Eu não quis saber, mas soube que uma das meninas, quando já não era menina e não fazia muito voltara de sua viagem de lua-de-mel, entrou no banheiro, pôs-se diante do espelho, abriu a blusa, tirou o sutiã e procurou o coração com a ponta da pistola do próprio pai, que estava na sala de almoço com parte da família e três convidados. Quando se ouviu a detonação, uns cinco minutos depois de a menina ter abandonado a mesa, o pai não se levantou de imediato, mas ficou alguns segundos paralisado com a boca cheia, sem se atrever a mastigar nem a engolir nem, menos ainda, a devolver o bocado ao prato; quando por fim se levantou e correu para o banheiro, os que o seguiram viram como, enquanto descobria o corpo ensangüentado da filha e levava as mãos à cabeça, ia passando o bocado de carne de um lado ao outro da boca, sem saber ainda o que fazer com ele.
Eis o início de “Coração tão branco” (Companhia de Bolso, 2008, tradução de Eduardo Brandão), romance lançado em 1992 pelo espanhol Javier Marías. Sem comentários.
20 Comentários
Coincidência, Sérgio! Estou justamente lendo esse livro do Javier Marías. Sem dúvidas um grande começo, e um ainda maior autor.
Abraços!
Javier Marías é um monstro! Pra mim (naturalmente dentro do limite das minhas leituras), esse livro é um dos dois melhores escritos em qualquer língua nas últimas décadas. Um doce pra quem adivinhar qual é o segundo…
Perturbador. Me imaginei na mesma situação… Fiquei apavorado.
Mas entre “prato” e “quando” eu meteria um ponto, não um ponto e vírgula. Gosto pessoal.
Ainda não li esse livro, mas que grande início, hein?
Porrada!
EEEEEEEEE o/
Finalmente Javier Marías por aqui!!
Acho muito muito bom. Um dos meus ídolos literários.
Ganhei o dia 🙂
Abss!!!
Hum, Marco, agora fiquei curiosa pra saber qual é o primeiro 😀
Gosto tanto dos textos do Javier Marías que quando compro o “El País” de domingo a primeira coisa que faço é procurar sua crônica.
Muitos dizem que a literatura está em baixa… rsrs eu, em resposta, digo que as pessoas, hoje em dia, estão altas demais, com tantas outras coisas, para perceber a literatura… que está sempre maior, mais forte e crescendo a cada dia… Javier Marías é um belo exemplo… assim como você… meu amigo, Sérgio… Parabéns pelo Flowersville!…
Te sigo no meu blog…
Um forte abraço…!
Caro Sérgio, que coincidência.
Faz tempo li esse início no blog do Ricardo Cabral, (agoracomdazibaonomeio.ops.org) e comprei o livro. Li faz algum tempo e ontem, enquanto organizava a estante, com ele na mão pensei que “está aí um bom começo pro Sério Rodrigues”.
Ontem, cara. Vai entender…
“Sem comentários” (2)
André, essas coincidências são curiosas mesmo. Mas a força desse começo ajuda muito, ele merece entrar em qualquer lista do gênero – e se demorou a aparecer aqui, isso se deve apenas ao atraso inexplicável deste escriba em descobrir o Marías. Ao Hiago, Mariana, Ana Maria, Eric e todo mundo, abraços e bom (fim de) carnaval.
sérgio rodrigues admiro seu trab parabéns um grde abç…
Nosso, muito bom mesmo.
Vale uma conferida, até a Companhia de Bolso tem livros bem em conta. Valeu mais essa dica Sérgio.
Obra-prima.
Aih Sérgio, descobri teu blog por acaso e gostaria de segui-lo. Você tem twitter ? Se sim, me adicione lah, muito boa a sua escrita, opnioes e sugestoes.
Parabéns
“Começos inesquecíveis”: As Últimas
http://asultimas.com.br/?page_id=35
Amei, adorei, nem sei falar direito. Depois que eu absorver, eu volto. (Ah!: já coloquei como página de abertura aqui em casa.)
Caraca! Maravilhoso e simples ao mesmo tempo. Bjs
O começo de “Coração tão branco” é mesmo impactante, até mais do que o de outro livro do Javier Marías, que tb recomendo: “Amanhã, na batalha, pense em mim”. Só que o impacto e a agonia duram bem mais do que esse parágrafo…
Realmente, é um grande escritor. Aqui em Madrid, leio sempre suas cronicas dominicais no El Pais Semanal.
Neste blog é possível encontrar algumas delas:
http://www.javiermarias.es/blog.html
e também aqui:
http://javiermarias.es/wordpressblog/