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Lendas etimológicas: Forró
NoMínimo / 25/07/2009

O post de hoje é a junção de duas colunas publicadas no NoMínimo em 9 e 11/11/2005. A leitora Natalia Vale Asari pega uma carona no tema do sucesso que fazem as teorias “etimológicas” pitorescas para tratar de outra palavra, esta bem brasileira: forró. “A sua discussão sobre ‘etimologia romântica’ lembrou-me do acesso de fúria que o meu avô teve ao saber da produção de um filme chamado ‘For All’”, diz a leitora. “Ele adquiriu uma certa antipatia pelos estadunidenses que trabalharam na base militar em Natal e não admitia que essa crença de que ‘forró’ vinha de ‘for all’ estivesse se espalhando. Preferia acreditar na versão (mais plausível) de Câmara Cascudo, de que ‘forró’ vem de ‘forrobodó’. Enfim, qual das duas versões tem mais embasamento histórico?” A resposta está na própria mensagem de Natália. Para a maioria dos etimologistas, forró é simplesmente a forma reduzida de “forrobodó”, que significa “baile popular, arrasta-pé” e também “confusão, balbúrdia”. A intromissão de for all nessa história parece ser mais um caso de excesso de imaginação. E mais um, também, em que a versão engraçadinha suplanta em popularidade, com muitos corpos de vantagem, aquela que procura manter os pés no chão. * Alguns…

O curioso caso do Wiki-Hemingway
NoMínimo / 22/07/2009

Como autor, fico preocupado com o envolvimento da [editora] Scribner nessa “edição restaurada”. Com tal remodelação como precedente, o que fará a Scribner se, por exemplo, um descendente de F. Scott Fitzgerald exigir que seja removido de “Paris é uma festa” o capítulo sobre o tamanho do pênis de Fitzgerald, ou se o neto de Ford Madox Ford quiser suprimir as referências ao odor corporal de seu ancestral? O lançamento de uma nova versão de “Paris é uma festa”, livro de memórias de Ernest Hemingway, com muitos cortes e acréscimos feitos por um neto do autor em nome de uma suposta fidelidade maior às suas “intenções”, é demolido com método e fúria neste artigo (em inglês, mediante cadastro) publicado no “New York Times” por A.E. Hotchner. O articulista exibe a autoridade de quem recebeu o manuscrito pronto das mãos do próprio Hemingway no início dos anos 1960, pouco antes de sua morte. A motivação por trás da nova versão feita pelo neto, acusa Hotchner, é escusa e mesquinha – poupar a imagem da avó de comentários desairosos. Mas esse episódio de aparente stalinismo editorial rende um debate mais profundo do que parece à primeira vista. Não exige muita imaginação enxergar…

1984, 2009
NoMínimo / 21/07/2009

A notícia anda circulando por aí, sobretudo em sites de tecnologia, entre risinhos e estupefação, e deve circular ainda mais. A princípio pensei que fosse piada. Não é. Quem baixou – e pagou, e começou a ler – uma versão eletrônica de “1984”, de George Orwell, para o Kindle, levou um susto no fim da semana passada. Aparentemente, houve um mal-entendido entre o editor e a Amazon sobre o licenciamento da obra. O que levou a maior livraria virtual do mundo a, sem aviso prévio, entrar sorrateiramente no Kindle de seus consumidores, deletar o livro e depositar um crédito em sua conta. O mesmo ocorreu com “A revolução dos bichos”, também de Orwell. Bonito, não? Se a idéia era atrasar em um punhado de anos a confiabilidade do livro eletrônico, um golpe de gênio. Embora talvez meio forçado nesse paralelismo óbvio com o Big Brother. Não seria preferível ser mais sutil? Pensando melhor, claro que a história só podia ser verdadeira: como disse Mark Twain, por que a realidade não seria mais inverossímil que a ficção? A ficção, afinal, tem que fazer sentido.

Começos (ainda) inesquecíveis: Suzana Flag

– Você não vem? – Vou já, mamãe. Mas não foi: nem iria nunca. “Coitada de mamãe”, pensou, numa tristeza maior. D. Margarida não sabia, não desconfiava de nada. Se soubesse, se pudesse imaginar! Disse baixinho: “Daqui a pouco estarei morta”. E repetiu, como se custasse a acreditar: “Estarei morta”. Assim, com a morte rondando o seio da família, começam as peripécias rocambolescas de “Núpcias de fogo” (Companhia das Letras), o quarto folhetim escrito por Nelson Rodrigues com o pseudônimo de Suzana Flag. “O Jornal” publicou-o em capítulos em 1948. A primeira edição em livro só saiu em 1997. Publicado em 18/11/2006.

Procura-se…
NoMínimo / 17/07/2009

…um autor contemporâneo que não tenha sido premiado ou, para dizer o mínimo, indicado a alguma honraria da praça. Detalhes aqui.

O caminho do vale-livro
NoMínimo / 16/07/2009

Na Flip, o mexicano Mario Bellatin contou como, estudante de comunicação em Lima, lançou sua primeira obra: vendendo vale-livros (ricamente impressos) para amigos e conhecidos em nome de uma editora fictícia, a fim de financiar uma edição do autor. A parte surpreendente da história é o sucesso que a estratégia fez, botando Bellatin no mapa definitivamente. Achei curioso voltar de Parati e descobrir que o blogueiro Alex Castro – que não conhecia a história de Bellatin até eu mencioná-la – está tramando em esquema semelhante de pré-venda o lançamento de seu primeiro romance de papel, “Mulher de um homem só”, que já andou disponível em pdf no site do autor. A editora, a independente Os Viralata, não é exatamente uma ficção, mas o resto bate. Num tributo ao fetiche da celulose, que não dá o menor sinal de agonia em meio a toda a fanfarra virtual, os primeiros compradores terão seus nomes listados na edição. Fica a dica para quem quiser se lançar no mercado neste momento em que o apetite das grandes editoras por novos nomes, após a voracidade do início do século, vai se aproximando da anorexia.

Philip Roth na pista de dança
NoMínimo / 14/07/2009

Chico Buarque ganhou uma nova e ilustre companhia naquela estrada entre a literatura e a música. Philip Roth acaba de estrear como vocalista – ou ululador – nesta vinheta dance que está virando um sucesso cult na internet, produzida pelo crítico James Marcus a partir de um trecho de entrevista em que o escritor ridicularizou, ganindo, a adaptação cinematográfica de “O complexo de Portnoy”.

Começos (ainda) inesquecíveis: Raymond Chandler

O vidro martelado da porta tem um letreiro em tinta preta trincada: “Philip Marlowe…. Investigações”. É uma porta razoavelmente decadente no fim de um corredor razoavelmente decadente, num edificio do tipo que era novo ali pelo ano em que o banheiro com azulejo até o teto se tornou a base da civilização. A porta fica trancada, mas ao lado dela há uma outra, com letreiro igual, que não fica. Pode entrar – não há ninguém aqui além de mim e de uma enorme mosca varejeira. Mas não se você for de Manhattan, Kansas. O início de “A irmãzinha” (The little sister, The Library of America, tradução caseira), de Raymond Chandler, o grande estilista da literatura policial americana hard boiled, já devia ser inesquecível quando foi publicado pela primeira vez, em 1949. Ainda mais inesquecível se tornou, porém, depois que milhares de escritores mundo afora fizeram questão de lembrá-lo, lembrá-lo e lembrá-lo de novo, numa avalanche de imitações, sátiras, pastiches, glosas e homenagens que encheriam bibliotecas. Um processo de lugar-comunização tão avassalador que, a esta altura, estará desculpado quem preferir esquecer o inesquecível. É estranho pensar que nunca mais será possível ler esse parágrafo sem ouvir os ecos de suas palavras…

O imortal Bulwer-Lytton
NoMínimo / 10/07/2009

A frase escrita pelo Snoopy com tanta dificuldade no post abaixo – “Era uma noite escura e tempestuosa” – foi de fato usada, e a sério, pelo escritor vitoriano Edward George Bulwer-Lytton para abrir seu romance “Paul Clifford”, de 1830. O que lhe valeu a glória de batizar o famoso concurso anual de bad writing promovido pela Universidade de San Jose, na Califórnia, em que os participantes inscrevem “começos inesquecíveis” escritos, de propósito, com o maior número possível de clichês literários. Pois bem: o resultado do Bulwer-Lytton Fiction Contest 2009 acaba de sair e os vencedores podem ser lidos aqui – vai um trechinho traduzido do grande campeão: Dizem que se você apurar bem os ouvidos quando a lua cheia está no mais alto do céu, o vento sopra no Estreito de Nantucket vindo do nordeste e os cães uivam por nenhuma razão terrena, conseguirá ouvir os gritos terríveis da tripulação do Ellie May…

‘Coetzee hath spoken’
NoMínimo / 08/07/2009

Ele vai com seu pai a Newlands porque o esporte – rúgbi no inverno, críquete no verão – é o mais forte laço sobrevivente entre eles, e porque atravessou seu coração como uma faca, no primeiro sábado após seu retorno ao país, ver seu pai vestir o casaco e, sem uma palavra, sair na direção de Newlands como uma criança solitária. Seu pai não tem amigos. Ele também não, embora por razões diferentes. Tinha amigos quando era mais jovem; mas esses velhos amigos estão agora dispersos pelo mundo e ele parece ter perdido o jeito, ou talvez a vontade, de fazer novos. Assim, viu-se arremessado de volta a seu pai, e seu pai arremessado de volta a ele. Como vivem juntos, aos sábados se divertem juntos. É a lei da família. Atenção, coetzeemaníacos: o New York Review of Books – que resenha muito mais ficção do que a publica, mas nos últimos anos tem andado mais soltinho – antecipa um trecho (de onde traduzi os dois parágrafos acima) do próximo romance do homem, chamado Summertime, que sai em breve por lá.

Um balanço impressionista
NoMínimo / 07/07/2009

A Flip 2009 – que para mim e muita gente foi uma das melhores da série, logo atrás da edição de 2004 – vai começando a desbotar em contato com a realidade, que aliás não existe, como proclamou por lá um autor que agora não recordo. E se a memória, como sabemos, tem uma vontade própria e meio insondável na hora de decidir o que será guardado e o que será posto fora, não custa fazer um exercício de futurologia para tentar antecipar algumas cenas e ditos públicos que têm tudo para ficar arquivados anos a fio, em meio aos muitos prazeres de que o fim de semana prolongado foi cheio. Por exemplo: alguém chamando o debate-lavanderia entre a artista francesa Sophie Calle e seu ex, Grégoire Bouillier, de “Márcia Goldsmith na Casa do Saber” – perfeito. Ou o historiador inglês Simon Schama, sessentão alucinado, se escangalhando de dançar, com direito a longas sessões de air guitar, na festa promovida pelo portal Saraiva na Casa de Cultura, sábado à noite. A mesma festa em que Alex Ross, crítico de música clássica da “New Yorker”, arriscou um rebolado ao som de Sidney Magal. Mas talvez o melhor de tudo seja a…

O Lobo não é bobo
NoMínimo / 05/07/2009

Depois do discurso com certo ranço de ensaiado de Gay Talese, o português António Lobo Antunes pôs a Flip 2009 no bolso ontem à noite. Com o humor dos grandes mal-humorados e aquela marra que é só dele mesmo, lançou ao auditório abarrotado da Tenda dos Autores uma quantidade acachapante de boas tiradas, anedotas e epigramas. Foi impossível colher tudo, mas aí vão alguns: “Um bom livro se faz sozinho. Só o que você tem que fazer é tornar sua mão feliz. Se a mão está feliz, o livro sai fácil.” “Quem quer ser escritor deve ver dez minutos de Garrincha a jogar bola. Didi é a cabeça e Garrincha é a mão. Para escrever, você precisa ter Didi na cabeça e Garrincha na mão.” “Escrever é sobretudo corrigir e reescrever. Você tem que ter uma atitude muito humilde em relação ao material. A prosa tem problemas oficinais e técnicos muito grandes. É óbvio que isto é um ofício, como o de pedreiro ou cirurgião.” “Há livros que gosto de ler mas não gostaria de ter escrito: Gabriel García Márquez, Graham Greene, Simenon…” “Só tenho um lema ao escrever: impor a mim mesmo desafios impossíveis. A divisa de um escritor…

Mais jornalismo, por favor
NoMínimo / 04/07/2009

Observações avulsas num fim de tarde de sábado, enquanto Gay Talese não sobe ao palco: Cristovão Tezza e o mexicano Mario Bellatin fizeram uma mesa estranhamente desequilibrada ontem à tarde. O brasileiro, que veio à Flip a bordo de um veículo raro – um best-seller aclamado pela crítica – chamado “O filho eterno”, se viu escalado no papel de coadjuvante do convidado estrangeiro, uma figura certamente curiosa, com sua prótese em forma de falo no braço direito, para quem o mediador, Joca Reiners Terron, levantou cerca de 70% das bolas. Senti algum desequilíbrio também na mesa que Milton Hatoum e Chico Buarque dividiram ontem à noite. Neste caso, não por falta de balanço entre os dois, que mostraram entrosamento ao se acusarem mutuamente de plágio (brincadeirinha), mas por uma concentração excessiva das perguntas do mediador Samuel Titan Jr. em detalhes de concepção e feitura de seus livros. Sobriedade e gentileza demais podem atrapalhar. Nada se perguntou a Milton, por exemplo, sobre sua polêmica condenação dos blogs literários. Nem se procurou saber de Chico como encara as críticas de machadianismo pesado feitas à sua novela “Leite derramado”. Conclusão provisória, para a qual contribuem ainda as ótimas entrevistas feitas por Silio Boccanera…

Bernardo e Atiq: universais, nós?
NoMínimo / 03/07/2009

A química da mesa de Atiq Rahimi e Bernardo Carvalho, no fim da manhã de hoje, não foi das mais potentes. Mas houve um momento em que, discordando, o afegão-francês e o brasileiro, dois bons escritores, iluminaram uma questão interessante sobre a circulação de livros e idéias pelo mundo: “Não existe uma literatura universal”, disse Bernardo, autor de romances em que o elemento estrangeiro é crucial, como “Mongólia” e “O filho da mãe”. E explicou: “Existe uma guerra geopolítica de imposição de literaturas. Na China, onde estive antes de escrever ‘Mongólia’, não existe o menor interesse pela literatura brasileira. Acho que ela nem seria compreendida lá, caso fosse lida. Posso estar sendo pessimista, mas vejo cada vez mais uma política de fechamento, cada bloco cultural defendendo seus interesses.” Respondeu Rahimi, cujos relatos baseados em seu passado afegão encontraram excelente acolhida na França (Goncourt incluído) e em outras partes do mundo: “Não digo que todos os escritores do mundo escrevam da mesma forma, mas que todos somos seres humanos. Temos em comum nossos limites em relação à morte, à família, ao amor. Li ‘Os Miseráveis’ quando tinha 14 anos, quando não sabia nada da França, e foi uma revelação.” Dirigindo-se ao…

Os cabeçudos
NoMínimo / 03/07/2009

Richard Dawkins, entrevistado com muita competência por Silio Boccanera, foi – como estava programado – a grande atração de quinta-feira. Articulado e com aquela fala claríssima dos ingleses educados, Dawkins me surpreendeu pela serenidade com que expõe seus pontos de vista, bem diferente do estilo inflamado de Christopher Hitchens, por exemplo, com quem vem dividindo o palco de uma certa cruzada ateísta. Foi engraçado quando ele disse que o fato de os cérebros humanos terem crescido enormemente nos últimos três milhões de anos não significa que essa tendência evolutiva se manterá nos próximos três milhões de anos. “Para isso, seria necessário que as pessoas cabeçudas continuassem a ter mais facilidade de se acasalar do que as pessoas não cabeçudas, o que já não parece ser o caso”, disse. Não fora de Parati, pelo menos. Ah, eu tinha prometido mais notícias sobre a mesa “Verdades inventadas”? Tinha. Mas descubro agora que é impossível resenhar um evento do qual participei, a não ser para dizer que correu tudo bem, muito bem, e que o alívio que sobreveio foi comemorado com um Cohiba.

O calor, a baleia e a promessa
NoMínimo / 01/07/2009

Primeiro dia de Flip, e a melhor notícia – além de que as coisas estão funcionando conforme o previsto, tudo calmo no front – é a temperatura agradavelmente tropical que resistiu ao cair da noite, coisa inédita por aqui em minha experiência: normalmente, mal o sol se esconde, o inverno de Parati exige casacos e pulôveres imediatamente, por maior que tenha sido o calor durante o dia. Não foi o caso desta quarta-feira. O show de Adriana Calcanhotto, daqui a pouco, promete ser o primeiro da história da Flip a ser degustado em mangas de camisa. Um bom prenúncio – apesar das previsões de chegada de chuva pesada, que variam entre amanhã e sábado, agourarem ruas enlameadas e um certo mau humor generalizado. Mas no momento, sentindo a brisa morna que assovia na boca da baleia branca alegórica que domina a Praça da Matriz – e que a princípio eu achei que fosse Moby Dick, mas é a do Pinóquio, que branca não era – meu ceticismo em relação aos meteorologistas é invencível. Amanhã é dia de encarar o público, o que é sempre uma provação, mas a esta altura parece um preço justo a pagar. Acho promissora a mesa…