Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou para me levar de volta; minha mão, pouco antes dinâmica e em dura disciplina, percorria vagarosa a pele molhada do meu corpo, as pontas dos meus dedos tocavam cheias de veneno a penugem incipiente do meu peito ainda quente; (…)
Nunca, na literatura brasileira, teve a velha quiromania, o onanismo, a punheta, o cinco-contra-um tratamento verbal tão suntuoso quanto no início – aqui em corte arbitrário, pois os pontos-e-vírgulas ainda vão longe – do romance “Lavoura arcaica” (Companhia das Letras, 3a. edição, 1989), obra-prima publicada em 1975 por Raduan Nassar.
22 Comentários
Punheta lírica.
Belíssimo início, como são belos o meio e o fim dos dois livrinhos dele.
Raduan…me lembro da primeira vez que o li, nos meados dos anos 80… que porrada senti!
Como um escritor desse desiste da faina literária!?
Acho que o cara desistitiu porque achou que escrever é fácil demais…
Seus dois livros são literatura concentrada em altíssima voltagem…
Raduan Nassar que presenteou-me com uma edição capa-dura de Menina a Caminho – edição comemorativa da Cia. das Letras limitada a 1.500 exemplares – após ter lhe enviado uma carta, em 1995. Foi muito cordial e autografou o meu exemplar. Eu era na época um adolescente e fiquei extremamente feliz neste dia.
Pouco entendo sobre literatura. Não passo do “gosto”, “não gosto”, etc. Mas ouso dizer que sua obra já nasce como clássico. Ao menos Lavoura Arcaica.
abraços,
lao
Outras denominações para a masturbação: bronha, vício solitário, sexo solitário.
Uma injustiça a menos neste mundo.
Cezar, são três os livros dele. Por acaso você não incluiu Menina a Caminho na conta por ser de contos?
Existem livros que não podem ser esquecidos. Esse deve ser exautado em cada vírgula!
Não sei se vocês conhecem, mas há um brilhante perfil/ensaío/novela sobre Raduan Nassar, escrito pelo José Castello no livro de perfis/ensaios “Inventário das Sombras”. O livro também narra encontros que castello teve com nomes como clarice lispector, saramago, manoel de barros, trevisan, e mais.
http://www.editoras.com/record/053322.htm
fica a dica e obrigado pela lembrança do magistral lavoura arcaica. (quem não assistiu a adaptaçao pro cinema, feita pelo luiz fernando carvalho, por favor, o faça)
E exaltado também!
Como bem comentou lao sobre “gosto” e “não gosto”, sou um dos que não compartilham do entusiasmo em torno da obra do citado autor (só li o Lavoura mesmo). Curioso é que, sempre que falam do Raduan, a primeira coisa de que me lembro é uma frase dele em uma entrevista, anos depois de ele ter abandonando definitivamente a literatura. Mais ou menos assim: “Meu único contato com a escrita tem sido na hora de fazer a contabilidade da fazenda.” Figuraça.
voce é fenomenal.inigualavel,parabens
bonito mesmo.
vou ter que me gabar: raduan foi amigo do meu pai (antes de ele se exilar, por assim dizer, e meu lavoura arcaica é dedicado a ele…com direito a um “ao meu amigo….”
fora isso, é um baita livro, um dos poucos que eu li mais de uma vez, com muito cuidado….uma lição pra nossa geração de escritores que ficam dando voltas em torno do proprio umbigo….
outra frase genial, tambem da entrevista da “veja”: perguntaram o que ele mais gostava de fazer….bom, ele é o raduan nassar, vc pensaria que ele responderia ” ler dostoieviski, discutir filosofia”, algo do genero….ele me solta um singelo”dormir, dormir é o que eu mais gosto de fazer”….fala sério!
Bem, já que estamos falando no tal amor solitário, aí vão versos do Martinho da Vila em “Ex-amor”. Não são tão elaborados quanto as frases do Raduan, mas têm o seu valor – não me lembro de outra música brasileira que trate do tema.
“Quando a saudade bate forte
é envolvente,
Eu me possuo
e é na sua intenção.
Com a minha cuca
naqueles momentos quentes,
em que se acelerava o meu coração.”
Tibor, você tem o dom de escrotizar tudo em que toca. Seria uma espécie de Midas moderno?
Saint-Clair,
Concordo com voce. Ao invés deste termo escroto, que tal polução noturna?
Hmmm… a rosa branca do Raduan Nassar se despetalou durante a noite? Ele estava dormindo? As petalas ficaram grudadas, escorridas, no púbis? Ele lavou essas pétalas antes de sair com o irmão? Então não é polução noturna. Quanto muito, poluição noturna se ele soltou alguns gases durante o trabalho na lavoura.
Maria Mendes,
Esqueci o “Menina …” por lapso mesmo. Eu tenho esse livrinho, por sinal. Talvez o tenha esquecido porque Raduan o lançou quando já tinha renegado o labor literário, deve ser por isso que meu subsconsciente me traiu…
Pois é, Cezar. O curioso é que, embora tenha sido lançado por último, ele reúne escritos anteriores ao romance e à novela, com exceção apenas de “Mãozinhas de seda”, se não me engano. É um livrinho muito bom mesmo.
Olha que o Noll também tem ótimos momentos no novo romance, “Acenos e afagos”… Bjs
Oi Valéria, bom ver você por aqui. Você se refere a ótimos momentos de “dura disciplina”, como diria o Raduan?
Que cena! O sexo incestuoso de ‘Lavoura arcaica’ | Todoprosa - VEJA.com