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Começos inesquecíveis: Carlos Heitor Cony

18/01/2009

Positivamente, meu irmão foi acima de tudo um torturado. Sua tortura seria interessante se eu a explorasse com critério – mas jamais me preocupei com problemas do espírito. Belo para mim é um bife com batatas fritas ou um par de coxas macias.

Não sou lido tampouco. A única atração que tive por livro limitou-se à ilustração de um tratado de educação sexual que o vigário do Lins fez o pai comprar para nosso espiritual proveito. Uma mulher nua, devorada por cobras e chamas, nas profundezas do inferno. Segundo o texto, era essa a imagem da luxúria e demais safadezas que atentam de uma forma ou outra contra os mandamentos da Santa Lei de Deus.

O livro fez sucesso em nossas mãos. Cometeu-se muita masturbação por causa dele – algumas páginas ficaram emporcalhadas. Se não cheguei a tanto não foi culpa da mulher, bem merecia o pecado, culpa das cobras, sempre me inspiraram repugnância.

Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito.

Assim começa “O ventre” (Alfaguara, 2008, 12.ª edição), romance de estréia de Carlos Heitor Cony, escrito em 1955 e finalmente publicado em 1958 pela Civilização Brasileira. É impressionante constatar como envelheceu bem a narrativa brutal e malcriada do misantropo José Severo, provavelmente o mais bem acabado exemplo de existencialismo à brasileira.

9 Comentários

  • Bruno M. Oliveira 18/01/2009em16:14

    Gosto muito desse romance. Leitura agradabilíssima. O discurso irônico e mordaz do protagonista é contagiante. E quanta fluência narrativa… Realmente admirável. Um clássico!

  • Cezar Santos 18/01/2009em16:25

    Belo livro do Cony…..pena que hoje só cometa sensaborias…

  • Tibor Moricz 18/01/2009em23:59

    Não li. Mas é mesmo um belo texto.

  • Marcelo Moutinho 19/01/2009em11:46

    Livraço! Livraço!

  • chato 19/01/2009em16:50

    O vetusto “A Arte de Falar Mal”, coleção de crôncias do Cony, é também excelente. Extremamente engraçado, exemplo daquele mau humor delicioso que faz rir.

  • Chico 02/02/2009em15:29

    Otimo livro.

  • Roberta 03/02/2009em19:56

    Para mim, “Quase Memória” é imbatível.

  • Carlos Heitor Cony 10/09/2009em18:44

    A coleção “Carol e o Homem do Terno Branco” é 10!!!!!!!!!!!

  • Lucia Agapito 24/11/2009em15:12

    Excelete livro! Li quase todos os livros do Cony e gosto muito do seu estilo. Meu preferido é Pilatos!