Nos primeiros anos do século XX, escritores de grande importância no cenário intelectual do Rio de Janeiro deram vez a uma discussão que até hoje parece merecer nossa curiosidade. Com grande interesse, eles tentavam responder à seguinte questão: era o Brasil um país de leitores?
O famoso cronista João do Rio, que costumava flanar pelas ruas da capital federal em busca de temas cotidianos e ao mesmo tempo provocantes para suas colunas nos jornais, dizia, ao observar o intenso movimento das livrarias e o número cada vez maior de mercadores ambulantes de livros, que o Brasil, de fato, lia.
Inconformado com a análise do colega, Olavo Bilac, poeta, cronista e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, discordava veementemente. Usando como prova os dados censitários que denunciavam o alto índice de analfabetismo em todo o país e a constante queixa de romancistas eminentes que mal conseguiam esgotar a primeira edição de suas obras, Bilac deixava clara sua opinião: o Brasil não lia, pela “razão única e terrível de não saber ler”.
Assim começa o bom livrinho “O livro e a leitura no Brasil” (Jorge Zahar Editor, 76 páginas, R$ 22), da cientista social Alessandra El Far, lançamento da coleção Descobrindo o Brasil – que tem a proposta de apresentar temas complexos a leitores leigos em linguagem acessível.
É triste constatar que, um século depois da polêmica de Olavo Bilac e João do Rio, os números absolutos da discussão são muito maiores, mas a alma não mudou uma vírgula.
14 Comentários
Sergião, é este o ponto.
Existe uma elite que discute o quê devemos ler.
Quando na verdade estamos atrás.
Nossa gente sequer sabe ler.
Por isso, discutir se um ou outro autor é melhor para as crianças ou para os adultos é uma bobagem.
Uma preocupação exclusiva da crítica e dos críticos que, como bem sabe, ganham com a indústria cultural e com produção de conteúdo crítico, as famosas resenhas.
Abraço.
Gostaria de ver alguém discutindo que “elite” brasileira é esta de que tanto se fala. Na verdade, tudo que existe no país – excetuando-se o trabalho braçal, que respeito – é fruto de uma ELITE. Mas há várias manifestações de elite: econômica, industrial, religiosa, política, educacional, artística, etc. E também uma “elite” governamental. Ultimamente tenho pensado que a “governamental” é a única negativa – as outras fazem o seu papel. Para ficar no assunto da nota: se não sabemos ler é por única e exclusiva culpa da elite governamental porque dar educação básica é responsabilidade do governo.
Uma discussão antiga e cansativa. Muitos são os motivos que deixam potenciais leitores, sem ler. Culpar um e outro é bobagem. Na verdade é um conjunto de fatores. Minha Mãe já dizia: “…para tudo tem jeito; só não tem jeito para a morte…” Então é só alguém dar o primeiro passo, ter uma idéia genial e tudo será como deve ser.
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Pedro, elite governamental é dose… o Estado é necessariamente fruto de disputas políticas vencidas por quem pode mais. Quem pode mais? Ora, quem tem a posse dos meios sociais e econômicos para tal. Logo, a sua elite governamental é um amálgama da meia dúzia de correntes economicamente dominantes. Se o governo não faz sua parte, é apenas um reflexo de que a sociedade (entendida como a resultante de suas relações intrínsecas, das quais a famosa elite é a força preponderante) não faz a sua. Quem culpa “o governo” está, sem perceber, culpando o país inteiro, e cada um de seus membros proporcionalmente a seu poder nas relações políticas.
Quanto à leitura, é realmente engraçado como tem livrarias e vendedores ambulantes de livros neste país, quando sabemos que a maior parte da população não tem nem condições de comprá-los, quanto menos de lê-los, e quem tem condições, salvo honrosas e raras exceções, não tem o menor interesse. Pra mim é um mistério. Vou ler esse livro.
Difícil acreditar que o país não lê quando vemos catadores de papel formando bibliotecas com livros recolhidos do lixo e essas bibliotecas atraindo grande número de leitores. Para mim parece apenas guerra de pontos de vista, que são a vista de dois pontos: um vê livrarias cheias, outro vê estatísticas; com elas confirmam suas certezas.
Te:
A guerra é dos catadores, que à exemplo dos abutres buscam no resto sua sobrevivência.
Difícil acreditar é que jogam-se livros fora, contumazmente.
Difícil acreditar é que o fato de um nanico percentual de catadores de papel que guarda livros recolhidos no lixo possa iniciar um processo dantesco: estimular ou justificar que se jogue fora livros para que se organizem bibliotecas! Um livro deve ser lido até que se extingua.
E a indústria dos exemplares, que fará? Continuará a produzir livros caros, quando poderia reduzir eficientemente os custos industriais, como se faz em paises europeus; editam-se brochuras ao invés de luxo.
Enquanto isso, em Pindorama continua o baile dos iletrados. Fecho com Bilac: não se lê porque não se sabe ler. E acrescento: é mais cômodo assistir à alienante programação televisiva do que ler, é mais emocionante viajar nas drogas do que nas leituras, é mais charmoso ouvir música de péssimo gosto em bando do que as palavras escritas, sozinho.
Leitura é hábito que se cultiva, e bons hábitos originam do conhecimento, logo, ler é conhecer, é evoluir.
Não jogue livro no lixo, nem permita que catadores de papel continuem nesta ocupação humilhante. Antes, posibilite que a cidadania lhes seja devolvida através da educação e do trabalho, e assim teremos uma sociedade mais educada e, consequentemente menos consumista e menos produtora de resíduos. Assim, mais justa.
O buraco é bem mais embaixo, resumido tão somente pelo ineficiente sistema educacional de base, e que pelo andar da carruagem durante um século só piorou e que acabou se tornando um problema cultural brazuca,….. não gostar de ler, nem jornal.
Fala sério!
Muito me preocupa que jovens estudantes, durante toda sua trajetória escolar, não peguem em livros para ler. Estou falando de estudantes cujos pais pagam, em média, seiscentos reais de mensalidades escolares. Fico abismada qdo. me lembro de nossas turmas que, no passado, se deleitavam com José Lins do Rego, A. J. Cronin, Dostoiévski, Tolstói, Emily Brontë, Raul Pompéia e muitos mais; aquele que podia comprar um livro, emprestava-o aos outros e o tal passava em muitas mãos. Talvez seja um mal que tenha remédio. A ojeriza generalizada aos livros não se justifica pelos preços. Hoje, as bibliotecas se multiplicam assim como os sebos. Na banca de jornal livros são encontrados a preços módicos. Talvez se a ABL descesse do seu pedestal e promovesse mais eventos, seria um dos caminhos. O brasileiro precisa deixar de ficar sempre à espera só das ações governamentais.
Avó preocupada, concordo com você. Quem precisa ser sempre estimulado a fazer uma coisa é porque não gosta de fazer essa coisa. Em alguns sebos mais centrais há sempre a banquinha do 1 real. E como se encontram livros legais nessas banquinhas! Precisa apenas de um pouco de paciência. “Ah, mas eles são velhos!”, é a desculpa de muita gente.
Letícia, comigo aconteceu assim: como vivo com o caixa baixo, para ler tenho que lançar mão desses expedientes, entre outros. Certa vez, passando por uma livraria(gosto de apreciar os títulos dos livros, folhear, cheirar, ler suas orelhas)… na saída, percebí um montinho deles. Não é que saí de lá com um volume muito interessante por cinco reais? Ganhei meu dia.
ÔÔôpa, como não, Maria Santos…. Já fiz isso às pampas! Não só os sebos, mas as livrarias que lidam com pontas de estoque, nessas a gente encontra pérolas. Às vezes demora, mas encontra. Aqui em SP sempre tivemos a Papelivros, e agora, as edições da Edusp na praça da Sé. A realidade é esta: quem tem vovtade, lê. Quem não tem, diz que livro é caro.
Paulo Osrevni, desculpe o atraso em comentar sua nota. Sou de uma “elite” obrigada a trabalhar muito e com pouco tempo de folga para ler os “blogs”, já que gosto também de ler outras coisas. É lógico que o governo é fruto do povo que representa, embora, numa boa parte dos casos, este povo é enganado ou não sabe o que está fazendo. E não é exclusivamente “um amálgama da meia dúzia de correntes economicamente dominantes” que produz os governos – ou os bolcheviques jamais teriam feito a revolução de 1917… E, por favor, veja que escrevi “elite governamental”, ENTRE ASPAS, exatamente pensando nisto. Mas é que, ultimamente, depois daquele “perversa elite branca” denunciada por um dos membros desta “elite governamental” (que Deus me perdoe por usar no caso a palavra “elite”, mesmo entre aspas!), ando meio sem paciência com os que acusam sempre alguma “elite” por todos os males do mundo, quando, na realidade, quase todos os bens do mundo sempre vieram de alguma ELITE.
Por outro lado ja se perguntaram o que o brasileiro quer ler?
Vejo tantas criticas, resenhas e livros de autores nacionais que não me despertam nenhum interesse.
Acabo lendo os tais best sellers que muitos aqui, leitores desta coluna entortam o bico até a nuca, tamanha a ojeriza.
A Inglaterra e a França l^eem muito? Sim, lêem Barbara Cartland, Harold Hobbins, Harry Potter (?), Agatha Christie e… Paulo Coelho, pasmem.
Joyce? Não conheço ninguem lá que tenha lido Ulisses. Aqui tem gente que afirma de boca cheia que o está relendo!?!?!
O futebol contagia a criança, ainda pequenina, qdo. ganha a primeira bola. Eu faço a minha parte: o primeiro presente que darei para uma criança, será sempre um livro.