Positivamente, meu irmão foi acima de tudo um torturado. Sua tortura seria interessante se eu a explorasse com critério – mas jamais me preocupei com problemas do espírito. Belo para mim é um bife com batatas fritas ou um par de coxas macias.
Não sou lido tampouco. A única atração que tive por livro limitou-se à ilustração de um tratado de educação sexual que o vigário do Lins fez o pai comprar para nosso espiritual proveito. Uma mulher nua, devorada por cobras e chamas, nas profundezas do inferno. Segundo o texto, era essa a imagem da luxúria e demais safadezas que atentam de uma forma ou outra contra os mandamentos da Santa Lei de Deus.
O livro fez sucesso em nossas mãos. Cometeu-se muita masturbação por causa dele – algumas páginas ficaram emporcalhadas. Se não cheguei a tanto não foi culpa da mulher, bem merecia o pecado, culpa das cobras, sempre me inspiraram repugnância.
Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito.
Assim começa “O ventre” (Alfaguara, 2008, 12.ª edição), romance de estréia de Carlos Heitor Cony, escrito em 1955 e finalmente publicado em 1958 pela Civilização Brasileira. É impressionante constatar como envelheceu bem a narrativa brutal e malcriada do misantropo José Severo, provavelmente o mais bem acabado exemplo de existencialismo à brasileira.
9 Comentários
Gosto muito desse romance. Leitura agradabilíssima. O discurso irônico e mordaz do protagonista é contagiante. E quanta fluência narrativa… Realmente admirável. Um clássico!
Belo livro do Cony…..pena que hoje só cometa sensaborias…
Não li. Mas é mesmo um belo texto.
Livraço! Livraço!
O vetusto “A Arte de Falar Mal”, coleção de crôncias do Cony, é também excelente. Extremamente engraçado, exemplo daquele mau humor delicioso que faz rir.
Otimo livro.
Para mim, “Quase Memória” é imbatível.
A coleção “Carol e o Homem do Terno Branco” é 10!!!!!!!!!!!
Excelete livro! Li quase todos os livros do Cony e gosto muito do seu estilo. Meu preferido é Pilatos!