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Começos (ainda) inesquecíveis: Ivan Ângelo

05/10/2008

Post publicado em 22/4/2007:

Quem estivesse na praça da Estação na madrugada de hoje veria um nordestino moreno, de 53 anos, entrar com uns oitocentos flagelados no trem de madeira que os levaria de volta para o Nordeste. Veria os guardas, soldados e investigadores tangendo-os com energia mas sem violência para dentro dos vagões. E veria que em pouco mais de quarenta minutos estavam todos guardados dentro do trem, esperando apenas a ordem de partida.

E, a menos que estivesse comprometido com os acontecimentos, não compreenderia como o fogo começou em quatro vagões ao mesmo tempo. Apenas veria que o fogo surgiu do lado de fora dos vagões, já forte, certamente provocado.

Assim começa, pegando fogo literalmente e num tom de “jornalismo literário” que logo será explicitado, o romance “A festa”, lançado em 1976 pelo mineiro Ivan Ângelo (Summus Editorial, 4a edição, 1978). Na página seguinte, a explicação: “Trecho da reportagem que o diário ‘A Tarde’ suprimiu da cobertura dos acontecimentos da praça da Estação, na sua edição do dia 31 de março de 1970, atendendo solicitação da Polícia Federal, que alegou motivos de segurança nacional”.

Forte candidato a melhor retrato literário do Brasil nos anos da ditadura militar e um caso raro de texto de altos teores políticos que não abre mão de ser esteticamente afiado, “A festa” é, felizmente, um livro bem vivo: a Geração Editorial lançou sua 11a edição em 2004. No entanto, não parece ter entre as novas gerações de leitores o reconhecimento que merece.

9 Comentários

  • Pedro Curiango 06/10/2008em00:45

    Sérgio: parabéns por lembrar que ”A Festa” é das melhores coisas da Literatura Brasileira da segunda metade do século XX. A edição que tenho do livro, a primeira, com páginas de duas cores (uma referência às páginas amarelas do livro de telefones ou da revista “Veja”) e a mistura entre jornalismo e literatura “high brow” fazem do escritor barbacenense o que melhor assimilou o experimentalismo de certa tradição literária da língua inglesa colando-a numa experiência jornalística (Ivan começou carreira de jornalista na década de 1950, em Belo Horizonte) que já dera duas obras significativas: “Um Ramo para Luísa,” de José Condé, e “O Encontro Marcado,” de Fernando Sabino. Ivan elevou este tipo de romance a um ponto maior, desvencilhando-se de certa facilidade de cronista de Sabino e do bairrismo carioca (Copacabana) de Condé. O resultado é um retrato limpo e límpido do que é o Brasil do início do governo militar. Como o livro tinha sido anunciado como já sendo composto muitos anos antes de sua publicação e como boa parte de sua matéria tem características do “roman à clef,” Ivan retrata também a visão de um grupo renovador , que engloba artistas não só de letras, mas também de teatro, cinema, balé, música e artes plásticas. A geração de Ivan Ângelo é a que leva o mundo artístico belorizontino (e não belo-horizontino…) a tornar-se um dos polos culturais brasileiros. “A Festa” é também o romance daquele geração e daquele momento de transformação, que tem início na década de 1950 (principalmente pela infuência modernizante do governo JK) e se estende para todo lado a partir de 1960. De novo: parabéns pelo reconhecimento de um escritor e de um livro que mereciam muito maior popularidade de leitores e de crítica do que a que tem recebido até agora.

  • Eric Novello 06/10/2008em10:58

    O livro a Sombra do vento do Zafón tem uma biblioteca dos livros esquecidos. Só vai lá quem é levado por um outro alguém e a sua missão é escolher um livro e cuidar para que aquela história não desapareça. É viajante, mas ao mesmo tempo tão real.
    Abs!

  • Claudia Freire 06/10/2008em13:24

    Caro Sérgio,

    Seguirei à risca sua sugestão de leitura.
    Como sempre, agradecida.

  • El Torero 06/10/2008em20:14

    Um humilde membro da nova geração de leitores agradece por mais esta dica.
    abraço.

  • Marcelo 06/10/2008em23:30

    Anna Karenina também tem um dos começos inesquecíveis …

  • Saint-Clair Stockler 07/10/2008em08:06

    Sérgio,

    Desculpa invadir a sua praia com um comentário nada-a-ver (em relação ao assunto deste post, bien sûr), mas sugiro que você escreva algo sobre o poeta e professor Oswaldo Martins, que foi demitido da Escola Parque aqui no Rio simplesmente porque sugeriu a leitura do romance A jogadora de Go, de Shan Sa, aos seus alunos de 7ª e 8ª séries, e uma mãe desvairada leu o livro e achou-o “pornográfico”. Daí, no decorrer desse processo, vieram a descobrir que o Martins é também autor de poesias eróticas – cuja leitura ele jamais sugeriu aos alunos – e, então, resolveram demiti-lo. A explicação da Escola Parque? “Ser professor e poeta é algo incompatível”…

    Céus, juro que estou chocado. Primeiro: por uma mãe doente ter achado o livro da Shan Sa “pornográfico”. Cadê a pornografia dele, gente? Essa mãe está precisando dar umazinha urgentemente! Segundo: ser professor e poeta é algo incompatível desde quando???

    A ironia das ironias? A jogadora de Go, entre outros prêmios, ganhou na França o Goncourt des Lycéens, prêmio atribuído pelos próprios estudantes franceses aos livros que mais lhes agradaram. Que diferença, hein?

  • Sérgio Rodrigues 07/10/2008em16:07

    O off-topic se justifica, Saint-Clair. Essa história é lamentável mesmo.

  • denny yang 08/10/2008em01:55

    Oi, Sergio, fiz referencia ao seu post no meu blog,

    um abraco,
    Denny

  • Mr. WRITER 12/10/2008em00:52

    Espetacular esse começo… Conheci o livro aqui no seu blog Sérgio, mas foi quando foi ao “ar” pela primeira vez no blog.

    Achei fantástico e passado esse tempo continua fantástico. Valeu a dica, mais uma vez.