A história havia nos prendido em suspense suficiente ao redor da lareira, mas exceto pela observação de que ela era horripilante, como, na véspera do Natal em um casarão antigo, qualquer relato estranho devia ser mesmo, não me lembro de nenhum comentário ter sido feito até calhar de alguém dizer que, em sua experiência, aquele era o único caso em que a aparição havia surgido para uma criança. O caso, devo mencionar, envolvia uma assombração numa casa velha exatamente igual àquela em que nos reuníamos na ocasião – uma aparição tenebrosa para um garotinho que dormia no quarto com sua mãe e que a acordou aterrorizado; acordou-a apenas para vê-la, antes que pudesse dissipar seu horror e pô-lo para dormir novamente com palavras tranqüilizadoras, encontrar ela também a visão que o abalara. Foi essa observação que levou Douglas a dar uma resposta – não imediatamente, mas mais tarde – que teria a interessante conseqüência para a qual eu desejo chamar atenção. Outra pessoa contava àquela altura uma história não muito bem-sucedida, que, eu notei, ele não estava acompanhando. Interpretei isso como um sinal de que ele mesmo tinha algo a relatar, e que não precisaríamos aguardar muito. Na verdade, tivemos que aguardar ainda duas noites; mas naquele mesmo dia, antes de nos dispersarmos, ele revelou o que lhe ia na cabeça.
– Eu concordo, no que diz respeito ao fantasma de Griffin ou o que quer que fosse aquilo, que o fato de ele ter aparecido primeiro para o garotinho, e numa idade tão tenra, adiciona à história um toque especial. Mas, pelo que sei, não é o primeiro caso desse gênero sobrenatural que envolve uma criança. Se a criança dá ao efeito mais uma volta no parafuso, o que vocês me dizem de duas crianças?
– Nós dizemos, claro – exclamou alguém –, que elas dão duas voltas no parafuso! E também que queremos ouvir essa história.
Assim, em clima de causo contado em volta da lareira, começa um dos maiores clássicos de terror da história da literatura: a novela “A volta do parafuso” (The turn of the screw, Penguin Books, 1994, tradução da casa), publicada em 1898 por Henry James (1843-1916).
9 Comentários
Nos últimos anos, surgiram novas e interessantes traduções de James, mas ou menos ao mesmo tempo em que eu, modestamente, descobria a existência desse grande. Bom ver aqui um autor tido por “caudaloso”; belo contraponto a tantos “começos inesquecíveis” fragmentários, ácidos, cortantes. James, que é tão cruel, estilisticamente é a própria espiral de parafuso… E, é bom lembrar : está aí um autor que foi também teórico, um grande teórico do romance, nunca desprezando a teoria, que aliás ajudou a conformar. (Estendi-me mais porque, após tantos “começos inesquecíveis” de autores que não li, encontro, felizmente, um predileto!) Abraço.
Amo esse livro! Como foi bom reler esse começo. Agora estou lendo Retrato de uma senhora, também do Henty James, apesar de um pouco diferente.
Um abraço
LP
Vc já leu “Nos penhascos de mármore”, de Ernst Jünger (nova edição que acaba de sair pela Cosac)? O primeiro parágrafo merece constar no seu blog… É maravilhoso!!!
Beijo
Não li, Valéria. Obrigado pela dica. Outro beijo.
Não esqueça também, Sérgio, de algum conto fantástico do Rudyard Kipling: quem sabe o perturbador “O signo da besta” [definido por críticos como matéria peçonhenta] ou, talvez, a candura de “Eles”, comparado, muitas vezes, a este clássico do sobrenatural “A volta do parafuso”, de Henry James. Os fantasmas indianos, sabemos, são mais assustadores que os ingleses…
Pensa-me saber que, nestes tempos bárbaros, um trocadilho de nonada (um “pun”, diriam os ingleses) inaugura uma polêmica idiota à qual acorre um número interminável de paspalhos. Não é à toa que um artista superior e refinado como Henry James passe despercebido, salvo para poucas almas ainda não conspurcadas por esse, como direi?, zeitgeist.
Ao “wit” desse grande escritor a malta prefere o “pun”.
Procurando na Estante Virtual o título, encontrei, também, ‘A outra volta do parafuso’ . Mais uma googada e descubro que uma dupla de dois autores assim preferiram, para eliminar qualquer duvida de que não era nenhum parafuso que retornava, sei lá, para o lar.
abraço.
‘dupla de dois autores…’=’dupla de dois tradutores…’
Achei um porre esse livro do James….