Esta é uma história para ser lida na cama de uma casa velha em noite chuvosa. Os cachorros dormem e os cavalos de montaria – Dombey e Trey – podem ser ouvidos em suas baias do outro lado da estrada de terra, para lá do pomar. A chuva é suave e necessária, mas não desesperadamente necessária. O nível dos lençóis freáticos se mantém equilibrado, o rio próximo é abundante, os jardins e pomares – é uma virada de estação – estão irrigados no ponto ideal. Quase todas as luzes estão apagadas na pequena vila junto à queda d’água onde o moinho, tantos anos atrás, movia um tear de algodão.
Assim, em clima idílico, começa a novela Oh what a paradise it seems, do grande estilista americano John Cheever, lançada às vésperas de sua morte, em 1982 (Vintage International, 1991, tradução caseira – mas o livro tem uma edição recente no Brasil pela Arx, com o título “Ah, até parece o paraíso”). A história do velho executivo Lemuel Sears, apresentado como um sujeito do tempo em que as banheiras tinham pés em forma de garras de leão, merece como poucas o clichê “pequeno grande livro”. Com sua mistura quase porra-louca de ingredientes – descobertas sexuais na velhice, ecologia, gangsterismo –, teria tudo para desandar se não viesse embalada na prosa exata e encantatória de Cheever, sempre equilibrada em algum lugar improvável entre secura e musicalidade, comédia e drama, ternura e cinismo. Impossível negar que o cara é antes de tudo um contista, mas essa novela intrigante não fica muito atrás de seus clássicos curtos como “O nadador”.
16 Comentários
Oi, eu vou te ver na FLIP!
Bjs
Era o que faltava pra eu colocar esse livro na minha lista.
………Ronaldo!
Ei Sérgio!… Me ajude?! Que livro devo ler de Cheever? Por onde começar?…
Abraço.
David, melhor começar pelos contos, sem dúvida. Se não gostar muito de contos, por esta novela mesmo.
Valéria: que bom, nos vemos lá.
Abraços a todos.
Sérgio, eu tinha começado a ler essa novela de Cheever. Interrompi e agora vou voltar a ela graças a esse início. Em tempo: sua tradução está praticamente igual à da Arx. Abs.
Tem certeza, Paulo? Isso é bem curioso. Se puder reproduzir aqui o trechinho da Arx, ficarei agradecido.
Uma entrevista excelente com o Cheever no Paris Review: http://www.theparisreview.com/media/3667_CHEEVER.pdf
Aliás, o The Swimmer está largamente disponível na web. Um google search rápido e pronto (mas sugiro imprimir: é o tipo de coisa que não dá pra ler assim, sentado na telinha no computador).
Sérgio, lá vai:
“Esta é uma história para ser lida na cama, em uma casa velha, numa noite de chuva. Os cachorros estão dormindo e os cavalos selados – Dombey e Trey – podem ser ouvidos no estábulo, do outro lado da estrada de terra, além do pomar. A chuva é suave e necessária, mas não necessária com desespero. Os lençóis d´água estão na altura certa, o rio próximo esta cheio, os jardins e os pomares – estamos na época da mudança da estação – estão sendo irrigados à perfeição. Quase todas as luzes estão apagadas no vilarejo junto à cachoeira, onde a tecelagem, há tantos anos, costumava produzir fazendinha xadrex.”
Paulo, discordamos bastante. Fora a intenção evidente de acompanhar o original de perto, as duas traduções me parecem diferentes na maioria das soluções escolhidas. Mas obrigado por esse pequeno exercício matinal. Um abraço.
Concordo, Sérgio. Sobretudo pela economia (sua) do verbo estar, cuja repetição na tradução da ARX emboprece demais o texto. Além disso, “necessária com desespero” é artificial, ruinzinho. A gente bota o olho e vê logo que é tradução do inglês. Você não vai dizer, é claro, mas eu posso: o resultado da sua é infinitamente melhor.
comprei seu novo livro hoje. depois do almoço começarei a leitura. do cheever encomendei um de contos. vamos que vamos. abraço e obrigado pela dica.
sérgio, o Elza é 2008 ou 2009? O copyright dá 2008, mas a informação sobre a impressão diz 2009.
Abraço, Mariana
Mariana, oficialmente Elza é de 2008, ano do registro e de uma edição especial de dois mil exemplares para bibliotecas, que não chegou às livrarias. Comercialmente, o livro passou a existir em março deste ano.
Conhecia o John Cheever do episódio de Seinfeld em que é revelado que o pai de uma namorada do George foi seu amante (The Cheever letters). Outro pra minha lista de leituras.
Bela abertura de novela. Alias, também sou fissurado em livros que começam em alto estilo. No meu blog (http://versoetudomais.blogspot.com) dou umas pinceladas em alguns dos que mais gosto, como Ana Kanina, Lolita e Retrato do artista quando jovem
Grande abs e parabéns pelo conteúdo.
LK