Irmãos humanos, permitam-me contar como tudo aconteceu. Não somos seus irmãos, vocês responderão, e não queremos saber. É bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também edificante, um verdadeiro conto moral, garanto a vocês. Corre o risco de ser um pouco longa, afinal aconteceram muitas coisas, mas, se calhar de não estarem com muita pressa, com um pouco de sorte arranjarão tempo. Além do mais, isso lhes diz respeito: vocês verão efetivamente que lhes diz respeito.
A voz metálica de Max Aue, o ex-nazista monstruoso – mas, ele tem razão, humano – que carrega uma história “um pouco longa” de 900 páginas e 6 milhões de mortos para contar, preenche o início de “As Benevolentes” (Alfaguara, 2007, tradução de André Telles), de Jonathan Littell, com uma ressonância sinistra que, entre modulações mais ou menos violentas, persiste até o fim. Quem se interessar em saber mais sobre o romance, um grande livro grande, pode ler a resenha que publiquei na época aqui.
10 Comentários
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Ainda não li o livro e ainda acho que a tradução do título poderia ser “As Fúrias”.
Enfim: viadices de Saint-Clair Stockler.
Saint-Clair, me lembro dessa conversa, mas confesso que, um ano depois, ainda não consegui imaginar por que, se o título original usa o eufemismo consagrado para as Fúrias, a tradução não deveria usá-lo também. Aproveitando que isso aqui está um tremendo marasmo pré-natalino, quem sabe você gostaria de explicar essa preferência? (Acho que tenho uma certa fama de irônico, mas garanto que o pedido é sincero.) Um abraço.
Antes que eu acabe me esquecendo (ou que me encontre tão atarefado a ponto de), Feliz Natal para todos os comentaristas do Todoprosa e pra você, Sérgio.
Ainda não li As Benevolentes, mas vou fazê-lo, prometo.
A História nunca muda, os personagens sempre.
Sérgio,
Tudo bem: sei que o título original é Les Bienveillantes e tudo o mais, e que “As Benevolentes” era o modo com os Antigos (fica melhor assim, né? com “A” maiúsculo) usavam para se referir às Fúrias, que eram terríveis, terríveis!; um jeito assim de tentar aplacá-las, meio como a gente faz com um pit-bull, chamando-o de “bonzinho” ou “bonitinho” um segundo antes dele pular na nossa jugular, mas é que acho que pra se entender o título plenamente, neste caso específico, precisa-se conhecer esse pequeno detalhe a respeito da mitologia – e será que o leitor comum o saberia? Aliás, será que o leitor “comum” leria As Benevolentes (mas esse é outro papo). Imagina que eu tô na livraria, eu Leitor Comum, e me interesse por comprar um livro de 900 páginas com o título de “As Benevolentes” – aí eu descubro, depois que comprei, que o livro trata principalmente das atrocidades cometidas pelos nazistas, e que é narrado por um deles… Eu não sei aquele pequeno detalhe da Mitologia Antiga. Vou achar esquisito, não vou? “Que porra de título é esse que não faz sentido?” Ao passo que, com a tradução de As Fúras a coisa faz muito mais sentido… Porque “fúria” tá no mesmo campo semântico de “violência”, “holocausto”, “genocídio”, “loucura” e por aí vai…
Bom, tudo bem, confesso que é só uma opinião minha, e que provavelmente ninguém – NINGUÉM! – daqui há de comigo concordar, mas… Eu teria feito assim.
Tibor,
Você sabe a minha opinião a respeito do Papai Noel, não sabe? Esse velho pedófilo criado pela Coca-Cola. Então não me deseje “feliz natal”, seu sátiro! ¬¬
Saint-Clair, eu concordo plenamente com voce. Penso que grande parte da receptividade de um livro pelo leitor se dá logo no título da obra. No presente caso, voce foi certeiro em diagnosticar um comportamente muito comum na hora da compra de um livro. Valeu!
O livro é uma bela pancada. Leitura altamente recomendada. Mas separe um tempo e ataque-o logo, porque 900 páginas podem se prolongar por muitos meses, o que tira um pouco a força da narrativa.
Só eu senti simpatia por Aue da metade para a frente? seria uma espécie de síndrome de estocolmo?
O leitor comum francês também pode não saber que “as benevolentes” é um eufemismo.
E um cara que compra um livro de 900 páginas só pelo título, sem nem ler a orelha (que sem dúvida vai mencionar que se trata de um relato de um nazista) merece se decepcionar.