Sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma como os que assombravam Edgar Allan Poe; nem um desses ectoplasmas de filme de Hollywood. Sou um homem de substância, de carne e osso, fibras e líquidos – talvez se possa até dizer que possuo uma mente. Sou invisível, compreendam, simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver. Tal como essas cabeças sem corpo que às vezes são exibidas nos mafuás de circo, estou, por assim dizer, cercado de espelhos de vidro duro e deformante. Quem se aproxima de mim vê apenas o que me cerca, a si mesmo, ou os inventos de sua própria imaginação – na verdade, tudo e qualquer coisa, menos eu.
Assim começa o prólogo de “Homem invisível”, romance lançado em 1952 com grande sucesso por Ralph Ellison (Marco Zero, 1990, tradução de Márcia Serra) e em geral considerado o ponto mais alto da literatura negra americana – o que bem pode ser verdade, embora eu confesse um fraco pela prosa mais fina de James Baldwin. Quando se fala em romance de tese (como acredito ser o caso aqui, com um “homem invisível” e sem nome que simboliza todos os negros vivendo numa sociedade racista), é difícil imaginar começo mais direto e eloqüente.
10 Comentários
CURIOSIDADE – No número de 9/16 fev da “The New York” há um artigo de Claudia Roth Pierpont sobre James Baldwin, no qual ela diz que Baldwin afirmava não ter recebido o “National Book Award” em 1953 pelo seu livro autobiográfico “Go Tell on the Mountain”, porque, tendo Ellison recebido o prêmio em 1952, seria esperar muito que outro autor negro o recebesse no ano seguinte.
Correção: “Go Tell It on the Mountain.”
Prezado Sérgio,
Penso que a literatura não deve ser objeto de visões reducionistas, compartimentalizdas. Ora, não existe uma “literatura negra”, muito menos uma “literarua feminina” ou coisa que o valha. Segmentar a escrita é uma forma de estereotipá-la, cheira a preconceito. Criam-se guetos, que posteriormente começam a reivindicar certos privilégios na análise, certas condescendências que a literatura dita “normal” não teria. O que existe é simplesmente literatura, seja escrita por negros, mulheres, anões, gays, heteros, etc.
Off topic:
Sérgio, perdoe-me por fugir ao assunto do tópico, mas a notícia merece ser divulgada. A editora do Senado Federal reeditou a monumental “História da Literatura Ocidental”, de Otto Maria Carpeaux, em quatro volumes, que totalizam 2879 páginas. A coleção completa pode ser adquirida diretamente no site da livraria do Senado Federal por apenas R$ 200,00. Quatro volumes, quase três mil páginas, por duzentos reais, isso é, sem dúvida, um prodígio.
Quem tiver interesse, basta acessar a página: http://www.livrariasenado.com/produtos.asp?produto=402
Ah, um detalhe: o frete é grátis para todo o Brasil.
O homem invisível. Livro bem difícil, mas facinante. Uma verdadeira obra prima, que merece ser relida. Sendo negro, sei exatamente o que ele quis dizer e a sensação de invisibilidade que a personagem/autor experimentou. Mas concordo com voce, Baldwin é dententor de uma das melhores prosas e algumas das melhores páginas da literatura moderna, indo além e transcendendo a discussão de raça para tocar direto, com bastante vigor, temas universais. Giovanni é imperdível para qualquer um que goste de excelente literatura.
Só uma pergunta: que é que o Senado Federal tem a ver com Literatura Ocidental?
Não sei, mas essa reedição do Carpeaux é mais que bem-vinda.
Semana passada, lembrei com minha filha o início de “Rebeca”, da Daphne Du Maurier, que marcou muito a minha adolescência. (Eu não sabia das acusações de plágio, etc).
Diz mais ou menos assim (não tenho mais o livro): “Noite passada, sonhei que voltava a Manderley…” E por aí ela desfia a história.
Gostei tanto desse livro! Vou procurar para dar a minha filhota.
Baldwin. Basta ler o início de Giovanni para saber que ele é um escritor, um autor. Foi, inclusive, o primeiro a me dar essa impressão imediatamente.
por favor
gostaria de saber onde posso ler mais sobre o “estilo literário” de Ralph Elisson. Na net, preferencia. Desde ja´agradeço.