No sábado, publiquei aqui no blog vizinho VEJA Meus Livros o resultado de uma ótima conversa, entre expressos e capuccinos, com o escritor português (nascido em Angola) Gonçalo M. Tavares, que veio ao Rio para participar da Bienal do Livro. O festejado escritor de 41 anos, para quem José Saramago vaticinou o Prêmio Nobel, discorre sobre seu peculiar método de trabalho e sua produtividade quase insultuosa, além de falar com simpatia sobre a literatura brasileira contemporânea e o uso que aqui fazemos do português – língua que acredita fadada a brilhar internacionalmente no futuro próximo. A quem ainda não leu a entrevista, recomendo dar um pulo lá. De bônus, seguem três respostas que ficaram fora da edição final: Você começou a escrever copiosamente – “obsessivamente”, como diz – muito cedo. Drummond tem uma frase boa sobre o que a escrita tem de renúncia: “Escrever impede a conjugação de tantos outros verbos”. Essa renúncia o incomoda? – A frase é boa, mas a escrita não é uma coisa fora da vida. Nós não saímos da vida para escrever e depois voltamos. Alguns dos momentos mais extraordinários que eu tive têm a ver com a escrita. Não aceito a separação entre o…
O mantra de que poucos leitores brasileiros estão interessados na ficção escrita hoje no país, entoado por escritores e críticos, só se sustenta por meio do artifício de excluir do campo da ficção nacional o maior fenômeno de popularidade do século 21. Sim, faz tempo que nossas listas de best-sellers viraram terra estrangeira, mas dificilmente alguma estrela internacional arrastará tanta gente à Bienal do Livro do Rio, que ocupa até dia 11 o Riocentro, quanto a escritora carioca Thalita Rebouças. Aos 36 anos, Thalita atingiu este ano a marca de 1 milhão de exemplares vendidos ao longo de dez anos de carreira, uma montanha de livros erguida com onze títulos voltados para um público-alvo muito preciso: adolescentes e pré-adolescentes do sexo feminino. “Para mim leitor é leitor, pode ter 8, 13, 20, 30 ou 60 anos”, diz ela. Numa divertida entrevista deste ano a Jô Soares, Thalita lembrou a Bienal de 2001, quando subiu numa cadeira para apregoar aos passantes perplexos as qualidades de seu primeiro livro, “Traição entre amigas”. Em artigo publicado ontem no blog da Companhia das Letras, o editor Luiz Schwarcz poderia estar falando dela quando diz: “Se hoje sabemos que não é correto julgar as pessoas…
Além de ser o crítico musical mais importante de sua geração e autor de livros de ficção, entre eles “Black music” (Objetiva), o jornalista carioca Arthur Dapieve tem um papel curioso na Flip: é um veterano mediador de debates que acabou por se especializar em entrevistados considerados difíceis. Em 2007, o mais-que-irônico escritor inglês Will Self propôs no palco que os dois abandonassem suas mulheres e fossem juntos desmatar a Amazônia. Ano passado, a desistência do popstar Lou Reed, famoso por maltratar entrevistadores, poupou-o na última hora de uma missão espinhosa. Na edição 2011, que começa nesta quarta-feira, Dapieve vai encarar na última mesa de sábado o escritor americano James Ellroy, que se notabilizou tanto pela qualidade de sua literatura quanto por uma certa egolatria. Will Self, Lou Reed e, agora, James Ellroy. Por que todos os fios desencapados da Flip acabam na sua mão? – Acho que é porque eu já trabalhei com o Marcelo Madureira [no extinto programa de TV “Sem Controle”, do GNT]. A partir daí, qualquer fio desencapado me parece normal… O que espera da conversa com Ellroy? Se ele repetir em Paraty sua famosa declaração de que é o maior escritor policial de todos os…
O mercado editorial americano foi sacudido na semana passada por um terremoto que promete se desdobrar em novos abalos no futuro próximo, à medida que as placas tectônicas se ajustarem num ambiente de negócios que o revolucionário livro digital, até ano passado pouco mais que uma curiosidade e uma promessa, começa finalmente a redesenhar na marra. No epicentro do fenômeno está o agente literário Andrew Wylie, de Nova York, um peso pesado que representa autores como Philip Roth e Martin Amis e, entre as obras de escritores mortos, as de Vladimir Nabokov e Jorge Luis Borges. Wylie anunciou a criação de um selo próprio, o Odyssey, para lançar versões digitais de títulos que, presos a editoras tradicionais por contratos de edição em papel, não tinham a seu juízo – por terem sido contratados antes de 2000, quando o e-book não existia no horizonte – seus direitos digitais cedidos a ninguém. Só que as grandes editoras pensam diferente. A Random House divulgou uma nota violenta declarando que não fechará nenhum novo contrato com a Wylie Agency “enquanto essa situação não for resolvida”. O que, tudo indica, só ocorrerá nos tribunais (mais sobre o caso aqui e aqui, em inglês). A Odyssey…
Se a ficção brasileira, como a de qualquer país, parece tímida ao retratar nossa maior paixão esportiva (veja nota abaixo), não se pode dizer o mesmo da literatura em sentido mais amplo. A produção cultural em torno do futebol, que tem na crônica esportiva seu gênero mais tradicional, vem ganhando nos últimos anos a contribuição da universidade, especialmente na área de sociologia. Em entrevista por e-mail, um dos representantes dessa tendência, Ronaldo Helal – doutor em sociologia pela New York University, professor de pós-graduação em comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de “Passes e impasses: futebol e cultura de massa no Brasil”, entre outros livros – tem uma tese para o eterno choro sobre o relativo silêncio de nossos escritores diante do futebol, de resto semelhante ao dos escritores de países não menos vidrados no esporte: “A diferença é que os brasileiros se creem os mais apaixonados e entendidos no assunto”. 1. A imprensa e a crítica literária vivem estranhando que o Brasil nunca tenha produzido seu “grande romance do futebol”. Isso faz algum sentido? Literatura combina com esporte? – Veja que em 1919 Lima Barreto fundou a “Liga Anti-Futebol” e dois anos depois…
Marçal Aquino é, no meu caderninho, o melhor contista brasileiro a surgir depois da geração de Luiz Vilela, Sérgio Sant’Anna e Sergio Faraco. Um cara como ele assinar os roteiros (em parceria com o também escritor Fernando Bonassi) de uma série da TV Globo – “Força-Tarefa”, que vai ao ar nas noites de terça-feira – traz imediatamente à lembrança a experiência da ótima série policial americana “The Wire” (2002-2008), que tinha entre seus autores George Pelecanos, Dennis Lehane e Richard Price. Já em sua segunda temporada, a linguagem de “Força-Tarefa”, no entanto, não é uma novidade completa para Marçal, um experiente roteirista de cinema. É nessa área que ele tem novidades para contar: a adaptação de seu romance “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” começa a ser rodada pelo diretor Beto Brant em agosto, no interior do Pará, com Gustavo Machado e Camila Pitanga nos papéis centrais. Também em agosto estréia a adaptação de “Cabeça a prêmio”, com direção de Marco Ricca. 1. Você tem uma frase famosa sobre os leitores de literatura brasileira formarem uma seita. Qual é a principal diferença entre escrever para uma seita e escrever para os fiéis da Igreja Católica Apostólica Romana?…
Cristovão Tezza fará amanhã – o que, com o fuso horário, significa daqui a algumas horas – uma palestra na Austrália, como convidado do Festival de Artes de Adelaide, onde foi parar a bordo do sucesso de seu romance “O filho eterno”. Por email, entre uma Foster’s e outra, o escritor catarinense achou tempo para uma conversa sobre suas experiências nesta fronteira que, de tão pouco explorada, é quase selvagem: a da verdadeira projeção internacional de um livro brasileiro de “ficção literária”. Resumo de sua impressão geral: “A literatura brasileira não existe fora do Brasil. Ponto. Ninguém conhece absolutamente nada daqui, à exceção de meia dúzia de professores universitários”. 1. A que países “O filho eterno” já o levou e onde você sentiu maior receptividade? – “O filho eterno” já me levou a Portugal, França, Espanha (Barcelona; a tradução foi em catalão!) e, agora, Austrália. O livro saiu também na Holanda e na Itália. Ainda não tenho uma idéia completa da recepção, mas o livro está indo muito bem na França, onde teve boa recepção crítica e ganhou o prêmio anual da Associação Francesa de Psiquiatria, que contempla obras literárias com temas que se relacionam com a área; e na…
A efeméride dos vinte anos da morte de Jorge Luis Borges, na semana que passou, foi marcada pelo bordão de sua “influência crescente” – expressão que está na capa da revista “Entrelivros”, por exemplo, que dedica 19 páginas ao gênio argentino. Isso não existe, acredita o escritor brasileiro que mais gastou páginas para fazer de sua ficção um espelho borgiano do legado de Borges. Antonio Fernando Borges é autor de uma trilogia tão obsessiva quanto corajosa: “Que fim levou Brodie?” (Record, 1996), “Braz, Quincas e Cia.” (Companhia das Letras) e o recente “Memorial de Buenos Aires” (Companhia das Letras, 224 páginas, R$ 41,50) acertam contas, respectivamente, com Jorge Luis Borges, Machado de Assis e, por fim, os dois juntos. Os três são livros de leitura prazerosa se você aprecia um jogo de referências literárias – é o meu caso. Mas deixam no ar uma pergunta inevitável: quando Borges, o Antonio Fernando, vai sair da biblioteca que Borges, o Jorge Luis, jamais deixou? Ele garante que já saiu, e que seu próximo romance, em andamento, trabalhará sobre “as referências impuras da realidade”. Tem se falado muito que a influência de Borges é cada vez maior. É indiscutível que o velho virou…
O romancista Milton Hatoum, autor dos ótimos “Dois irmãos” e “Cinzas do Norte”, abre amanhã, terça-feira, às 18h30, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, um ciclo de debates chamado Laboratório do Escritor, dedicado a discutir os bastidores da criação literária. Concebido pelas jornalistas Cristiane Costa e Valéria Lamego, que atuarão como entrevistadoras, o evento apresentará um autor por mês. Depois de Hatoum vão passar pelo CCBB, nesta ordem, Luiz Alfredo Garcia-Roza, Silviano Santiago, Luiz Vilela, João Ubaldo Ribeiro e Lygia Bojunga. A entrada é franca, com distribuição de senhas. Abaixo, Cristiane, autora de “Pena de aluguel – Escritores jornalistas no Brasil” (Companhia das Letras), explica a idéia. Por que pôr escritores para falar do seu processo de criação se os bastidores de um livro, com todo aquele escreve-rasga-reescreve, costumam ser um ambiente meio tedioso? – Em quase toda palestra de escritor a que já assisti, as pessoas acabam perguntando sobre esses assuntos, como uma idéia surge, como um personagem é desenvolvido. A curiosidade é muito grande, mas em geral isso acaba perdido no meio de outros temas e discussões. E achamos que, no final das contas, talvez seja o que mais interessa aos fãs de um…
Embora avessa aos salamaleques da glória oficial, Clarice Lispector não recusaria a homenagem dos vereadores do Rio de Janeiro (veja nota abaixo). A opinião é da escritora Vilma Arêas, professora de literatura da Unicamp. Vilma é autora do livro de crítica “Clarice Lispector na ponta dos dedos” (Companhia das Letras, 192 páginas, R$ 35), lançado na Flip do ano passado, que teve a autora de “A paixão segundo G.H” como homenageada. Clarice teria ficado feliz com o título de cidadã carioca honorária? – Ela não ficava à vontade nessas ocasiões porque não gostava muito de falar em público, agradecer as homenagens e prêmios que recebia. Mas acho que gostaria do título, porque gostava muito do Rio. Mesmo sendo uma homenagem mais política do que literária, não acredito que recusasse. Como anda a cotação de Clarice entre os novos leitores? E entre os escritores, existe alguém que seja claramente influenciado por ela? – As novas gerações continuam lendo Clarice e, o que chama mais a atenção, estão representando muito os textos dela também. No circuito universitário de teatro, vi recentemente adaptações de “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres” e “A hora da estrela”. Esta, principalmente, era muito boa, com a…
Vem cá: o livro tinha mesmo que ser tão grande? Não dava para enxugar? – Ele foi bem cortado. Inicialmente, tinha mais de 1.400 páginas. Fiz pelo menos 19 versões do texto e fui tirando várias histórias boas que tinham aparecido na pesquisa, mas que não precisavam realmente entrar. Dava para fazer mais dois livros com o que ficou de fora. Foram dois anos de pesquisa e nove meses escrevendo, de domingo a domingo. Durante todo esse tempo, não fiz outra coisa, foi dedicação integral mesmo. Eu sou publicitária, e quando decidi parar tudo para escrever vendi minha agência em São Paulo e fui para a Bahia disposta a só pesquisar e escrever. Hoje, para conseguir viver assim, estou de volta à casa dos meus pais, em Três Corações (risos). Você tem blog desde 2001. Não é estranho que um escritor da chamada “geração blogueira”, que costuma ser mais afeita ao telegráfico, ao tiro curto, lance um trabalho de fôlego tão longo? – Foi um bom desafio, viu? Eu tinha escrito coisas na adolescência mas depois, no tempo da publicidade, foram muitos anos sem escrever. Quando comecei meu blog, em 2001, é que voltei: o blog me fez escrever. Enquanto…