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Tamanho é ou não é?
NoMínimo / 05/09/2007

A vocação de todo microconto decente é crescer sem ser visto. Os personagens do microconto caminham de perfil. A tentação da piada é o cupim do microconto. Quanto mais breve pareça, mais lentamente se há de lê-lo. Não sou um fã da narrativa ultracurta, que nos últimos anos anda gozando de certa popularidade – parece que mais entre escritores do que entre leitores, mas popularidade de alguma forma. Gosto da concisão da prosa que se comprime até ser quase poesia, mas meu prazer de leitor é maior quando ela vem combinada a efeitos que só a duração proporciona. Mesmo assim, gostei de ler a reportagem de capa da última edição do “Babelia” sobre “a febre” do microconto. Tem delícias como os aforismos acima, do escritor argentino Andrés Neuman. Que não são, em si, microcontos, mas refletem sobre o formato com impressionante economia de meios.

Zebra
NoMínimo / 03/09/2007

Na primeira partida, uma espécie de clássico gaúcho apitado por Renata Miloni, “Por que sou gorda, mamãe?”, de Cíntia Moscovich, eliminou o favorito “Mãos de cavalo”, de Daniel Galera. Começou quente a Copa de Literatura Brasileira.

Pirataria ou obscuridade?
NoMínimo / 31/08/2007

Nos últimos anos eu me tornei, para minha considerável surpresa, romancista em tempo integral. Como ganho a vida com a venda de meus livros, pode parecer estranho que eu esteja neste momento publicando em capítulos na internet um novo romance, Beasts of New York, para quem quiser ler, inteiramente grátis. Por quê? Porque, para citar o editor Tim O’Reilly, “a maior ameaça que um artista enfrenta é a obscuridade, não a pirataria”. Não me preocupo com as pessoas que lêem meu trabalho sem pagar. Preocupo-me com as que não sabem que meus livros existem. O escritor canadense Jon Evans, um autor de “thrillers de viagem” desconhecido no Brasil, deve ter ficado menos popular entre as editoras por este artigo no blog de livros do “Guardian”, mas é difícil negar que o raciocínio tem fundamento. Me lembrou a reação curiosa do espanhol Enrique Vila-Matas quando descobriu que um de seus primeiros títulos tinha sido pirateado e estava disponível online: ficou agradecido, porque o livro, sendo do tempo da máquina de escrever, ainda não existia em arquivo digital. Claro que resta a questão, inteiramente aberta, de como o escritor profissional do futuro comprará o leitinho das crianças. John Updike já declarou temer…

Começos inesquecíveis: Michel Laub

Hoje o futebol está morto, e duvido que alguém ainda chore por ele, mas não era assim no dia 12 de fevereiro de 1989. “O segundo tempo”, de Michel Laub (Companhia das Letras, 2006), um dos bons livros brasileiros do ano passado, tem uma frase inicial ainda melhor. Digna de antologia ou manual para escritores, ela consegue condensar em pouquíssimas palavras, com a falsa simplicidade que a ocasião exige, uma apresentação clássica de tom, tema e marcos temporais (de passado e presente) entre os quais se estenderá a corda da narrativa. Não falta ainda uma sutil estranheza – como assim, o futebol está morto? – que fica zumbindo ao fundo enquanto nos damos conta de que o defunto pode ser outro.

Entre em forma com Harold Robbins
NoMínimo / 27/08/2007

Imperdoável. Depois de séculos de procura, o pessoal finalmente descobre uma utilidade clara para a ficção – sobretudo para a ficção cheia de ação e sexo, o que é uma forma de unir o útil ao agradável – e este blog franga a notícia. Única desculpa para minha distração: por aqueles dias eu andava envolvido com um programa de musculação baseado no levantamento de The Complete Pelican Shakespeare.

A estrada antes do asfalto
NoMínimo / 24/08/2007

De toda a fanfarra pelo aniversário de 50 anos da publicação de On the road (“Pé na estrada”, na tradução de Eduardo Bueno para a L&PM), de Jack Kerouac, a parte realmente interessante do ponto de vista literário é a publicação do manuscrito original, não editado, com pontuação esparsa e dando aos personagens seus nomes verdadeiros. On the road: the original scroll, que acaba de sair nos EUA, reproduz o livro exatamente como, segundo a lenda, ele foi batucado freneticamente à máquina num único rolo de papel, ao longo de três semanas e tendo como combustível um caminhão de anfetamina – parece que a parte química não foi bem assim, mas lenda é lenda. É uma história antiga a suposta superioridade da versão bruta, escrita em 1951, sobre a que acabou publicada em 1957, depois de penteada e domesticada por Kerouac sob a orientação de seus editores, com alguns cortes e a adição de incontáveis pontos, vírgulas e floreios “literários”. Um ano depois, quando o livro já era um sucesso arrasador, o poeta Allen Ginsberg lamentou num artigo o que teria sido um crime de lesa-literatura. É claro que o mito da pureza de um texto incendiário conspurcada por editores…

Desastre na primeira curva
NoMínimo / 23/08/2007

Crash, evidentemente, não tem a ver com um desastre imaginário, embora iminente, mas com um cataclismo pandêmico que a cada ano mata centenas de milhares de pessoas e fere milhões. Será que enxergamos, no desastre de carro, um sinistro presságio de um casamento de pesadelo entre o sexo e a tecnologia? A moderna tecnologia nos proporcionará meios até hoje não sonhados de dar vazão a nossas próprias psicopatias? (…) Ao longo de Crash, usei o carro não apenas como uma imagem sexual, mas como uma metáfora total da vida do homem na sociedade de hoje. Assim, o romance tem um papel político bem separado de seu conteúdo sexual, mas eu ainda gostaria de pensar que Crash é o primeiro romance pornográfico baseado na tecnologia. Quando peguei ontem o romance “Crash”, lançado em 1973 pelo inglês J.G. Ballard (Companhia das Letras, tradução de José Geraldo Couto, 240 páginas, R$ 42), com a tranqüila disposição de lê-lo, o livro tinha muito a seu favor: o rasgo de imaginação perverso e possivelmente brilhante de retratar desastres automobilísticos como experiências cheias de tesão, reputação cult, adaptação para o cinema (chatíssima, mas…) assinada David Cronenberg e o diabo. Sobretudo o diabo. Infelizmente tinha também, logo…

O leitor morreu. Viva o escritor!
NoMínimo / 22/08/2007

Agora é quase oficial. Há alguma coisa poderosa e ainda pouco estudada corroendo os alicerces da milenar relação entre escritores (poucos) e leitores (muitos, ou pelo menos não tão poucos). Uma tendência que aponta para a mais edênica utopia internética ou a mais louca distopia tragicômica, dependendo do ponto de vista: a transformação de cada leitor-lagarta do mundo em escritor-borboleta. Um escritor-borboleta sem leitores, é claro – por definição. Lançado o narigão-de-cera, vamos aos fatos. Uma pesquisa feita na Grã-Bretanha (em inglês, acesso livre) pelo instituto YouGov acaba de esbarrar numa descoberta bizarra: o trabalho de escritor é o mais cobiçado pela população. Sim, o mais cobiçado. Cerca de 10% dos entrevistados declararam sonhar com ele em primeiro lugar, quando imaginam uma forma de fugir de suas vidas medíocres. Na lista de preferências, vêm em seguida ídolo esportivo, piloto de avião, astronauta e organizador de eventos (!!). Reparem que astro de cinema não pegou top five. Sim, todo mundo por lá está dizendo que a gata borralheira J.K. Rowling tem muito a ver com isso. E não, ninguém é ingênuo de acreditar que essa multidão conseguirá transformar seu sonho maluco em realidade – embora uma parte tente mesmo, provocando a…

Literatura é uma caixinha de surpresas
NoMínimo / 18/08/2007

Não deixe de ler as resenhas e de comentar os resultados, mesmo que você não tenha lido os concorrentes (eu mesmo só li dois), discursa Lucas Murtinho, o cartola. E, se uma resenha despertar seu interesse, não confie no jurado nem nos comentaristas, compre os livros e decida por si mesmo. E divirta-se. Nós, aqui dos bastidores, já estamos nos divertindo. Está no ar o site da Copa de Literatura Brasileira.

Os guardanapos
NoMínimo / 17/08/2007

Não sei se o Napkin Fiction Project (Projeto Ficção no Guardanapo), uma idéia da revista Esquire, rendeu algum miniconto genial. Só visitei um punhado deles, e seria preciso ler as dezenas de textos disponíveis no site da revista para saber se algum escritor conseguiu rabiscar em seu guardanapo de papel mais do que pura diversão. De qualquer modo, por ser o tipo de pretexto que consegue reunir à mesa dois irmãos cada vez mais distantes – apelo jornalístico e charme literário –, vale divulgar a idéia. Já copiamos piores.

Precisa-se de editor
NoMínimo / 16/08/2007

No admirável mundo novo da autopublicação, os editores são uma espécie ameaçada. Isso não é de todo ruim. É bom que qualquer pessoa que queira publicar e tenha acesso a um computador não encontre hoje barreira alguma. E certos blogueiros não precisam mesmo de editores: sua prosa é fluente, coloquial, e os leitores não esperam que o trabalho seja elegante ou finamente cinzelado. Sua função principal é comunicar com clareza. Não tem o objetivo de durar. Mesmo assim, os editores e a edição se tornarão cada vez mais importantes à medida que a era da Internet avançar, em sua velocidade de foguete. O mundo online não tem apenas milhões de escritores recém-nascidos exultando com seus poderes. Tem também milhões de leitores que precisam se orientar nesse universo infinito e decidir que escritores vale a pena ler. Quem vai selecionar os excepcionais? Editores de alguma espécie. Algum grupo esperto de pessoas terá que separar o joio do trigo. E quanto mais refinado for o processo de separação, mais talento – e talvez mais experiência – ele exigirá. Nós já usamos outros leitores para classificar as coisas por nós: meus bookmarks são, em sua maioria, de escritores em quem aprendi a confiar….

Da arte de não colecionar autógrafos
NoMínimo / 14/08/2007

Sempre fui – e digo isso sem orgulho, apenas uma daquelas constatações plácidas que vêm com o autoconhecimento – impermeável à emoção de pedir, que dirá colecionar, autógrafos. Uma dedicatória sincera garatujada por um amigo de fama literária restrita a dois quarteirões e meio sempre teve, na escala afetiva das minhas estantes, muito mais valor do que uma assinatura fria e carrancuda que possa ser arrancada de, sei lá, J.M. Coetzee himself numa noite memorável em Parati. Se essa inapetência me poupa de uma extensa quilometragem em filas, sem dúvida desvalorizará minha biblioteca em sebos futuros. A troca parece justa. O desapego aos rabiscos famosos, porém, não impedirá ninguém de se divertir com essa coleção online (via blog da Amazon). Dedicada quase exclusivamente ao universo da literatura anglo-americana, com alguns escritores de outras nacionalidades e nomes nada literários engrossando o caldo, ela permite o exercício deliciosamente barato de comparar, por exemplo, a assinatura ilegível de Thomas Pynchon, com seus traços que tentam se esconder atrás de si mesmos, com o floreado todo pimpão de H.G. Wells. Mais do que dois autógrafos, duas atitudes diante da literatura?

Publicar, verbo reflexivo?
NoMínimo / 13/08/2007

Não é novidade: fazer e escrever livro no Brasil é um péssimo negócio. Autores, editores e livreiros vivem de um mercado sem lógica. Para cada sucesso há incontáveis fracassos. Incontáveis e injustificáveis. Livros muito bons, com ótimo apelo comercial e qualidade literária passam nas mais brancas nuvens e dois anos depois do lançamento são vendidos a quilo ao papeleiro, porque nem as lojas americanas nem as superbancas de jornal se interessaram em adquirir aquele título para revender a 9,90. Então eu queria entender melhor por que tantos autores-blogueiros, por exemplo, gostariam tanto de ter os seus livros publicados por uma editora grande. Em que isso contribui, exatamente? Eu não consigo achar que ter o seu livro exposto numa boa livraria por alguns dias (porque as livrarias são pouco mais do que hotéis onde os livros dormem um dia ou dois) faça muito mais pelo seu sucesso literário do que divulgá-lo na internet, por exemplo. O que se quer? Ser lido ou fazer da literatura o seu ganha-pão? Hmm, e se a resposta for “nem uma coisa nem outra, mas ser carimbado oficialmente como escritor num mercado em que a informalidade costuma se confundir com a irrelevância” – não ficaria mais…

Começos inesquecíveis: James Joyce

Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco. Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo. Não deixa de ser uma prova de que não há palavras proibidas, apenas maior ou menor habilidade no uso delas, o fato de “Um retrato do artista quando jovem” (Alfaguara, 2006, com bela tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro), romance lançado por James Joyce em 1916, começar com a mais batida das fórmulas, “era uma vez” (once upon a time).

Pequeno sertão
NoMínimo / 03/08/2007

— Mire veja: a senhora por demais não espera. Assunto pouco do meu querer. Informação que pergunto: passasse por aqui, deve de, um homem alto; sorridente, cidadoso? A senhora visse; visto? Homem como se alongado no entender das coisas, com ares de senhoroagem? A pois, a senhora diga: tendo ou não vendo, aonde foi? Para essas bandas ele mais que por onde veio; desconfio. A senhora tolere o meu perguntar; de susto, assusto. Careço de amarrar uma conversa, começada mais ele. Eu em só falava, ele demais ouvindo. Haveramente careço de encontrar esse um, dona. A senhora veja: dou perigo de vida matada, minha ou dele, se não emendar meu contado. Deus me tenha! Explico. A ele dei de narrar, eu em mim tudo dizendo, por mor de ele anotar, rabisco tisco, num caderninho, o risco da minha fala. Aí pois, empolguei. E tive uma decisão: por gosto do meu bem contar, e fisgar no buque-buque do enredo, achei por melhor esconder, lá dele, o principal da matéria. Apego fiz, no meu bom desfecho de trama; e omiti sabendomente. Resulta o quê? As coisas são como que foram. E digo: Quer mais? Aqui está. A deixa, que eu vinha esperando…

Não está com essa bola toda
NoMínimo / 02/08/2007

O escritor americano de ficção científica John Scalzi diz que “O apanhador no campo de centeio”, de J.D. Salinger, é seu livro superestimado de eleição. Chama o narrador, Holden Caulfield, de insufferable twit – acho que “paspalhão insuportável” é uma tradução decente. E daí? Bom, para saber se Scalzi tem alguma dose de razão eu teria que reler o livro de Salinger, que muito apreciei uns vinte anos atrás, mas confesso que poucas coisas estão mais distantes de minhas prioridades no momento. O que me interessa aqui é só pegar carona na idéia. Qual seria o livro mais superestimado da literatura brasileira, caros leitores?

JT Leroy: martelo batido
NoMínimo / 01/08/2007

Quem se lembra da nota sobre o estranho caso JT Leroy, publicada aqui em junho, a propósito do julgamento da ação de fraude movida por uma produtora de cinema – que comprara os direitos sobre a obra do “autor” – contra a verdadeira escritora por trás do personagem, chamada Laura Albert? Só para não deixar pontas soltas: Albert foi condenada ontem a pagar US$ 350 mil à parte queixosa – mais aqui, em inglês, mediante cadastro gratuito.