Bons ou ruins, antenados ou sem noção, criteriosos ou politiqueiros, todos os grandes prêmios literários têm um vício de origem. Estão para a literatura como a decoração de shopping está para um certo espírito de Natal: têm visibilidade e movimentam a ciranda dos interesses comerciais, mas passam longe de captar a essência da coisa. Tal convicção sempre levou este blog, em seus quatro anos e meio de existência, a oscilar entre o comentário breve e o silêncio significativo diante dos prêmios nacionais, mesmo reconhecendo seu papel na divulgação de livros e autores. Ocorre que essas cerimônias já fazem os tambores soar em alto volume por toda parte, restando assuntos mais relevantes a tratar se o seu negócio é literatura, esse nicho rarefeito, e não mercado editorial ou outros temas periféricos. O Jabuti, então, pouco deu as caras por aqui. O mais tradicional de nossos galardões vem sendo também, de forma consistente, o menos artisticamente sério. Mas a celeuma em torno da premiação de “Leite derramado”, de Chico Buarque, que a princípio julguei conveniente submeter ao mesmo tratamento, chegou tão longe que altera a equação. Não porque tenha algo a ver com mérito literário: o último romance do grande compositor –…
Ao longo de três décadas, dos anos 60 aos 90, o ensino universitário da literatura desconstruiu o fetiche da “boa literatura” em nome de uma ciência/política geral dos discursos e da noção do texto como objeto do desejo estético, autorizado por disciplinas que iam desde a psicanálise e a antropologia até os marcos existenciais e estéticos de um contexto favorável ao anticonvencional, às experimentações, às vanguardas tardias ou pós-modernas, aos minimalismos antinarrativos. Tudo isso mudou. As sucessivas levas de novos escritores surgidas nos últimos anos, com algumas exceções, não têm estado nem um pouco interessadas em desconstruir o signo literário ou questionar convenções de qualquer tipo, até porque esse questionamento já se tornara ele próprio convencional e repetitivo. Elas têm se mostrado interessadas em recuperar e praticar o valor positivo do fetiche literário enquanto algo pragmático. Sobretudo estão interessadas em buscar seu público não através da mediação da academia (como ocorrera em parte no caso da geração 70) e sim na relação direta com as clássicas instituições do mercado e da vida literária extra-acadêmica. O imperdível artigo “A reinvenção do fetiche literário”, de Italo Moriconi, publicado no Prosa & Verso do último sábado, faz a necessária – ainda que tardia…
Há pouco mais de dois anos recebi em casa uma ligação incomum: do outro lado da linha, uma simpática repórter da “New Yorker” queria saber minha opinião sobre Paulo Coelho, que seria tema de uma longa reportagem naquela que considero a melhor revista do mundo. Animado pela vaidade de ter minha opinião requisitada pela “New Yorker”, ainda que sobre um tema pelo qual tenho reduzido interesse, falei longamente sobre nosso representante solitário no jet-set literário internacional. A conversa começou a degringolar quando a entrevistadora me perguntou por que, com seu enorme sucesso, PC não tinha franqueado as portas do mercado internacional para outros escritores brasileiros – por que, em suma, não contava com um mísero seguidor. – Ah, porque seu trabalho é algo à parte, mais relacionado com Carlos Castañeda ou Richard Bach do que com qualquer coisa feita aqui – respondi. – Não tem ligação absolutamente nenhuma com a tradição da literatura brasileira. Foi quando ouvi a pergunta singela, ofensiva, espantosa: – Mas a literatura brasileira tem uma tradição? Passado o choque que a arrogância imperialista sempre provoca, especialmente quando distraída, espontânea, simpaticíssima (“sua casa tem água encanada, jura?”), a entrevista virou um curso intensivo e meio atropelado de…
Eleger os livros do ano é um clichê jornalístico, mas um clichê incontornável, além de salutar. Como os prêmios literários, e muitas vezes com mais eficácia do que estes, as listas de highlights que pipocam em torno do Natal – e que proliferam em todas as áreas, claro, não só na literatura – nos ajudam a imprimir uma certa sensação de ordem ao fluxo das novidades que, sempre excessivas, inundam o ano inteiro. Recapitular, eleger destaques e hierarquizá-los são atividades próximas de arrumar aquele armário cheio de entulho e conservar só o que interessa. Até que vem o ano novo e o entulho começa a se acumular outra vez. Este ano decidi inovar na retrospectiva anual do Todoprosa, o que explica ter entrado mais cedo no assunto. Os destaques de 2010 na ficção nacional e estrangeira – sempre levando-se em conta livros lançados no Brasil – serão escolhidos pelos leitores, em votação que vai rolar aqui no blog em dezembro. A lista final dos dez livros concorrentes, entre brasileiros e estrangeiros, será preparada por mim, mas levando em consideração mais uma vez, ao lado de critérios pessoais, a participação do público. Fica então o convite, caro leitor: use a caixa…
Surge na China o primeiro leitor eletrônico com tela de e-ink colorida, que até aqui era considerada uma tecnologia comercialmente inviável. Começa a ser aterrado o fosso separa o Kindle e similares, excelentes para a leitura de livros, do iPad, genial para ver imagens. * E quando já davam o paciente como desenganado, o baixo custo do meio digital está provocando uma explosão de novas revistas literárias. Na Inglaterra. * Por fim, reproduzo uma carta de Adolfo Pinho Rosa, o crítico recluso, com um ponto de vista original sobre os prêmios literários que chovem sobre Chico Buarque: Caro Sérgio, Como você não ignora, os códigos de comunicação do mundo literário são frequentemente sutis. Parece-me que, em meio ao burburinho de satisfação, desagrado ou tédio provocado pelos prêmios concedidos recentemente ao autor de “O que será”, vem passando despercebido o cerne da questão. Vejamos: o homem lançou quatro romances e ganhou o Jabuti por três deles. Isso não lhe parece significativo? Pois garanto que o é. Ocorre que a conta não fecha. “Benjamin” não ganhou o Jabuti – com ênfase no “não”. E agora com exclamação, por favor: “Benjamin” não ganhou o Jabuti! Mera casualidade? Ora, não é preciso ser um…
Muito interessante o ensaio do crítico argentino Damián Tabarovsky publicado ontem no bom caderno Ilustríssima da “Folha de S. Paulo”, sob o título “O escritor sem público”. Melhor avisar logo que se trata de coisa cabeçuda, cheia de frases como esta: “Nessa comunidade negativa, a leitura não se impõe sob o modo da distribuição (como no mercado) nem no da circulação (como na academia), mas como generalidade imaginária da particularidade”. O interesse do texto, apesar da opacidade, reside no fato de o autor buscar declaradamente uma superação do impasse em que parece ter empacado o debate literário das últimas décadas: a oposição frontal e pouco inteligente entre literatura “de mercado”, com sua ênfase na narrativa, e literatura “acadêmica” (isto é, valorizada por acadêmicos, não necessariamente e na verdade quase nunca escrita por eles), com sua apologia do trabalho de linguagem. Essa busca de síntese tem valor em si. O problema é que, se entendi o que Tabarovsky quis dizer, sua proposta de um novo radicalismo – que ele chama de literatura “de esquerda”, tomando o cuidado de ressalvar que o rótulo não coincide com o de posições político-partidárias – desemboca na exclusão sumária do leitor: “Em troca, é preciso pensar…
A caixa de emails da mulher aberta diante de si. Dali mesmo gritou perguntando se demoraria no banho. Acabei de entrar, ela respondeu. O texto acima, de autoria de Denival Fernandes Moreira, é o vencedor do Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter, que recebeu mais de 600 inscrições ao longo de uma semana. A disputa foi dura. Cerca de 10% dos inscritos se classificaram para a fase final, em que todos se enfrentaram em sistema de pontos corridos. O juiz solitário – que tentou amenizar a solidão colhendo algumas opiniões respeitáveis entre amigos – sabia que não adiantava lutar contra o caráter subjetivo de suas decisões, mas tinha um critério em mente: marcava mais pontos o microconto que mais se aproximasse do efeito produzido por um conto redondo, completo. O despojado texto de Denival venceu pelo bom uso da técnica do iceberg, em que a maior parte da história – no caso, o passado de desconfianças e o futuro incerto do casal – fica oculta abaixo da linha das palavras, sem que isso pareça um truque narrativo, mas apenas natural. Em segundo lugar veio este triste monólogo de Dilson L.D., exemplar na concisão e na contenção emocional: Todos estão mais…
Expandindo a experiência iniciada aqui esta semana, em busca do que por enquanto é pouco mais que uma miragem – uma literatura forte no Twitter – lanço o Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter. Por trás do nome que as iniciais maiúsculas ajudam a tornar (ironicamente, combinado?) pomposo, uma brincadeira simples: estimular a produção de micronarrativas em formato de tweet, com 140 toques no máximo, mas que consigam atingir alguma densidade literária. A tarefa é mais difícil do que parece à primeira vista. Para começar, esse papo de twitteratura já rola por aí há algum tempo, o suficiente para que até a conservadora Academia Brasileira de Letras, pulando alegremente no bonde digital, organizasse este ano seu concurso, vencido por esta historinha de Bibiana Da Pieve: Toda terça ia ao dentista e voltava ensolarada. Contaram ao marido sem a menor anestesia. Foi achada numa quarta, sumariamente anoitecida. Daí decorre que a maior dificuldade do microcontista-tuiteiro é que, sinal dos tempos, seu formato mal nasceu e já está superexplorado. Não faltam microcontos por aí, como se pode conferir na profusão de links reunidos nesta página. Some-se a isso a vasta produção de aforismos no Twitter – que também são uma forma de…
Lendo o artigo de Jojo Moyes no “Telegraph” sobre a dificuldade – ou a impossibilidade, segundo Martin Amis – de escrever boas cenas literárias de sexo, me dou conta de que o tema virou uma pequena obsessão dos ingleses. Sim, o Bad Sex Award, coberto com alguma atenção aqui no blog, tem sua graça. Mas aí veio o post de Sarah Duncan, e agora esse artigo. Será que a pauta é mesmo tão boa assim? Vamos admitir logo que a dificuldade existe e é interessante. Como escrever – ou optar por não escrever – o que acontece quando dois personagens, fazendo avançar a narrativa, resolvem transar sempre foi uma questão relevante e talvez seja especialmente escorregadia para o escritor de hoje. As fórmulas que um dia funcionaram tendem a nos soar canhestras, tudo resvala perigosamente no clichê. As decisões a tomar por linha são mais numerosas do que o habitual e cada uma contém seus riscos. Nomear, por exemplo, os órgãos sexuais, as ações? Usar termos técnicos ou chulos? Ou quem sabe poéticos, derivativos e metafóricos, em busca de um certo clima? Com a irresponsabilidade dos chutadores, mas sem muita dúvida de acertar o gol, eu diria que a literatura…
Hora de dar o resultado do pequeno concurso que lancei aqui na semana passada, valendo um exemplar de “Sobrescritos” para o primeiro leitor que citasse um grande escritor “inteiramente tapado para a graça, uma porta em termos de senso de humor”. A ideia era submeter ao teste da interatividade internética uma conclusão provisória com a qual eu andava brincando: a de que só escritores medíocres podem ser inteiramente desprovidos de humor. A participação dos leitores foi brilhante e, no meu entendimento, provou acima de qualquer dúvida que eu estava errado. Sim, é possível fazer grande literatura e ao mesmo tempo ser a menos espirituosa das criaturas. Raro, sem dúvida, mas possível. Uma das provas disso é Euclides da Cunha, nome com o qual Luis Nascimento, o primeiro a sugeri-lo, assegurou o prêmio. Não vou dizer que reli “Os sertões” de ponta a ponta para chegar a tal conclusão, mas acredito ter folheado páginas suficientes para confirmar o que a memória já sugeria: não existe a mais pálida sombra de sorriso ali. (O curioso exercício de desclassificação do autor ensaiado por Rafael Souza, substituindo a figura de Antônio Conselheiro pela de Lula, tem sua graça, mas ela provém de Rafael e…
O último Babelia é dedicado a um tema recorrente aqui no Todoprosa, que volta e meia aponta o que julga ser uma desvalorização do ingrediente nos cozidos literários brasileiros dos últimos tempos: o humor. Recomendo a edição inteira, mas adianto um palpite entre os muitos que a equipe do suplemento literário do “El País” foi buscar. É do escritor colombiano Daniel Samper Pizano e não é muito original: Humor e literatura… Mas por acaso haverá muita literatura sem humor? De Homero a John Irving e de Cervantes a García Márquez, passando por Aristófanes, Petrônio, Chaucer, Juan Ruiz, Boccaccio, Shakespeare, Quevedo, Rabelais, Sterne, Balzac, Gógol, Wilde, Twain e Borges – sem mencionar “As mil e uma noites” e mil e um outros autores – todos recorreram ao humor para construir sua literatura. Seria interminável a lista de escritores a quem devo sorrisos e risadas. Pizano lista grandes autores que têm no humor um traço central ou pelo menos marcante. Mas isso não é difícil, pensei. Então fiquei imaginando o exercício contrário, este sim dureza: uma lista de grandes escritores inteiramente desprovidos do sentido de humor. De Dostoiveski a Cormac McCarthy, de Graciliano Ramos a Clarice Lispector, me ocorreram muitos nomes que…
Não é fácil a vida de um humorista – ou de um escritor com inclinação satírica, o que no caso dá no mesmo – no país da piada pronta. Em janeiro deste ano, impressionado com o número de lançamentos internacionais surgidos na esteira do arrasa-quarteirão “Orgulho e preconceito e zumbis” (aqui lançado em março pela Intrínseca), que enxerta mortos-vivos no clássico de Jane Austen, fiz um post no Todoprosa jogando algumas ideias para autores e editores brasileiros que quisessem vampirizar esse escracho do mashup, coisas como “Dom Casmurro na máquina do tempo” e “Grande sertão: aliens”. E perguntei: “Quando será que o Brasil, sempre atrasadinho, vai pular no bonde dessa vibrante forma de vanguarda literária?” A resposta teve que esperar apenas oito meses – menos que uma gestação completa. A editora Leya está lançando este mês, pelo selo Lua de Papel, quatro títulos claramente inspirados nessa tendência: “Dom Casmurro e os discos voadores”, “O alienista caçador de mutantes”, “Senhora, a bruxa” e “Escrava Isaura e o vampiro” (sei não, mas minhas sugestões pareciam melhores). A Leya leva seu lote ao mercado depois da Tarja Editorial, que atua no nicho fantástico e tem nas prateleiras “Memórias desmortas de Brás Cubas”, mas…
O velho escritor, sobrevivente de incontáveis guerras de panelas fumegantes, é um cara tão descrente que, quando lhe recomendaram a engraçadíssima resenha do novo livro de Jonathan Franzen feita em vídeo pelo crítico do “Washington Post”, Ron Charles, disse apenas: “Grunf”. O velho escritor, com seus diplomas de escolas estéticas opostas empilhados no fundo da gaveta de baixo da cômoda do quarto de empregada, anda tão desiludido com esse papo de literatura que não se animou a tomar conhecimento da lista dos dez finalistas do principal prêmio nacional da categoria. Só resmungou: “Hmpf”. O velho escritor já foi um inflamado – e incompreendido – defensor do hibridismo entre gêneros populares e eruditos como o melhor caminho para o novo, mas não demonstrou interesse sequer quando lhe informaram que jovens escritores de fantasia, terror e ficção científica estão brotando país afora feito cogumelos alucinógenos. Limitou-se a grunhir: “Ahgã”. O velho escritor, que aos 25 anos foi saudado por um importante crítico hoje esquecido como “nossa maior promessa pós-regionalismo”, está inteiramente surdo e oitenta por cento cego. O sinal mais significativo de que ainda não morreu é o estremecimento que sente na alma ao recordar o modo como Quincas, o vira-lata que…
“Não defendo a trama como representação acurada da vida, mas como forma de manter o leitor lendo”, disse Kurt Vonnegut. “Se você exclui a trama, se elimina o desejo de alguém por alguma coisa, exclui o leitor, o que é uma coisa muito feia de fazer.” Também acho feio excluir o leitor. No entanto, o enredo, a trama, o plot – a história, enfim, de preferência envolvendo gente – é um fundamento clássico que foi perdendo valor para boa parte da literatura escrita do século 20 para cá. Disseminou-se nesse período a crença de que “escritores sérios” devem antes de mais nada achatar ou desidratar a dimensão da fábula, que seria coisa de autor popular ou populista, se quiserem voar alto nas questões mais relevantes da forma. Hoje há mesmo literatos cascudos – conheço dois ou três – que chegam ao extremo de odiar intrigas, peripécias, escolhas, surpresas, que têm alergia a coincidências e abominam detalhes habilmente sonegados pelo narrador, que espumam de raiva com cartas que são abertas e mudam o rumo das coisas (ou não são abertas e mudam o rumo das coisas), pois para eles é inferior qualquer literatura que utilize o enredo de modo mais sedutor,…
Faz muitas décadas que a literatura propriamente dita, artisticamente ambiciosa, não é terreno fértil para comoções de massa. É cem vezes mais fácil construir uma atmosfera de hype, o que um dia se chamou de badalação, no âmbito do cinema ou da música pop. Isso torna ainda mais interessantes os casos recentes de dois livros cercados de histeria: Freedom, do americano Jonathan Franzen, que antes mesmo de sair (será lançado terça-feira nos EUA) já vem sendo chamado de “romance do século”, e “2666”, o tijolão do chileno Roberto Bolaño, que foi unanimemente saudado como sua obra-prima e que, chegando ao Brasil com atraso há poucos meses, virou também por aqui aquele tipo raro de livro que todo mundo lê predisposto a elogiar. Hype, palavra que os moderninhos brasileiros adotaram com um sentido intensamente positivo que está ausente do original, quer dizer em inglês publicidade excessiva e a comoção que ela provoca, exagero marqueteiro em torno de um produto e até mesmo, em casos extremos, fraude. Pode ser que falar em hype seja impróprio quando se trata de escritores tão talentosos quanto Franzen e Bolaño. Por outro lado, os dois casos de sucesso parecem ter, pelo menos em certa medida, algo…
Falávamos das respostas que a literatura brasileira ensaiou ao longo da história para a velha charada de produzir arte relevante num país situado na periferia econômica e cultural do mundo. Como já deixei sugerido, acredito que o novo livro de João Paulo Cuenca, “O único final feliz para uma história de amor é um acidente”, possa trazer um ou dois elementos novos para a conversa. Um deles é o de, roubando novamente a ideia de Machado de Assis com sinal trocado, nos fazer pensar que boa parte da literatura brasileira contemporânea pode estar sofrendo de uma “internacionalidade de vocabulário”. Par oposto do nativismo de Alencar e Gonçalves, em que o índio é enfiado numa forma europeia sem alterá-la significativamente, a “internacionalidade de vocabulário” seria a propensão de soar cosmopolita (todos queremos ser universais, certo?) por meio da citação, do adorno, da ostentação de cultura, sem que isso altere de modo significativo o que está sendo narrado e como. Às vésperas da Copa de Literatura de 2009, o jurado e blogueiro que se assina Doutor Plausível escreveu um artigo curioso afirmando ter contado um a um os casos de name-dropping, de citação de pessoas ou objetos culturais – nacionais e estrangeiros…
Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de internacionalidade. A frase que você acaba de ler é uma cópia quase perfeita daquela que abre o mais famoso texto crítico de Machado de Assis, chamado “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”, de 1873. A troca da nacionalidade pela internacionalidade não tem uma intenção rasa de paródia: com sorte, será o ponto de partida para uma tentativa de jogar luz sobre as respostas novas que a literatura brasileira do século 21 – sim, esta mesmo, que contava com 4.203 leitores na última pesquisa – possa estar formulando agora para o velho problema de produzir arte relevante num país situado na periferia econômica e cultural do mundo. Há também, reconheço, uma forma menos benevolente de encarar este parágrafo: como nariz-de-cera (que em jargão de jornalista quer dizer prólogo enfadonho) para uma resenha do recém-lançado romance “O único final feliz para uma história de amor é um acidente” (Companhia das Letras), do escritor carioca João Paulo Cuenca. Espero ser capaz de desmentir essa impressão. O livro de Cuenca é mesmo o gancho deste texto – para insistir no jargão jornalístico – e vai ser abordado na…