). Não à toa, os dois universais escritores latino-americanos são também os mais universalistas (“devemos pensar que nosso patrimônio é o universo”, escreveu Borges) e sofreram, ambos, ataques pesados por uma suposta deficiência de “cor local”. Escreve Leyla Perrone-Moisés: Tanto Machado de Assis como Borges são demasiadamente lúcidos para aceitar a nacionalidade como uma essência ontológica. Perfilado por detrás da persona do Conselheiro Aires, tão finório quanto este, o romancista brasileiro encara o problema com ironia (…) Ambos os escritores são finos cultores da ironia, justamente aquela que falta aos nacionalistas; uma falta de ironia decorrente de sua incapacidade de distanciamento e de seu apego a uma mitologia metafísica que conduz à guerra, ou simplesmente ao ridículo. Num momento em que as metrópoles culturais renovam pela cartilha…

Malevolência
NoMínimo / 29/10/2007

Em que anda metido agora? Em nada. Mal tenho tempo para me concentrar em coisas sérias com tudo isso. Mas está escrevendo? Não. Não quer escrever outro romance? Veremos. Passo o tempo todo envolvido em coisas ligadas a esse maldito livro, estou farto. Maldito livro? Já o odeia? Não, tê-lo escrito, não. Mas tudo isso. Repetir esta entrevista 30 ou 40 vezes… Você não dá muitas… Demasiadas, considerando as que eu gostaria de conceder. Não vejo sentido nisso a não ser que surjam coisas novas. É preciso fazer, é parte do seu trabalho também, devem vender jornais, é puro comercialismo, não tem nada a ver com outra coisa. Fiz algumas entrevistas interessantes em que surgiram alguns elementos novos, e nesse caso valem. Nesta você disse algo novo? Não. Pois acrescente-o. Não tenho mais nada a acrescentar. Se fosse apenas pelo final amargo, que na rapidez das raquetadas lembra uma partida de pingue-pongue de competição, já valeria a pena ler a longa entrevista do Babelia, suplemento literário do jornal espanhol “El Pais”, com Jonathan Littell, autor de “As Benevolentes” (Alfaguara, tradução de André Telles). Mas há outros atrativos na entrevista, entre eles o de questionar Littell sobre um certo “excesso” do…

Radiohead e o Booker
NoMínimo / 22/10/2007

Compreensivelmente, o Radiohead fez muito mais barulho – com e sem trocadilho – ao liberar seu novo álbum na internet para quem quiser baixá-lo, ao preço que quiser pagar. Mas o Man Booker Prize também está dando sua contribuição para tornar 2007 um ano-marco na história da indústria cultural. O grande prêmio da ficção britânica, vencido na semana passada pela irlandesa Anne Enright, anunciou estar em negociação (em inglês, acesso livre) com as editoras envolvidas para publicar online, sem custo para o leitor, todos os livros finalistas deste ano. Sim, é provável que as duas iniciativas sejam menos comparáveis do que sugere uma primeira impressão. Músicas baixadas online podem ser ouvidas com o mesmíssimo conforto daquelas compradas na loja, enquanto ler um romance inteiro na forma digital, dado o atual estágio pré-histórico dos e-books, ainda é uma perspectiva desoladora. Mas não deixa de ser animador ver a literatura, essa senhora antiquada, se meter a competir – pelo menos no marketing “radical” – com o pop-rock.

Começos inesquecíveis: Luiz Vilela

Foi num sábado. Quero dizer que se não fosse num sábado talvez não tivesse acontecido. Porque sábado é um dia violento. Um dia em que as pessoas se sentem muito alegres ou muito tristes. Ele se sentiu muito triste. Se minha memória ainda merece confiança, é a primeira vez que uma abertura de conto vem parar nesta seção, normalmente dedicada a romances. Essas são as linhas iniciais de Num sábado, um dos 25 contos do livro “Tarde da noite” (Vertente Editora, 1970), do mineiro Luiz Vilela. Se vamos fugir à regra ou, quem sabe, inaugurar uma nova tradição, que seja com um dos maiores contistas brasileiros da história.

Cachações
NoMínimo / 18/10/2007

“Chega, vá!” é um grande argumento crítico-literário. O relato de Ivan Lessa sobre a troca de cachações (por enquanto apenas metafóricos) entre o escritor Martin Amis e o crítico literário Terry Eagleton, ambos ingleses, está impagável – mesmo porque o site da BBC Brasil é gratuito. Amis, que vai se firmando como o grande porta-voz mundial da islamofobia, foi apanhado pelo adversário de guarda, mais que baixa, nanica. Só Ivan para nos lembrar que supercílios abertos, de um lado, e gargalhadas ferozes, do outro, salvam o debate literário desse tédio brasileiríssimo que nem a anunciada – e já revogada – venda de Jorge Amado para Harvard conseguiu abalar. Falando nisso, Gonçalo M. Tavares ganhou o Portugal Telecom. Faz sentido, viva a lusofonia, coisa e tal. Mas a vaga de um prêmio literário peso-pesado para a literatura brasileira volta a ficar aberta. Alguém se habilita? Brasil Telecom, talvez? Ainda PT: será que só eu fiquei constrangido com os clichezões trevisânicos enfileirados por Dalton Trevisan, o segundo colocado, na mensagem “emocionante” que enviou para ser lida na cerimônia de premiação? “Quem me dera o estilo do suicida em seu último bilhete”? Uau. Não foi à toa que o Ivan se mandou.

Relativizando o relativismo
NoMínimo / 15/10/2007

Meus alunos relativistas se sentem valorizados por uma teoria niveladora que põe sua banda de rock favorita em pé de igualdade com Bach e Mozart; mas repare como uma hierarquia qualitativa lhes volta correndo quando, em nome da coerência, você sugere que sua banda de rock favorita também não pode ser melhor que os Backstreet Boys (…). As velhas dicotomias entre o que é elitista e o que é popular, entre alta e baixa cultura, podem estar mesmo corrompidas por privilégios injustificáveis, mas sem uma nova linguagem de mérito para as artes os pós-modernistas são forçados a viver numa paisagem achatada onde Barry Manilow e Beethoven são iguais. A certa altura de sua reflexão sobre a tendência editorial manifesta em títulos de sucesso como “Os Simpsons e a filosofia”, esse artigo publicado pelo professor de filosofia Stephen T. Asma na revista americana The Chronicle of Higher Education (dica do Arts & Letters Daily) acende uma lâmpada no trevoso beco sem saída em que boa parte da crítica de arte – com a literária em posição de destaque – se meteu nas últimas décadas, ao jogar pela janela o bebê (a análise qualitativa, a avaliação de mérito) junto com a água…

Sobre o Nobel de Doris Lessing
NoMínimo / 12/10/2007

O leitor Pedro Santos me cobra uma palavra sobre o Nobel de Doris Lessing. Com razão. Nunca li a mulher, mas isso não é desculpa. Também nunca tinha lido Orhan Pamuk quando, há um ano, às 9h58 da manhã, comentei a notícia de seu Nobel. Sobre Doris Lessing, mesmo atrasado: além de parecer uma mulher de fibra, batuta, é uma escritora-escritora, para ficar na definição luxemburguiana, e isso é legal. Não gosto quando o Nobel vai para dramaturgos búlgaros ou poetas dialetais das Ilhas Maurício. Prefiro que premiem escritores que as pessoas lêem. E, claro, dar uma guinada para a ficção científica ou fantasia espacial depois de velha – fase que ela considera sua melhor – é uma idéia muito divertida. O Nobel laurear isso, mais ainda. Ah, sim: é uma mulher. A 11a. Acho que sob um outro aspecto é um Nobel cômodo, pois vai para uma escritora que já teve o seu tempo – já entrou para a história, digamos – e cuja explosão inicial, com os contos africanos e o título de persona non grata na Rodésia do Sul e na África do Sul em 1956, se deu em meados do século passado. Não sei se o…

Marcelo Rubens Paiva, alguém?
NoMínimo / 10/10/2007

A “Bravo!” deste mês se dedica à caça de um novo “romance de geração” na literatura brasileira. Em texto assinado por André Nigri, a revista pergunta quem seria o Marcelo Rubens Paiva dos novos tempos. E responde com alguns suspeitos carimbados: Daniel Galera, João Paulo Cuenca… Em seu blog, Marcelo Moutinho diz estranhar a analogia por um motivo, digamos, numérico. De fato, “Feliz ano velho”, de Paiva, vendeu em todo o país feito Nerds em escola particular de classe média alta, condição incontornável, embora não suficiente, para que um livro ganhe o rótulo midiático “de geração”. E os novos escritores citados – como, aliás, os ficcionistas brasileiros em geral – são lidos por uma seita. Eu estranho por outra razão: sendo “Feliz ano velho” um livro autobiográfico, achei que estivesse muito claro que o Marcelo Rubens Paiva da nova geração é a Bruna Surfistinha.

Começos esquecíveis (com um inesquecível no fim)
NoMínimo / 09/10/2007

Qual a melhor maneira de se começar um romance? Pergunta eterna, para a qual naturalmente não há resposta. Para um iniciante, o desafio é considerável: o original mandado pelo correio deve imperativamente chamar a atenção de um editor, desde as primeiras linhas, sob risco de terminar no grande cemitérios dos textos recusados. E, mesmo quando publicado, um primeiro romance não tem chance de ser notado por críticos literários, livreiros e leitores se não conseguir de cara seduzi-los ou intrigá-los. Esta rentrée do outono conta com 102 romances (contra 97 em 2006). Inútil procurar neles uma voga estilística, uma maneira comum de começar: são 102 tentativas individuais de arrancar o leitor do real para introduzi-lo no universo do autor. Entre o ataque sorrateiro e a partida brusca, entre o toque de clarim e a música vulgar, a palheta é vasta. Le Monde publica matéria de Robert Solé sobre os começos dos romances de estréia que estão entre os 102 lançados recentemente na França, pós-férias de verão – na rentrée, como eles chamam. Como não havia tempo para ler tantos livros, fechar o foco em seus pontos de partida talvez não seja uma má idéia jornalística. Dos inícios citados, porém, quase todos…

Fio solto II
NoMínimo / 02/10/2007

A segunda edição se deve ao sucesso da primeira? Também, mas ainda a um imprevisto: passo aqui apenas para avisar que aquelas duas semanas de férias, que se encerrariam hoje, vão precisar virar três. Dia 9 de outubro eu volto. Até.

Fio solto
NoMínimo / 18/09/2007

Atendendo a pedidos: literatura, por favor. (Claro, o título é uma tradução mais ou menos livre de open thread. É que, na terra do Ancelmo Góis, open thread de Hello Kitty é… Bom, agora fui mesmo.)

Começos inesquecíveis: Gabriel García Márquez

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Muitos anos depois, quando lhe perguntassem por que o começo de “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez (Record, tradução de Eliane Zagury), um dos mais inesquecíveis de quantos possam ser assim chamados, demorou tanto a figurar naquela inesquecível seção, o autor do blog haveria de responder com um sorriso: “Não é óbvio?”.