Clique para visitar a página do escritor.
Futebol e literatura em ano de Copa

Quem, como eu, já estava vivo quando Pelé marcou seu milésimo gol deve entender minha sensação de que esse número redondíssimo estará para sempre associado ao futebol. Daí eu me lembrar agora, quando o Todoprosa completa mil posts – o que não é nenhum feito de craque, claro, mas ainda assim merece comemoração – de como tudo começou, em maio de 2006: com uma discussão sobre o velho tema futebol & literatura, um dos mais recorrentes em nossa imprensa literária. A coisa toda parte de uma pergunta simples, embora talvez enganosa: por que nunca produzimos um romance sobre o esporte nacional que lhe faça justiça? Aquele era um ano de Copa do Mundo, como este também é. Alguém quer apostar que a pauta vai ser ressuscitada nos próximos meses?

Post número 999
NoMínimo / 29/12/2009

Todo fim de ano é assim: não sei se é essa contagem regressiva surda que pulsa em cada esquina, ou quem sabe será apenas o calor. O fato é que os pensamentos vão ficando cada vez mais soltos à medida que avança dezembro, esgarçando-se como nuvens ao vento até que, ali em torno do Natal, o estrago está feito: como o fim, de tão aguardado, parece chegar antes da hora, sem contudo trazer ainda o recomeço, instaura-se um limbo em que o non sequitur vira lei universal e já nada leva a coisa alguma – fica tudo espalhado por aí feito milhões de tweets. Deve ser por isso que o pessoal gosta de bolar listas – de melhores, de piores, de presentes, de resoluções, listas de listas de listas. Como se sabe, listas são a maneira mais primitiva – no bom sentido – de organizar o caos. Mas aí você vai atrás do bálsamo das listas e descobre que o aguado “Leite derramado” – que tem algumas páginas brilhantes de entremeio, mas é um tanto contrafeito e bem inferior a “Budapeste”, do mesmo autor – vem sendo eleito o livro do ano no Brasil. Fica confuso. Nesse limbo, até que…

O romance morreu, viva o romance!
NoMínimo / 27/12/2009

O ensaio político “Anatomia de um instante”, de Javier Cercas, sobre o fracassado golpe de Estado de 1981 na Espanha, foi eleito por um time de críticos reunido pelo caderno “Babelia” o livro do ano no país – ou mais até do que isso, “uma das obras capitais da literatura de língua castelhana de nossa época”, segundo Alberto Manguel. Cercas, conhecido do leitor brasileiro por dois excelentes romances baseados em histórias políticas reais, “Soldados de Salamina” e “A velocidade da luz” (já citados neste blog, aqui e aqui), inverte desta vez – pelo que pude entender, sem ter lido o livro – o peso da balança para o lado da não-ficção. Estaríamos diante de mais um sintoma da tão alardeada crise do romance? Ou, ao contrário, de mais um sinal de que sua renovação se dá hoje no mundo inteiro – com o Brasil meio atrasado, como costuma ocorrer – no incontrolável contrabando que rola na fronteira entre os gêneros?

DeLillo & Kindle, tudo a ver
NoMínimo / 23/12/2009

O livro já estava na fila faz tempo, mas o empurrãozinho decisivo veio daquele ótimo artigo de Tim Adams no “Observer”, que escala Don DeLillo como uma espécie de antípoda dos e-books. Feliz proprietário de um Kindle natalino, decidi inaugurar o aparelho com “Underworld”. Queria ver sangue. Mas não é que eles se amam?

A volta de Sam Spade
NoMínimo / 22/12/2009

Joe Gores é um autor americano de literatura policial que teve um livro muito interessante lançado no Brasil, pela Graal, em 1986: “Hammett”, um romance do gênero hard boiled, tão rigoroso quanto divertido, em que o detetive é ninguém menos que Dashiell – que foi mesmo detetive (medíocre) antes de virar escritor (brilhante) e mudar para sempre o jeito de escrever sobre crimes. E não é que o cara continua preso em sua obsessão? Acabo de descobrir numa retrospectiva do ano da “New Yorker” que Gores lançou em 2009, com alguma discrição, um romance chamado “Spade & Archer”, que vem a ser uma prequel – a história anterior – de “O falcão maltês”. Sim, eu sei: os mais descolados entre vocês vão dizer que ninguém agüenta mais esse papo de intertextualidade – será que depois do pós-modernismo não vem nada, não? Compreendo o enfado, mas lembro um detalhe, ou melhor, dois: Gores é um escritor de verdade; o livro não tem zumbis.

Mix Leitor D, um fenômeno verde-amarelo
NoMínimo / 17/12/2009

A notícia saiu hoje no blog do “Prosa & Verso” e tem algo de enigma: como é possível que o e-reader nacional Mix Leitor D, produzido em Recife, já conte (segundo Murilo Marinho, diretor da empresa que o fabrica) com 150 mil encomendas antes mesmo de ser lançado, se o mercado do livro digital, sobretudo no Brasil, ainda é um pântano de incertezas? Catálogo, por enquanto uma grande interrogação, não é. Preço muito menos. Por R$ 1.100 na versão com 3G, o aparelho não leva vantagem competitiva sobre um rival poderoso como o Kindle – cujo design, aliás, copia. É preciso ler até o fim as linhas – e sobretudo as entrelinhas – de Miguel Conde para começar a decifrar o mistério: Bom, talvez os responsáveis por essas encomendas todas pudessem explicar melhor por que se entusiasmaram tanto com o aparelho. Marinho diz no entanto que não pode revelar quem fez as encomendas, mas afirma que “a parte governamental é uma área forte”. Não só escolas, mas também “órgãos do governo” se interessaram, diz. Uma única editora está no projeto desde o início. O Mix Leitor D é desenvolvido por meio de uma sociedade entre a Mix Tecnologia e a…

Livros de presente? Todo cuidado é pouco
NoMínimo / 16/12/2009

Livros, instruções de uso: declarar em público que não se leu o “Ulisses” e muito menos “Em busca do tempo perdido” (isso, que antes era inconfessável, agora se faz muito porque fala às claras de alguém que, de tanto que leu, pode declarar tal ignorância sem ser tachado de burro). Jamais dizer nada de mal sobre “Uma confederação de estúpidos”, de John Kennedy Toole (a mesma regra é válida para qualquer título de Hunter Thompson, quando se está na companhia de jovens jornalistas). Evitar as seguintes discussões, por perigosas, com companheiros queridos ou amigos próximos: a favor ou contra “Psicopata americano”, de Bret Easton Ellis; a favor ou contra “As partículas elementares”, de Michel Houellebecq; a favor ou contra “As correções”, de Jonathan Franzen; a favor ou contra “As benevolentes”, de Jonathan Littell. Mencionar em qualquer encontro, pelo menos uma vez, Berger, Sebald, Pessoa. Dizer, sempre que surgir a ocasião, que Sándor Márai é chato. Dizer, com o olhar perdido no fundo de um copo, que Truman Capote era manipulador. Dizer, com um suspiro, que os romances de Cortázar envelheceram mal, mas em compensação, ah, seus contos. É uma delícia de fino humor – e sob o mais banal dos…

Traduzam este livro!
NoMínimo / 15/12/2009

Já virou um clichê destacar a falta de interesse da indústria editorial americana por literatura traduzida, que responde por menos de 3% dos lançamentos literários daquele país culturalmente – quase – autista. (Um trabalho de mapeamento mundial como o da boa revista eletrônica “Words Without Borders”, que tem link permanente aqui no blog, é exceção.) A novidade imaginada pela “Quarterly Conversation” é ir além da mera lamentação e perguntar a tradutores americanos e autores estrangeiros quais livros, entre os que nunca foram vertidos para o inglês, eles consideram de tradução prioritária. O resultado completo pode ser conferido aqui e traz algumas curiosidades. Uma delas é que a maioria dos livros citados também não saiu no Brasil, um país que traduz proporcionalmente muito mais (mesmo porque, embora também autista em muitos aspectos, não anda lá muito interessado em ficção nacional). Outra é que não aparece nenhum autor brasileiro contemporâneo na relação dos entrevistados pela “Quarterly Conversation”. Em compensação, o tradutor Matt Rowe teve a idéia – que não deixa de ser excelente por ser óbvia – de incluir na lista os contos de Machado de Assis, sem dúvida um dos expoentes mundiais do gênero, que até hoje foram lançados em inglês…

Lugar de livro é no fogo
NoMínimo / 11/12/2009

Quem já tentou doar ótimos livros a escolas e até bibliotecas públicas e se estarreceu com o mal-humorado desinteresse do lado de lá, como se o candidato a doador estivesse pedindo um imenso favor, não vai se surpreender muito com a queima de livros promovida anteontem pela Escola Estadual Ernesto Monte, de Bauru, que um fotógrafo flagrou por acaso. O caso pode ter virado notícia, mas não foge tanto assim a um padrão nacional. O triste padrão do filistinismo. Em compensação, somos os maiores candidatos a potência mundial da vez, oba!

Os melhores livros de 1909
NoMínimo / 09/12/2009

Se não há como fugir do apelo jornalístico das listas de fim de ano, ainda mais inescapável é a necessidade de fundar juízos no distanciamento histórico – um século, por exemplo. Fiel a ditames tão contraditórios, segue uma lista dos cinco mais relevantes lançamentos literários de 1909, um ano desditoso para as letras auriverdes: o primeiro sem Machado de Assis e aquele em que Euclides da Cunha foi assassinado por Dilermando de Assis (nenhum parentesco). Note-se a ausência do prolífico Rui Barbosa, que andou ocupado demais com sua campanha à Presidência da República para publicar qualquer coisa: 1. “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto. Mal saiu de cena Machado de Assis, um mulato que não se via como tal, sobe ao palco um que se vê. Publicado em Portugal, este romance, que marca a estréia literária do autor carioca, pinta o retrato de uma sociedade brasileira corrupta e racista. A primeira frase, que algum compilador do futuro poderá incluir entre seus “começos inesquecíveis”, é de uma beleza sombria: “A tristeza, a compreensão e a desigualdade de nível mental do meu meio familiar agiram sobre mim de um modo curioso: deram-me anseios de inteligência”. 2. “Zeverissimações ineptas da crítica”,…

O livro, quando morre, vira ‘conteúdo’
NoMínimo / 07/12/2009

O artigo de Tim Adams no “Observer” de ontem (em inglês, acesso gratuito) versa sobre o tema-clichê do momento, para o qual confesso que minha paciência anda curta: o futuro dos livros na era do Kindle e tal. Mas faz isso de forma brilhante – e meio perturbadora. Segue seu naco inicial em tradução caseira: Duas observações isoladas sobre literatura atraíram minha atenção nos últimos dias e se recusam a me abandonar. A primeira é de uma entrevista de Don DeLillo, autor do grande épico moderno “Submundo”. DeLillo contava como continua escrevendo numa máquina de escrever, e disse o seguinte: “Eu preciso do som das teclas, as teclas de uma máquina de escrever manual. Os braços martelando a página. Gosto de ver as palavras, as frases, à medida que se formam. É uma questão estética: ao trabalhar, tenho um senso de escultor sobre a forma que as palavras vão adquirindo.” A segunda era um anúncio local em minhas páginas amarelas sobre um “game” para Nintendo DS que contém cem livros clássicos. O cartucho vende-se assim: “A Coleção 100 Livros Clássicos transforma seu Nintendo DS numa biblioteca portátil que contém romances de leitura obrigatória de autores icônicos como Charles Dickens, Jane…

Cormac McCarthy está vendendo sua Olivetti. Eu não
NoMínimo / 02/12/2009

A informação (em inglês) é só uma curiosidade: a combalida Olivetti Lettera 32 em que o escritor americano Cormac McCarthy escreveu ao longo de quase 50 anos e cinco milhões de palavras será leiloada pela Christie’s com propósitos beneficentes nesta sexta-feira, com expectativa de sair por algo entre 15 mil e 20 mil dólares. Para mim, porém, a notícia tem sabor de madeleine. Tenho em casa um modesto museu da máquina de escrever. Além da portátil Hermes 2000 que já comprei velhinha nos anos 1980, num antiquário, mas ainda cheguei a usar, conservo a pesada Remington que herdei de meu pai, na qual batuquei meus primeiros contos adolescentes, e desde o início deste ano a estrela da companhia: uma restauradíssima Olivetti Lexikon 80 (foto ao lado), maravilha dos anos 1950 que, naquele clima de balanço universal da virada do milênio, foi eleita por um júri internacional de design a melhor máquina de escrever de todos os tempos. Mas não é essa glória mundana, ou não só ela, que a conduziu ao lugar de maior destaque no centro da sala: ao mesmo tempo sólida e macia, a Lexikon 80 era a máquina de linha na redação do velho “Jornal do Brasil”…

O novo romance de Verissimo
NoMínimo / 30/11/2009

Luis Fernando Verissimo costuma ser esnobado como romancista por nossa crítica literária (vai sem aspas mesmo, mas falta claramente uma expressão melhor), embora tenha produzido algumas pérolas numa área em que a cultura brasileira sempre foi carente: a dos livros “leves” que as pessoas realmente lêem e que dissimulam sua sofisticação por trás da linguagem cristalina. Talvez porque essa operação seja oposta àquela que conta mais pontos em nosso meio intelectual – a dos livros “pesados” que ninguém lê e que dissimulam a falta do que dizer por trás de uma linguagem turva – Verissimo ainda aguarda uma vindicação que conceda um lugar menos marginal a, por exemplo, seu romance de estréia, o aliciante “O jardim do diabo”. Esse nariz-de-cera vem a propósito do novo livro do homem, “Os espiões”, que acaba de sair pelo selo Alfaguara. É o primeiro romance de Verissimo que não lhe foi encomendado por um editor – o que é sem dúvida auspicioso. Ontem, sem tempo para ler, abri o magro volume e dei uma espiada na primeira frase: “Formei-me em Letras e na bebida busco esquecer”. Seria uma barbada de começo inesquecível, se esta seção ainda existisse aqui. Depois conto mais. * Nota de…

O que acontece com as palavras quando as lemos
NoMínimo / 27/11/2009

Atenção, editor ou autor: procurando idéias para fazer um videoclipe promocional do seu livro, esse gênero que o YouTube pariu e que vai amadurecendo velozmente? (Bom, eu meio que estou…) É sensacional essa animação aí, produzida sem uso de computador por um estúdio britânico para o New Zealand Book Council, em cima – literalmente – de um livro chamado Going west, do neozelandês Maurice Gee. Bela dica do blog que o jornalista Almir de Freitas, editor da “Bravo!”, mantém no site da revista.

Tabucchi e a liberdade de expressão
NoMínimo / 26/11/2009

O escritor italiano Antonio Tabucchi está sendo processado pelo presidente do Senado de seu país, o berlusconista Renato Schifani, que pleiteia uma indenização de 1,3 milhão de euros. O crime do escritor: ter afirmado num artigo publicado ano passado pelo jornal “L’Unità” que Schifani precisa explicar suas relações com personagens já condenados como mafiosos. Tratado com descaso pela imprensa italiana, o caso está sendo transformado na França naquilo que realmente é: uma batalha pela liberdade de expressão. O jornal francês “Le Monde” publicou na semana passada uma espécie de manifesto chamado “Nós apoiamos Antonio Tabucchi”, com a assinatura de intelectuais do mundo inteiro – entre eles Philip Roth, Orhan Pamuk, António Lobo Antunes, Mário Soares e Antonio Munoz Molina.