Ninguém tomava ao pé da letra as coisas que Martin Pemberton dizia; ele era melodramático demais, ou atormentado demais, para falar sem floreios. Por isso as mulheres o achavam atraente – viam-no como uma espécie de poeta, embora ele fosse mais crítico do que poeta, um crítico de sua própria vida e época. Assim, quando Martin começou a dizer que seu pai ainda estava vivo, nós que o ouvíamos falar e nos lembrávamos de seu pai tínhamos a impressão de que ele estava se referindo à persistência do mal, em termos gerais.
Alguém, creio que Don DeLillo, já disse que o segredo da literatura está no modo como se enfileiram palavras, o resto é secundário. O que sugere um paradoxo: o que há de mais “profundo” na escrita estaria logo ali na superfície, numa combinação de sinais gráficos que leva o leitor a submergir naquilo – ou ir embora. O primeiro parágrafo de “A mecânica das águas”, do escritor americano E.L. Doctorow (Companhia das Letras, 1995, tradução de Paulo Henriques Britto), é um ótimo exemplo de como pode ser poderoso esse negócio de uma-palavra-depois-da-outra.
Publicado em 1/5/2007.
5 Comentários
vai como sugestão: que tal o começo de O Estrangeiro???
Ri: obrigado, mas o começo d’O Estrangeiro já passou por aqui. E já voltou:
http://colunistas.ig.com.br/sergiorodrigues/2008/08/31/comecos-ainda-inesqueciveis-albert-camus/
Sérgio,
Prefiro mil vezes este começo (ainda) inesquecível: “Quando Neumani entra na sala, a moça de cabelos longos está ajoelhada entre as pernas do coroa de terno branco sentado na grande poltrona marrom.”
Ela tem a façanha de nos inquietar logo de cara, num apelo visual muito intenso e, por que não, erótico.
José Rubens: obrigado pela lembrança e um abraço.
Campanha: Sérgio Rodrigues no twitter.