Eu sobrevoava com o meu helicóptero os caminhões despejando areia no limite do imenso mar de gelatina verde. Sobrevoei a praia que estava sendo construída e o helicóptero passou sobre o caminhão de gasolina onde um negro experimentava o lança-chamas. Eu falei com o piloto do meu helicóptero apontando o caminhão de gasolina, e o helicóptero fez uma manobra sobre o caminhão-tanque e pousou alguns metros adiante. Eu saltei do helicóptero e gritei para o enorme negro que verificava o lança-chamas: “Hei!” Eu perguntei a ele como estava o lança-chamas para funcionar como coluna de fogo. O preto disse que eu me afastasse alguns metros e ligou o lança-chamas para o alto. O lança-chamas esguichou para cima um jato de fogo e o enorme negro fazia sinais para o homem que controlava a gasolina junto ao carro-tanque. Eu gritei para o negro que estava ótimo, que era exatamente aquilo que eu desejava. O negro foi controlando a saída de gasolina e a enorme nuvem de fogo erguida para cima foi diminuindo até se extinguir. Eu perguntei ao negro se ele sabia onde ele ia se esconder com o lança-chamas. O negro respondeu que o engenheiro já havia construído uma pequena elevação no mar de gelatina verde, e o esconderijo já estava cuidadosamente construído. “E o Burt?”, perguntei. O preto disse que não sabia, quando eu vi surgir do fundo de um edifício um caminhão trazendo Burt Lancaster com duas enormes asas brancas sobre os ombros. O caminhão estacou e eu perguntei: “Tudo bem, Burt?” “Péssimo!…”, respondeu Burt de cima do caminhão, com seus trajes brancos e as duas asas de anjo para cima.
A homenagem póstuma deste blog ao escritor paulistano José Agrippino de Paula (1937-2007), que morreu de enfarte na quarta-feira da semana passada e estaria completando 70 anos nesta sexta, vem na forma do trecho inicial de um brilhante – e rigoroso – delírio pop chamado “PanAmérica”, de 1967 (Editora Papagaio, 3.a edição, 2001).
18 Comentários
5 vezes a palavra helicóptero em 8 linhas. Vai gostar de helicópteros assim lá no campo de marte.
Tibor, não é só isso. Repare quantas vezes se diz “o negro”, “lança-chamas” e, principalmente, “eu”. Essas repetições são fundamentais no estilo “chapado” do Agrippino. De onde você acha que o André Sant’Anna tirou as dele?
Oras, nem reparei nas outras repetições. Isso é resultado da cannabis sativa… por isso “chapado”? hehehehe…
Quem sabe, mas eu usei “chapado” no sentido de sem meios-tons, assumidamente raso.
tibor: as repetições em literatura estouraram junto com os miolos de hemingway.
Não posso ir muito além no comentário porque não li o PanAmérica, mas por esse trecho estou certa de que não o lerei, parece chatíssimo.
Pois é, também não curti muito a prosa do aGrippino, não (só li o PanAmérica). Tipo, penso que simplesmente o estilo dele não me “capturou”. Mas nesse nicho de escrita delirante/onírica, de imaginação, ou rólulos afins, acho interessante o trabalho de figuras tipo Campos de Carvalho, Bill Burroughs, Arrabal e por aí.
O começo é meio J G Ballard (circa The Drought), mas tb acho que as repetições (negro, helicóptero), nesse caso, tiram um pouco de musicalidade do texto. Excesso de gerúndios tb. Ou seja: excessos.
Li PanAmérica e o mais próximo de onírico que posso dizer do livro é que ele me fez dormir várias vezes. Muito chato, embora vanguarda, ou chato por este mesmo motivo. Do mesmo José Agrippino, procurando bem na internet, acha-se trechos mais interessantes de outros livros ou crônicas. Mas talvez seja apenas isso, um bom autor de excertos, cujos livros consituem um jornada difícil para o leitor…e sonífera, pelo menos no meu caso.
O que mais aprecio, em todos os comentários sobre todos os textos do Sérgio, é a forma altamente egocentrica com que os leitores encaram a literatura de escritores que consideram altamente ególatras. Tanto esforço para ser tratado de forma tão superficial: gostei, não gostei.
Mas uma coisa é certa, caro Sérgio, a janela de comentários do seu blog é um dos mais férteis terrenos para descobrirmos novos redatores para A PRAÇA É NOSSA, quanto para discutirmos literatura séria.
Aproveitando, Wilson, a deixa sobre comentários subjetivos nesse espaço tão democrático, quero dizer que apesar desse país estar num patamar iníqüo de corrupção, a gente se sente meio primeiro mundo com uma editora como a Cosacnaify. Acabo de receber dois livros em casa, duas maravilhas editoriais – lindos, cuidadíssimas edições, objetos raros, daquelas coisas que dão realmente prazer: O passado, que coisa mais linda, Wilson! E Gran cabaret demenzial. Quando os tiver lido, terei prazer também em fazer comentários subjetivos e pessoais, graças à liberdade dos blogs.
sempre quis ler esse livro, mas nunca achei na biblioteca (é… eu uso biblioteca pública ou de faculdade…rs.).
Pensei que eu era útopico, mas há pessoas piores… querer profundidade em comentários de blog? Nos textos dos blogs já não é muito fácil achar isso… imagina nos comentários. Aproveita que estamos falando de livros e vá direto à fonte, aos livros. Mesmo assim, não será em todos que irá encontrar a tal “profundidade”.
Concordo com o Kleber.
Quer profundidade? Vá ler os anais de congressos científicos e revistas científicas. Pode começar com as “magazines” indexadas e produzidas nos USA e depois dos sete grandes.
Quero ver alguém usar hoje em dia a palavra negro, ou japa, ou branquelo, criolo, alemão, americano burro entre outras em um livro… O politicamente correto é mesmo muma grande bosta que domina tudo… Pena, não se pode mais ser irônico, sarcástico, cáustico e destilador de humor negro… É politicamente incorreto… mundo chato.
Nossa! Que triste ele ter falecido. José Agripino teve um período em sua vida que ficou catatônico. Finalmente fizeram a reedição de seu PanAmérica. Esgotado faz muito tempo. Ainda bem que foi antes de ele falecer.
Obrigada Sérgio pela lembrança de um dos grandes nomes da nossa literatura.
Negão lançando chamas, Burt Lancaster e gelatina verde? Fale um pouco mais sobre sua relação com seu pai…