O recém-lançado “Conversas com Vargas Llosa – Antes e depois do Nobel” (Panda Books, 232 páginas), de meu vizinho de blog Ricardo Setti, é um livro que tem a ambição de, sem perder o tom de bate-papo, dar conta de tudo que diga respeito ao mundo do entrevistado – vida literária, política, politicagem, sexo, visão de mundo, rotina de trabalho. A meta é atingida com folga. Admirador e conhecedor da obra de Vargas Llosa, Setti, jornalista do primeiro time, se vale dessa condição para deixar o entrevistado à vontade, mas não permite que ela lhe exclua da pauta nenhuma pergunta embaraçosa. Nem mesmo sobre a famosa briga com o ex-amigo Gabriel García Márquez – o único tema que leva Vargas Llosa a desconversar. Ampliação de um volume lançado em 1986 pela Brasiliense, com a inclusão de conversas que os dois tiveram no fim do ano passado, o livro traz uma visão panorâmica da cabeça do escritor peruano e é cheio de passagens preciosas para quem escreve ou gostaria de escrever – como na amostra abaixo: Como começa um livro? – Bem, primeiro de tudo é um ‘fantaseo’, uma espécie de especulação em torno de certo personagem ou certa situação, algo…
Como não tenho a memória perfeita de Irineu Funes, sei apenas que estava no México a trabalho, cobrindo para um jornal brasileiro a Copa do Mundo que seria vencida de forma acachapante pela Argentina de Maradona, quando recebi a notícia da morte de Jorge Luis Borges. Lembro-me de ter ficado triste, o que é uma memória óbvia. Se tivesse uma fração do dom de Funes – personagem de Funes, o memorioso, um dos melhores contos de “Ficções” (1944), provavelmente o melhor livro de Borges –, estaria escrevendo agora sobre tudo o que tornou aquele 14 de junho de 1986 um dia sem igual, como todos são: temperatura, forma das nuvens, quanto tempo se passou – certamente uma vida, mas isso também é óbvio para quem conhece o México – entre a encomenda da ensalada de guacamole e sua chegada à mesa; a cor do cardápio, o comprimento da saia da morena sorridente na mesa ao lado, as letras de todas as canções com que os mariachis torturaram o jantar. Tudo isso está perdido para sempre. Só sei que estava no México, me esforçando para falar espanhol dia e noite, quando o argentino que era meu herói literário naquele tempo morreu….
Michel Laub foi o primeiro a me chamar a atenção, via Twitter, para uma tensão de ideias entre o ensaio publicado este mês por Bernardo Carvalho na “piauí”, intitulado “Em defesa da obra”, e um post mais alentado que apareceu aqui no início do mês, assim que voltei das férias: Os indies, a morte da crítica e o caleidoscópio. Os dois textos têm aspirações e fôlegos diferentes, mas tratam, no fundo, do mesmo tema, aliás quente demais para que se possa manuseá-lo sem queimar os dedos: o que muda nos velhos paradigmas da literatura – e da crítica – na era da internet. Nessa arena, segundo Laub, Bernardo é “pessimista” e eu, “+ ou – otimista”. Pouco habituado a ver tal adjetivo associado a mim, fui procurar com interesse o texto antípoda, que passei então a recomendar a todo mundo. Bernardo Carvalho confirma mais uma vez ser um dos nossos autores mais antenados, além de talentosos. A certa altura diz o seguinte: Numa entrevista recente ao “New York Times”, apresentado como modelo de escritor para os novos tempos, por saber se servir da gratuidade da internet para vender ainda mais livros, Paulo Coelho declarou que Borges foi a sua maior…
Mesmo de férias – que decidi, num lance ousado, estender às redes sociais e parcialmente ao email, pois do contrário não seriam bem férias – eu não pude evitar que me chegassem ecos de uma polêmica cultural paulistana moderadamente interessante, aquela deflagrada pelo jornalista Álvaro Pereira Júnior ao criticar o clima de compadrio que ele acredita dominar a cena musical dita indie da cidade. Sim, eu sei que o assunto ficou velho, que o jornalista já bateu e apanhou o suficiente. E não, o Todoprosa não voltou das férias transformado em blog de música. Acontece que comecei a pensar no que o episódio revela, por afinidade ou por contraste, sobre nossa província das letras. O mote para essa ampliação de foco é dado pela professora universitária Ivana Bentes, que, num breve artigo sobre o caso, tomou enfaticamente o partido das bandas atacadas: O debate e a polêmica (se tem uma) é a própria crise da onipotência da critica tradicional. Por que hoje o que ‘qualifica’ não é ‘a critica’ é o processo todo. Quanto mais bandas iniciantes, mais circuitos indies, mais gente pensando o ‘processo produtivo’ mais chances de surgir uma nova cena e grupos realmente interessantes. Só que agora…
A palestra que o ficcionista e crítico argentino Ricardo Piglia deu esta semana em São Paulo (segunda-feira) e no Rio (quarta) durou pouco menos de uma hora. Pareceu durar dez minutos. Foi a primeira vez que as palavras do autor de “Respiração artificial” me chegaram pelos ouvidos, em vez de pelos olhos, e o ineditismo dessa experiência foi em si um princípio de revelação. Deu vontade de reler seus ensaios – como os de “Formas breves” e “O último leitor” – para investigar o papel do coloquialismo no peculiar embaralhamento pigliano de casos e anedotas com observações críticas penetrantes, que resulta numa espécie de milagre: um texto crítico que não precisa se refugiar no hermetismo ou na chatice para parecer profundo porque, ora, sabe que é. Naquela noite de quarta, enquanto tínhamos, eu e a Heloisa, o privilégio de jantar com o casal Piglia e usufruir de piadas que não haviam entrado na palestra, a seleção brasileira venceu a argentina por 2 a 0. Mas para mim ficou claro que, no campo da crítica literária, qualidades como clareza, humor e generosidade impõem ao Brasil uma derrota de goleada. Intitulada “Romance e tradução”, a conferência do maior escritor argentino vivo (vídeo…
Uma baleia – aliás extinta – batizada Livyatan melvillei (o bicho maior aí ao lado) em homenagem a Herman Melville, autor de “Moby Dick”, parece algo bastante lógico, não? Mas o que tem Leon Tolstoi a ver com a cratera de Mercúrio que leva o seu nome? O mesmo que figuras tão díspares quanto Homero, Cervantes, Shakespeare, Balzac, Rimbaud, Proust, Neruda e Calvino (o Italo, ele mesmo), entre muitos outros escritores, todos homenageados em algum buraco daquele pequeno planeta que dizem ser mais quente que Manaus. Véspera de fim de semana, não poderia haver leitura literária mais amena do que este post (em inglês) do “PWxyz”, blog do Publishers Weekly, sobre escritores que dão nome a coisas bizarras. Coisas bizarras como a síndrome de Stendhal, fenômeno psiquiátrico caracterizado por uma série de sintomas físicos e emocionais (palpitações, agitação, desorientação espacial e temporal, sudorese) provocados pela exposição à beleza de grandes obras de arte. A síndrome, que me parece longe de ser das piores que existem, ganhou esse nome porque coube ao autor de “O vermelho e o negro” a mais famosa descrição de um desses episódios, em visita a Florença em 1817. Quebrei a cabeça por algum tempo tentando encontrar…
Pelo menos num ponto concordam os que acham a literatura brasileira contemporânea saudável e os que a consideram um lixo: espelhando o próprio mundo da informação na era da internet, vivemos uma síndrome que é ao mesmo tempo de excesso e de carência. Um dos traços marcantes da literatura brasileira no século 21 é a sensação de que há mais gente escrevendo do que lendo. Se é evidente que existe exagero nessa impressão (mas não muito), parece indiscutível que há mais gente escrevendo do que lendo criticamente e resenhando de forma inteligente, inteligível e íntegra a produção de nossos escritores. Resultado: a vida literária parece um organismo em que a quantidade de alimentos ingeridos supera em muito a capacidade digestiva. Com perdão do desdobramento escatológico – mas lógico – da metáfora, o bolo fecal gerado no processo é gigantesco, mas, caramba, como se desperdiçam nutrientes! O I Concurso Todoprosa de Resenhas está sendo lançado para suprir parte dessa falta. REGULAMENTO: 1. Serão premiadas as três melhores avaliações críticas de livros nacionais de ficção – romances ou coletâneas de contos – lançados desde 2001 (inclusive). 2. Cada autor pode inscrever uma única resenha, que deve ser enviada por arquivo Word para…
O homem que ganhava 4 mil dólares por artigo do Saturday Evening Post em 1930 agora recebia da Esquire apenas 150 por história. Os direitos autorais de seus livros totalizaram em 1936 cerca de 80 dólares. Logo ele estaria em Hollywood como roteirista fracassado, completando sua queda. A terrível decadência movida a álcool de F. Scott Fitzgerald é comentada (em inglês) por Jimmy So no “Daily Beast”, a propósito de uma recém-lançada coletânea de escritos do “cronista da Era do Jazz” chamada On booze, algo como “Sobre a birita”. Está para o borbulhante “Meia-noite em Paris”, de Woody Allen, como a ressaca para a euforia etílica. * Trata-se, como se vê, de uma antologia problemática e bastante desigual, para dizer o mínimo. Mas o problema principal que se manifesta em ‘Geração Zero Zero’ nem é esse. É que mesmo a leitura dos melhores contos dos melhores autores deixa na boca um gosto de anos 70, de repetição de procedimentos característicos daquela época, mal transplantados para um contexto social, cultural e político totalmente diferente – contexto este que pede novas respostas (e novas perguntas) dos escritores. Luciano Trigo escreve sobre “Geração Zero Zero”, a nova antologia de Nelson de Oliveira. *…
Estou ciente de que há escritores que evitam com sucesso jamais ter que escrever uma linha. Qualquer energia criativa que eles possam ter foi completamente absorvida por atividades substitutas. Tais atividades costumam incluir vestir-se, soar e posar (quando não beber – na verdade, normalmente beber) como um autor, de modo que esses indivíduos conseguem ser muito mais convincentes como artistas da frase bem torneada do que muita gente que de fato já publicou. Quando eu estava começando a escrever, esses tipos me deixavam bastante confusa. Em casa, eu (…) não sabia o que queria dizer, ou se realmente gostaria de dizê-lo, ou se alguém queria que o dissesse. No mundo lá fora, havia todas essas fantásticas desculpas para nunca mais me preocupar com tais coisas. Eram tentações. Mas consegui compreender que eram também um horrível beco sem saída. Terminada a Flip, vistoso buquê de “becos sem saída”, é hora de sentar e escrever. Mas talvez valha a pena ler primeiro esse artigo (em inglês, acesso gratuito) da escritora escocesa AL Kennedy no blog do “Guardian” sobre a eterna tentação do adiamento, disfarce da covardia, que me lembrou aquele toque lapidar do americano E.L. Doctorow: Planejar escrever não é escrever. Traçar…
Se o curador da Flip 2011, o crítico literário Manuel da Costa Pinto, tivesse optado por outra palavra negativa para qualificar a participação constrangedora do cineasta francês Claude Lanzmann (foto), responsável pelo pior momento da festa, teria prestado um bom serviço à história do evento. Pode-se argumentar que esse não era seu papel como curador, mas o fato é que Lanzmann merecia uns cascudos. E o vocabulário da crítica é suficientemente vasto para que alguma palavra justa fosse encontrada. Ao optar por chamar de “nazista” um judeu que foi combatente da Resistência Francesa e realizou o referencial documentário “Shoah”, sobre o Holocausto, Costa Pinto viu-se obrigado a pedir desculpas e levou para uma penosa prorrogação o constrangimento inaugurado pela truculência com que Lanzmann humilhou repetidamente seu entrevistador, Márcio Seligmann-Silva, e desrespeitou o público na mesa de sexta-feira chamada “A ética da representação”. Não faltariam adjetivos mais adequados para seu desempenho: deselegante, arrogante, prepotente, desagradável, descortês, indelicado, grosseiro, ofensivo, rude, desrespeitoso, mal-educado, intratável, truculento, tirânico. Com um pouco de ironia, quem sabe até funcionasse uma fórmula politicamente incorreta como “profundamente francês”. Não é de hoje que se vem banalizando entre nós o uso das palavras nazista e fascista, equiparadas, em discursos…
Os escritores colombianos Héctor Abad e Laura Restrepo, que participaram da mesa “Em nome do pai”, iniciada às 14h30, disseram não ser amigos. Talvez não fossem até então, mas dificilmente poderão dizer o mesmo após a mesa de hoje. Com mediação do jornalista Ángel Gurría-Quintana, os dois travaram uma conversa cheia de elogios mútuos sobre como a literatura se relaciona com suas histórias de vida marcadas pela violência de seu país e pela militância política. Abad está estreando no mercado brasileiro com o premiado livro de memórias “A ausência que seremos”, em que fala do pai, um médico famoso, também chamado Héctor, defensor dos direitos humanos e assassinado por paramilitares colombianos em 1987. Laura lança o romance “Heróis demais”, a história de uma mãe que vai com o filho adolescente para a Argentina em busca do pai, militante político que os abandonou quando ela estava grávida. Há muito de autobiográfico no romance. “Eu e meu filho, Pedro, que veio comigo a Paraty, tivemos através dos personagens do romance o diálogo que nunca pudemos ter sobre o pai dele, que o abandonou quando tinha dois anos”, disse. Abad levou vinte anos para escrever sobre seu pai, e justificou a demora dizendo…
Coube aos acadêmicos de literatura João Cezar de Castro Rocha e Eduardo Sterzi a ingrata missão de entreter o público da Flip no primeiro horário deste domingo, a partir das 10h, quando a maioria ainda dorme em suas pousadas ou se recupera da ressaca de sábado à noite. Para tornar a missão mais difícil, o tema de sua mesa, chamada “Pensamento canibal”, era uma questão teórica – o que o homenageado deste ano, Oswald de Andrade, queria dizer ao falar de antropofagia e o que ela deixou de herança para a cultura brasileira. Resultado: uma Tenda dos Autores com menos de metade dos assentos ocupados. A verdade é que o viés oswaldiano, ainda que a homenagem seja merecida, não chegou a penetrar nas rodinhas de conversa flípicas e dar um arremedo de argamassa a uma festa marcada num extremo pela simpatia baiana de João Ubaldo Ribeiro e no outro pela antipatia francesa de Claude Lanzmann, com o fenômeno de popularidade instantânea do português Valter Hugo Mãe ocupando a maior parte do meio-de-campo. Castro Rocha está lançando no Brasil a edição brasileira ampliada de “Antropofagia hoje? – Oswald de Andrade em cena”, coletânea de ensaios publicada em 2000 nos EUA. “A…
Na mesa mais divertida da Flip, como estava previsto, João Ubaldo Ribeiro, 70 anos, contou histórias, cunhou frases de efeito, fez piadas consigo mesmo e com o entrevistador – seu amigo e também escritor Rodrigo Lacerda – e, de forma surpreendente, ousou falar mal do intocável Guimarães Rosa, que já foi apontado como influenciador de “Sargento Getúlio”, um de seus livros mais conhecidos. Em compensação, furou também o balão mitológico em torno de sua própria obra-prima, o romance “Viva o povo brasileiro”, ao dizer que a motivação para escrevê-lo foi apenas a de “fazer um livro grosso”. A última pergunta da noite, encaminhada por alguém do público, foi um anticlimax que, paradoxalmente, funcionou: “Qual é a importância da literatura na vida das pessoas?” Resposta: “Longos anos de afeto nos unem, Rodrigo Lacerda, pra que eu possa lhe dar uma resposta apropriada”. Seguiram-se aplausos de pé numa Tenda dos Autores lotada, com uma chuva de assobios e gritinhos pontuando a evidência de que, tendo passado anos brigado com a Flip, um dos maiores escritores brasileiros vivos estava fazendo falta em Paraty. Abaixo, uma lista de seus melhores momentos: “Em primeiro lugar, acredite se quiser, eu jamais tinha chegado nem perto de…
“O cinema não é uma arte superior aos quadrinhos”, disse Joe Sacco, astro solo da mesa iniciada ao meio-dia, que terminou por ser tão informativa quanto agradável. Onde se lê cinema, pode-se ler também literatura, jornalismo e fotografia, linguagens com as quais ele dialoga em sua importante, ambiciosa e original obra de HQ. Nascido em Malta em 1960 e criado nos Estados Unidos, Sacco é hoje o maior nome do jornalismo em quadrinhos, autor de livros como os que escreveu sobre a questão palestina, entre eles “Notas sobre Gaza” e “Palestina: uma nação ocupada”. Entrevistado pelo jornalista Alexandre Agabiti Fernandez, que conduziu bem a conversa, apesar de certa tendência à prolixidade, Sacco não fugiu de nenhuma das perguntas e falou sobre seu método de trabalho, suas influências e até da ocasião em que, intimidado pelo peso do jornalismo americano tradicional, se autocensurou ao fazer um trabalho para a revista “Time”. “Pensei demais em como a ‘Time’ diria certas coisas e acabei insatisfeito com o resultado”. Abaixo, um apanhado de suas declarações: Vantagens e desvantagens dos quadrinhos como veículo de jornalismo: “O que eu faço é jornalismo, e como tal precisa ter precisão. Mas com quadrinhos você pode viajar no tempo…
Mal-humorado e repetidamente descortês com seu entrevistador, o cineasta francês Claude Lanzmann, 85 anos, autor do referencial documentário “Shoah”, disse na última mesa de hoje que Steven Spielberg brinca em “A lista de Schindler” com algo que não admite brincadeiras. “O que significa representar a morte de milhões de pessoas? É uma questão muito complicada. Não existe representação possível, alguma coisa proíbe, e não sou eu quem o faz: é Adolf Hitler. Tentar essa representação é cometer a mais grave das trangressões. Spielberg usou subterfúgios desonestos.” “Shoah”, filme de nove horas e meia de duração lançado em 2005, custou a Lanzmann, judeu francês, doze anos de trabalho e, segundo ele, escapa dessa armadilha da representação por não ser “sobre a sobrevivência, mas sobre a morte, sobre a radicalidade da morte naquelas câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas”. Afirmou ele: “Os homens que me deram seus depoimentos testemunharam a morte de seu povo. Nenhum deles deveria ter sobrevivido para contar: um número muito reduzido sobreviveu por uma conjugação de coragem, inventividade, sorte e milagre. Não contam como sobreviveram, não abrem o jogo, não revelam suas histórias pessoais. São porta-vozes dos mortos e assim queriam ser considerados”. Além de falar…
Ignacio de Loyola Brandão e Contardo Calligaris declararam solidariedade ao escritor italiano Antonio Tabucchi, que deveria ter sido a principal atração da mesa de hoje às 17h15, mas cancelou sua participação em protesto contra a posição do Supremo Tribunal Federal – e do governo brasileiro – no caso Cesare Battisti. O psicanalista e cronista Calligaris, italiano como Tabucchi, fez questão de dizer que sua situação é diferente, por viver no Brasil: “Dizer não ao convite da Flip seria apenas dizer não à Flip. Se eu morasse na Itália, provavelmente tomaria a mesma posição que Tabucchi, fico completamente solidário e acho bom ter tido essa oportunidade (de dizer isso)”, discursou. Ignacio de Loyola Brandão apoiou o parceiro de mesa, lembrando que Tabucchi foi o tradutor de “Zero”, romance que, por ter sido proibido pela censura nos anos 1970, tornou-se seu título mais famoso. “Quero dizer que sou amigo de Antonio Tabucchi desde 1973, quando foi entregue a ele a tradução de ‘Zero’ e começou uma amizade que se solidificou ao longo dos tempos. Eu faria a mesma coisa que ele fez, não poderia ter outra atitude. E a tradução de ‘Zero’ para o italiano foi a mais perfeita de todas”. Pouco…
A Flip teve finalmente seu momento de emoção explítica na mesa de hoje ao meio-dia, chamada “Pontos de fuga”, que reuniu o português Valter Hugo Mãe e a argentina Pola Oloixarac. Surpreendentemente, os papeis tradicionais se inverteram: Pola, que antes mesmo de pisar em Paraty já carregava o título (merecidíssimo) de musa da Flip, foi o lado racional da conversa, e coube a Mãe, que chegou às lágrimas ao ler um simpático texto sobre a importância do Brasil em sua geografia emocional, arrebatar o público que lotou a Tenda dos Autores e ser aplaudido de pé. “Foi a mesa dos baixos instintos”, comentou uma velha raposa da Flip, referindo-se tanto àqueles instigados em parte da audiência pelas longas pernas envoltas em meias pretas da escritora argentina quanto aos que, de natureza diferente , o autor de “a máquina de fazer espanhóis” despertou ao falar de sua infância marcada por telenovelas e vizinhos vindos do Brasil, todos envoltos em certa aura de magia, e agradecer no fim, com voz embargada, o convite para visitar o país como escritor. “Sinto que fazem de mim um homem de ouro”, disse, referindo-se a um episódio de sua infância em que o fato de ser…