Este post foi publicado pela primeira vez em 24/11/2006:
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Não não. Papel, não. Ninguém vai falar de papel aqui. Não é coisa que se fale. Papel. Mas já reparou como tem papel por aí, espalhado, empilhado, grampeado, no mundo inteiro, um mundo de papel. Olha bem. Papel de parede, lenço de papel, papel-moeda, toda hora a gente está pegando ou olhando para um papel.
Que nem você aí parado.
E não precisa nem se mexer porque é aqui perto, bem pertinho, nessa página mesmo, que tem uma pessoa a um passo e a poucas páginas da maior complicação da sua vida por causa de um punhadinho bobo de papel.
Não conheço muita gente que concorde comigo, mas lamento que Rubens Figueiredo tenha abandonado tão definitivamente o estilo efervescente de seus três primeiros livros, “O mistério da samambaia bailarina”, “Essa maldita farinha” e “A festa do milênio” – em que brincava desvairadamente com a linguagem em farsas rebuscadas e divertidíssimas –, para se dedicar aos meios-tons melancólicos de obras como “As palavras secretas”, “Barco a seco” e “Contos de Pedro”. Sim, foi esta segunda fase, sem dúvida competente, que tornou Rubens respeitado pela crítica brasileira. Mas eu, que sempre tive medo de confundir seriedade com sisudez, confesso sentir falta de abrir um livro dele e encontrar um início empolgante como o de “Essa maldita farinha” (Record, 1987).
11 Comentários
Este início me lembrou uma cena do filme “Orfeu do Carnaval,” quando Hermes (Alexandro Constantino) mostra a Orfeu um edifício cheio de papéis e o convida a ir a um terreiro.
Tente lei A festa do milênio, mas achei um porre. Nem consegui chegar ao final. Muito chato. Até devolvi ao sebo e troquei por outra coisa.
lei = ler
O próprio autor descarta seus livros iniciais. Fui a um bate-papo em que ele participou e ele parecia ter vergonha de tudo que escreveu antes do Livro dos Lobos.
Sinceramente eu prefiro a segunda fase, mas a primeira também é boa.
Nunca li nada. Esse começo é bacaninha.
Isso me lembra a resposta de Campos de Carvalho quando o Heleno Álvares perguntou a ele sobre Kafka:“Não gosto! Não tem nada de humor. A literatura tem que ter humor. Quando você escrever, não se esqueça nunca do humor.”
O “Farinha” é legalzinho, mas “A festa do milênio” é mesmo um porre. De qualquer forma, Rubens Figueiredo é um escritor que sempre vale a pena.
Agora, esse começo ai, não sei não… não me empolga.
Tampouco a mim, cezar. Parece roteiro de mockumentary, que funciona na tela, ou nas linhas do Machado… Gosto do Figueiredo maduro, apesar de as vezes enveredar por um certo maneirismo.
Acho que estamos parelhos nisso ai, Chico… Acho “Barco a seco” um dos melhores livros da literatura brasileira nos anos 2000. Não é nenhuma obra-prima, mas aquela secura de estilo e da história (que me lembra um pouco o Graciiano) é instigante. Muito embora seja exatamente a “secura” que desagrade o nosso anfitrião Sérgio…
Engano seu, Cezar: secura raramente me desagrada, pelo contrário. O tom cinzento e meio abúlico, sim. Mas o objetivo do meu post não é condenar a segunda fase do Rubens, que já foi suficientemente exaltada. E sim exaltar a primeira, que é freqüentemente condenada.
Nao sei se no Barco a Seco ou no Palavras Secretas, nao lembro – pois ja li ha muito tempo – , mas h a um conto do protagonista se afogando, que prova de maneira efetiva ao que o Figueiredo se propoe. Me lembra muito o conto a Causa Secreta do Machado, no estilo, na paciencia do narrar.
Bom, nao sei, pode ser que o Sergio tenha razao sobre a falta de vontade, esse tom cinzento que o Figueiredo optou na maturidade. Pode ser, pois afinal, ja nao vejo aquele humor recorrente do Samambaia Bailarina…lembro que tinha uma personagem que viva provocando o protagonista com seu rabo de cavalo e sua roupa de malhacao – era engracadissimo. Hoje eu ja o acho mais maneirista, sem ser repetitivo.
Como nao li o Maldita Farinha, nao sei se posso falar mais.