Sou um homem doente… Sou mau. Nada tenho de simpático. Julgo estar doente do fígado, embora não o perceba nem saiba ao certo onde reside meu mal. Não me trato, e nunca me tratei, por muito que considere a medicina e os médicos, pois sou altamente supersticioso, pelo menos o bastante para ter fé na medicina. (Possuo instrução suficiente para não ser supersticioso e, no entanto, sou…) Não, se não me trato é por pura maldade: é assim mesmo. O senhor não compreenderá isto, por acaso? Pois compreendo-o e basta. Não há dúvida de que eu não conseguiria explicar a quem prejudico neste caso, com a minha maldade. Compreendo perfeitamente que, não me tratando, não prejudico a ninguém, nem sequer os médicos; sei melhor do que ninguém que só a mim próprio prejudico. Não importa; se não me trato é por maldade. Tenho o fígado doente? Pois que rebente!
Eis o início de um impressionante caso de existencialismo antes do tempo: o de “Memórias do subterrâneo” (Nova Aguilar, volume II da Obra Completa, tradução de Natália Nunes), novela lançada em 1864 por Fiódor Dostoiévski.
47 Comentários
Esse livro me deixou com febre durante uma semana.
Dina Zagreb,
Qual foi o Dostoiévski que não te deixou febril? Me conta, que eu acho não li.
Esses dias, comentando a respeito do monstro austríaco que fechou a filha num porão etc. etc. etc., gostaria de ter lembrado esse texto. Se não há loucura ou ignorância, por que não a maldade? Por que não a maldade em si mesma?
Sérgio,
Você está depertando em mim os meus instintos mais primitivos…
Acaute-se.
Acautele-se. (tá vendo? uma partícula já foi devorada!!)
Essa tradução de Natália Nunes é direta do russo? Ou só a da Ed.34 o é?
Muito bom. Não conheço o livro, mas fiquei morrendo de vontade de lê-lo.
é um inicio com intensidade para captar os olhos para a leitura.
mestre dostô!!
Mikhail e sei irmão dostô colocaram um dos melhores tratos existenciais pessimistas da ÉPOCA, em circulação. É de uma leitura densa… e por isso agrada aos líteros psicopáticos que lêem mais de 100 pgs por dia… ops, digo: a nós, os alunos de Dostoiévski.
Ainda bem que ele não virou engenheiro.
Bom começo do autor mais superestimado do mundo.
sou professor de literatura e costumo usar esse texto e o sequente “a propósito da neve derretida” com os alunos. o engraçado é que todos sempre chegam à mesma conclusão sobre o personagem: ele é gay.
nessas horas sinto vontade de chorar.
Ô Daniel! Fosse gay,não deixaria de ser Dosto. O problema é que os seus alunos estão assistindo TV em demasia. “BBB 9” quem sabe.Tente Mafalda, Tim-Tim, ou outro qualquer autor estrangeiro, desse porte,talvez ,acertem.
Dostoievski foi um grande reacionário, partidário obstinado do czar russo (que quase o fuzilou, antes de mandá-lo para a Sibéria, onde cumpriu pena de trabalhos forçados) e, além disso, um devoto seguidor da Igreja Ortodoxa Russa.
Aposto que poucos sabiam disso.
tante belle cose!!! tante belle cose!!!! TANTE BELLE COSE!! e niente. e niente. e niente.
adesso…
TANTE BELLE COSE E NIENTE!!!!
non si puo chorare. DOPO. COMUNQUE.
DUNQUE.
Chorare?!?
Onde o amigo aprendeu italiano? Por certo, assistindo às novelas da Globo.
Si scrive piangere, folle!
Um dos melhores textos do maior de todos. Até o Nietzsche ficou doidão depois de ler esse texto.
Os programas da Globo estão em alta por aqui.
Dostoiévski rules. Quem não gosta, que vá tomar no fiódor,
“ACABOU CHORARE”, IGNORANTI!!!
DOPO, NON SI DIMENTICA PIU MAI: TANTE BELLE COSE… E NIENTE! NIENTE! NIENTE!
Há exatos 7 dias, escrevi sobre Dostoiévski e sua “Síndrome de Stendhal” – http://ow.ly/1J0n
Faz tempo – sempre que via esses seus “começos inesquecíveis” pensava em sugerir esse. É um soco no fígado.
Tive a maravilhosa experiência de ler essa obra-prima num carnaval, numa fazenda sem energia elétrica, com auxílio de uma lanterna, aos 16 anos de idade, com meu tio ouvindo a rádio CBN na madurgada.
* “madrugada”
Sérgio, queria saber mais das diversas traduções e diversos títulos que a obra possui.
Rafael, talvez essas suas colocações sobre a vida do Dostoievski sejam apenas umas das possíveis interpretações.
A biografia que o Virgílio Santarosa, Um cristão torturado, escreveu sobre ele, é menos categórica.
Ele desenha um Fiodor que se posicionou perante o czarismo assim como a maioria dos petistas (ou pelo menos a maioria com bom-senso), oscilado entre o entusiasmo utópico e a decepção completa.
Igualmente, o cristianismo de Dostoievski parece ter sido nada ortodoxo, considerando a nada ortodoxa vida que ele teve, de jogos, amores incomuns e dívidas impagáveis. Aliás, a relação dele com o dinheiro foi, segundo Santarosa, algo de muito peculiar. Quase toda a sua obra teria sido paga com adiantamentos que ele consumia antes mesmo de começar a escrever.
Enfim, chamá-lo de cristão ortodoxo e czarista entusiasta é simplificar a vida de um homem complexo.
Abraços!
Rodrigo,
Todo homem, em realidade, é complexo e, por isso mesmo, inclassificável. Quando a vida de alguém é examinada em detalhe, a conclusão inevitável é que se trata de uma vida carregada de ambiguidades. Olhando-se, sei lá, a vida de Hitler, sempre haverá um ou outro episódio a revelar uma certa hesitação no antisemitismo (não sei como se escreve essa porcaria depois da reforma ortográfica) e aí alguém dirá: chamar Hitler de antisemita radical é simplificar a vida de uma homem complexo.
Depois que esse tal de Hiago resolveu escrever em italiano, até que a qualidade dos textos melhorou!
Parabéns! Hehehe
Ok, mesmo assim eu recomendaria prudência ao ser categórico em relação às inclinações política e religiosas de Dostoievski.
Embora, lembres com acerto de que todos somos complexos e inclassificáveis, parece que alguns fazem disso um fantasma a ser conjurado (Hitler, por exemplo), outros uma profissão de fé. Eu incluiria o russo nessa última categoria.
Mas, Rodrigo, não sei de que texto você tira a conclusão de que sou “categórico” quanto às opiniões, inclinações, crenças de Dostoievski. Você é que está sendo categórico em relação às minhas observações!
Eu disse que Dostoievski foi “partidário obstinado do czar russo”. Obstinado é o adjetivo que utilizei; jamais afirmei que ele seria intransigente ou inflexível. Não é por ser obstinado que alguém não possa às vezes duvidar.
Ademais, nunca escrevi que Dostoievski fosse um cristão ortodoxo. Apenas lembrei que ele era um devoto seguidor da Igreja Ortodoxa, o que é muito diferente. A Igreja à qual pertencia Dostoievski é que era Ortodoxa; mas ortodoxo não era o cristianismo do escritor russo.
Vou citar aqui uma passagem da História da Literatura Universal de Otto Maria Carpeaux, que me parece válida:
“Até hoje, alguns críticos fazem tentativas desesperadas de abstrair da filosofia política e religiosa que Dostoievski proclama em voz alta, até com gritos; por mais que admirem o romancista e o psicólogo Dostoievski, sentem aversão invencível contra seu credo exótico. Mas não adianta. O credo e os valores literários, em Dostoievski, são absolutamente inseparáveis.”
NON CHE HIAGO, IL CINICO!!!
IO SONO ALTRO!!
i non si trovano piu le belle cose
cosi, cosi fan tutte!!
i si non si trovano piu, piange!! DOPO NON SI PIANGE PIU!!!!!
tante belle cose.
Alguém irônico diria que até o nosso presidente Lula, notório poliglota e escritor impecável, escreve melhor em italiano do que esse Chiaretti.
Mas isso seria injustiça para com o Chiaretti.
Por isso, digo: quando um ruminante consegue alcançar os rudimentos da escrita, devemos é expressar admiração e encorajá-lo para que prossiga no esforço. Devidamente estimulado, quem sabe um dia ele não consiga se tornar um boçal?
chiaretti:
quanto você pagou no seu Curso de Idiomas Globo Italiano?
É que tô a fim de aprender umas sacanagens em italiano pra apimentar o sexo…
Este sempre foi o meu primeiro parárafo favorito de todos os tempos, já o li para inúmeras pessoas e pulei da cadeira quando o vi transcrito aqui. Neste parágrafo Dostoiévski indica exatamente o que o leitor pode esperar da leitura e o faz com maestria.
Prefiro a tradução de Boris Schnaiderman para a Editora 34, que às vezes é mais empolado, é verdade. Bom, talvez seja uma questão afeitva, já que foi a edição em que li pela primeira vez Memórias do Subsolo (ou Notas do Subterrâneo ou Memória do Subterrâneo…). Mas veja as duas últimas orações na tradução de Schnaiderman: “Mas, apesar de tudo, não me trato por uma questão de raiva. Se me dói o fígado, que doa ainda mais.”
Você é um tira abjeto, Rafael (30/03/2009 – 16:36)? Afinal, quem quer saber o que o russo pensava sobre religião, política, hortifrutigranjeiros e sexo com animais de pequeno porte (sejamos menos mórbidos)? O que está em questão, aqui, tanto quanto eu saiba, é a sua literatura. É boa? Não é? Prefiro a provocação do Felipe (30/03/2009 – 10:44): É pertinente ao propósito do post.
E antes que eu me esqueça, vá tomar no seu “fiódor”, segundo sugerido por Tibor (30/03/2009 – 17:40).
Rafael,
Eu entendo que “grande reacionário”, “obstinado” e “devoto seguidor”, são afirmações categóricas sobre as inclinações do homem.
Em todo o caso, JH lembra bem, esses detalhes são irrelevantes para a sua obra.
Abraço!
Claro, claro. As convicções de um autor tão passional quanto Dostoievski são realmente irrelevantes para sua obra, pois esta, como sabemos, não o é produto da sua alma atormentada, das suas angústias e credos; ela é, antes, algo que surge ex nihilo, a partir do nada. Fosse Dosteievski um ateu niilista ou um anacoreta devoto, fosse ele um latifundiário abastado ou um pobre miserável, nada disso interferiria na sua produção literária, que seria rigorosamente a mesma. Aliás, conhecer detalhes biográficos de um autor é realmente desnecessário à compreensão da obra, de qualquer obra. Os críticos que se deixaram cegar pela ilusão de que a vida interfere na obra, como parece ser o caso do Otto Maria Carpeaux, que citei anteriormente, são, em realidade, um bando de xeretas, que encontram prazer em escrutinar a vida alheia e, nesse aspecto, não diferem muito das célebres irmãs Cajazeiras, imortalizadas por Dias Gomes.
Sendo assim, porque assim é, acredito que você, caríssimo interlocutor, leu o livro de Virgílio Santarosa movido pela mesma curiosidade mórbida de uma antiga vizinha dos meus pais, a qual, toda vez que entreouvia uma discussão em minha casa, subia, acredito eu, num banquinho e sorrateiramente colocava os olhos sobre o muro, buscando, com esse sutil estratagema, flagrar algum escândalo que certamente apimentaria as animadas conversas no cabelereiro.
MIA NONNA LUPINA!!!!!
MADONNA LEBRE DIO HANE TE INSEGUA!!!!
Então, corrigindo: são irrelevantes para o julgamento da qualidade literária da sua obra.
Pelo visto, com você, tudo tem que ser nos míííííínimos detalhes.
Agora tá bem explicadinho.
Bom, o fato é que está-se discutindo três tópicos de biografia do autor há dezenas de comentários e não se falou da sua literatura, para a qual Rafael acha tão importante o conhecimento biográfico.
É aquilo, hoje o sujeito dá pitaco dizendo que Mailer era machista, Cèline era nazista, Dostoíevski era reacionário e consegue não dizer absolutamente nada da nada, embora maneje informações corretas em si mesmo.
Sem falar que qualquer mala que enuncia as informações mais correntes e carne-de-vaca sobre um autor e ainda sapeca um “Aposto que poucos sabiam disso.” está nivelando seus interlocutores pela média de acessos do IG e, portanto, não merece resposta.
Na minha lógica rudimentar, se a média de acessos do IG revela um número assustador de pessoas semi-analfabetas (em português e sobretudo em italiano) que não se vexam de palpitar sobre literatura, parece-me muito provável que somente uma fração pequena desse grupo é que talvez terá algum conhecimento sobre a vida de Dostoievski. Portanto, a minha afirmativa (“aposto que poucos sabiam…”) se me afigura correta, uma descrição bastante precisa da realidade.
Eu estaria nivelando meus interlocutores se tivesse dito que ninguém sabia disso, pois aí estaria proferindo um juízo absoluto, que não comporta gradações.
No mais, apenas compartilhei alguns dados biográficos, sem deles inferir nenhum juízo de valor sobre a qualidade literária de Dostoievski (até porque a qualidade literária de sua obra é algo que ninguém em sã consciência põe em dúvida).
Mas o assunto do tópico é a literatura de Dostoievski; se não for para falar sobre isso, cale-se.
Bem, se essa é a regra do jogo, então deveriam se calar o italiano de fancaria, as pessoas que relataram as reações fisiológicas que sentiram após a leitura do livro, a que lembrou do caso do austríaco maluco, o sujeito que disse que ficou com vontade de ler o livro, o Tibor com sua excelente piada, o rapaz que mencionou o BBB, o próprio Rodrigo que também tratou da biografia do Dostoievski e, last not least, o Hefestus, que veio aqui não para falar da literatura do Dostoievski, mas para criticar os demais.
DIO HANE TE INSEGUA!
FANCARIA… COSÉ RAGAZZINO STRAZZOPRETI???
C´E TANTE DELLE BELLE COSE… E NIENTE!
COSI SE MUOVE.
COSIFANTUTTI
IL LITERATRICE DELLO SPETACULO FABULOSO, COMUNQUE NIENTE DI QUA.
NEM DI LA.
AL DI LA.
DELLE BELLE COSE.
É um caso clássico de diarréia verbal provocada pela ingestão de macarrão estragado.
“o Hefestus, que veio aqui não para falar da literatura do Dostoievski, mas para criticar os demais.”
Já que você gosta de tudo tão bem explicadinho, permita-me só especificar um ponto, Rafael, que depois me calo, como você deseja.. Eu “vim aqui” porque frequento o espaço com regularidade, não para criticar ninguém. Não tens como inferir o objetivo de minha visita, portanto tua colocação está errada.
E quando eu deixei um comentário, não foi para criticar “os demais”, foi para criticar você mesmo.
Crime e Castigo é até hoje um dos melhores livros que li. O autor tem prestígio em minha estante e vaou conferir assim que possível esse começo e o livro todo. Vai esperar pois tenho um outro débito com o velho Dostô…
A propósito, não gosto muito de biografias de artistas… de nenhum tipo de artista e de nenhum tipo de biografia. Nem filme, nem livro, nem coisa alguma…
Não me interessa saber da vida comum de um artista, seja ele um grande escritor, um grande músico, um grande pintor… Não muda nada para mim enquanto leio o livro, escuto a músico, observo a pintura… Bata-me a obra que por si só deve ser prima…
De vida comum já basta a minha.
Dostoiévski é um ótimo escritor, não me importo se ele era um bom filho, um bom pai, um bom amigo, católico, ou o que quer que ele tenha sido.
Ficaram os livros, agradeçamos o velho escritor pelo excelente lego, o resto, o resto é silêncio.
Síndrome de Stendhal, foi Chuck Palahniuk que falou disso em um de seus livros… realmente Dostoiévski consegue isso.
Chequei lá Claudio. Valeu a dica.
Belo exemplo acima do ocaso mental que acomete blogs. Comentários batidos (se não sabiam das informações óbvias do Rafael sobre Dostoiévski, é que se limitaram a ler sua obra via wikipédia), pretensa “curtura”, e superficialidade mental. E depois apontam o BBB9 como matéria alienígena…
Memórias do Subsolo (ou Notas do Subterrâneo) é um dos melhores livros que eu já li. Excelente também na tradução do Boris Schnaiderman. Agora, quando tiver um tempinho, quero muito encarar os dois volumes de Os Irmãos Karamazov, na tradução do professor Paulo Bezerra.