Ele – pois não havia a menor dúvida a respeito de seu sexo, embora a moda da época contribuísse para dissimulá-lo – empenhava-se em desferir golpes de espada numa cabeça de mouro que pendia das vigas do teto.
Faltava Virginia Woolf nesta seção. Não mais: eis a primeira frase do magnífico “Orlando”, romance publicado em 1928 (Grafton Press, 1986, tradução caseira). O gancho de suspense plantado ali entre os travessões só vai se explicar lá pelo meio do livro, quando Orlando acorda de um sono mórbido de dias:
Ele se espreguiçou. Levantou-se. Ficou de pé diante de nós, inteiramente nu, e enquanto as trombetas ressoavam, Verdade! Verdade! Verdade!, não nos resta outra saída senão confessar – era uma mulher.
31 Comentários
Meu caso de amor com V. W. é um dos mais complicados. Levei anos tentando gostar dela, sem sucesso. Mas insisti, porque achava que ela merecia isso. Até que um dia, finalmente, consegui ler Ao farol, e me apaixonei. Há trechos daquele romance que ainda sei quase que de cor, as imagens estão vívidas na cabeça. Mas ainda não consegui “vencer” o Orlando, que acho um livro cansativo. Continuarei tentando, claro. V.W. é melhor do que 98,87% de toda a literatura brasileira publicada atualmente. E, cada vez mais, sigo a regra: “Na dúvida, volte aos clássicos!”
Saint-Clair,
Gozado, tenho praticamente a mesma opinião sobre “Orlando”, ao qual acho enfadonho, cansativo. Li-o às duras penas. Mas quanto ao “Mrs. Dalloway”, puxa vida, que maravilha… é uma delícia!
PS. Dia desses, ao entrar numa Siciliano, quase não acreditei. Vi uma novíssima edição da Cosac, dos “Contos Completos” da Virginia, capa dura, quase 500 página… a 27 reais. Rsss… era o último e naturalmente está agora abrigado aqui no meu criado-mudo. Ganhei o dia…
Eu recém cheguei a teu blog. Te “conheço” faz um ano, no máximo.
Mas tinha CERTEZA que o começo de Orlando já estava aqui…
Grande abraço e bom findi.
Cezar,
Então você ganhou um presente dos céus. 27 reais? Quase dado! Ainda mais porque os livros da C&N costuma ser caríssimos (uma ediçãozinha minúscula, sem capa dura, do A invenção de Morel tá custando quase 40 pratas!)
Acho então que todas as lojas da Siciliano estão vendendo Cosac & Naify (e de outras) em promoção: aqui no ABC deparei com vários e pesquei O vermelho e o negro (de 70 por 40).
Milton, confesso que sua certeza me fez investigar o arquivo. Sei lá, a memória às vezes nos prega peças – no meu caso, com freqüência cada vez maior. Mas Virginia Woolf não tinha mesmo aparecido na seção até hoje. Fico contente de pagar essa dívida com ela e comigo mesmo – fui apaixonado pela dona nos anos 80. E para quem tiver ficado em conflito diante de minha recomendação enfática e da resistência manifestada por alguns leitores, convém dizer o seguinte: Orlando é um livro exigente, sim. Tem a pretensão de bordar na mesma tela e no mesmo fôlego 350 anos de Hstória (do mundo) e de história (do/a protagonista). É tão difícil quanto, sei lá, Rosa ou Proust. Para funcionar depende um pouco mais do que a média do investimento do leitor e, principalmente, do momento vivido pelo leitor. Vale a pena tentar assim mesmo? Vale, sempre, ontem ! Porque se os santos se cruzarem a experiência resultante será mais do que estética, será daquele tipo que se aproxima da religiosa. Não são tantos assim os artigos que se encaixam nessa categoria. Orlando é um patrimônio da humanidade. Abraços a todos.
eu a conheci por um filme. dizia “you can not find peace avoiding life, Leonard”. quero ler algo de Woolf, porque ainda não li, embora seja linda (desde já, vejo-a assim). faz-me sentido o que tenho conhecido dela.
De minha parte, fico agradecida pela dica. Foi um lindo jeito de apresentar o livro, ficou impossível resistir.
Poxa, acho que o post merecia um spoiler warning…
Abs.
Bem, era o que faltava… Assim que passar o vestibular, vou criar vergonha e pegar na biblioteca pública um volume que tem Mrs. Dalloway e Orlando, com tradução do Mário Quintana e da Cecília Meireles respectivamente, se não me engano. Espero que seja tão bom ou melhor que Ao Farol.
Outro Paulo, em geral tomo cuidado com spoilers, mas a metamorfose de Orlando é tão segredo de Polichinelo quanto o sexo de Diadorim. E vai por mim: saber disso de antemão não atrapalha nada.
CARO SÉRGIO,
SOU ESCRITOR, POETA, MÉDICO E POSSUO UM BLOG. SOMENTE ESTE ANO RESOLVI EXPOR OS MEUS ESCRITOS. GOSTARIA MUITO, SE FOSSE POSSÍVEL, QUE VOCÊ VISITASSE O MEU BLOG. JÁ TIVE UM SONETO MEU “SONETO IV” POSTADO NO BLOG DO ANTÔNIO CÍCERO… E EM ALGUNS OUTROS DA ÁREA LITERÁRIA. SOU ALAGOANO E AMO DEMAIS A POESIA. O ENDEREÇO É: http://astripasdoverso.blogspot.com. DESDE JÁ AGRADEÇO A VISITA. E SE VOCÊ ACHAR ALGO DIGNO E DE MÉRITO, FICARIA GRATO SE POSTASSE EM SEU BLOG UMA CRÍTICA SOBRE OS MEUS ESCRITOS!
PAZ E LUZ!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.
Adriano,
NÃO GRITA, PORRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!
Fala baixo, faz favor…
Netiqueta: http://www.icmc.usp.br/manuals/BigDummy/netiqueta.html
Atenção à primeira regra!!!
rsrsrs
(Será que isso é o tal do “vencer no grito”?)
Sérgio, licença para um off-topic.
É vc o Sérgio Rodrigues citado pelo Millôr na Veja desta semana, não?
Se não, desculpe nossa gafe. Se sim, parabéns pelo elogio e pelo novo livro. Não vai contar mais sobre ele por aqui?
Sou eu mesmo, Drex, obrigado. É um pouco cedo para falar do livro. O Millôr teve a ele um acesso, digamos, privilegiado. O lançamento será só em março, logo no início do degelo editorial. Ainda pretendo falar (muito) sobre esse romance aqui. Um abraço.
Parabéns, Sérgio.
Espero que tenha sorteio por aqui pros fiéis leitores.
Até hoje não consegui ler as Sementes, pobre de mim.
Fico aqui esperando o Lula lançar um bolsa-livros.
É ruim, hein?
O sorteio fica oficialmente prometido, Saint-Clair.
Caro Saint-Clair Stockler,
Vencer no grito, não! Liame poético é algo além … Aliás, etiqueta serve a poucos. Será o seu caso? A proposta que fiz foi digna e decente.Gostaria que o Sérigo conhecesse a obra dos poetas alagoanos atuais, inclusive a minha. Não preciso de nada além disso. Vínculo literário e mais nada. Sou bastante feliz e realizado, mas A Poesia levo muito a sério. Sei lapidar o que faço.
Por favor, não seja inconviniente! Postei para o dono do blog! Agora, você pode apreciar as minhas dádivas. Fico grato também!
Adriano Nunes,
P.S.: INCONVENIENTE! A PROPÓSITO!
PROPOSITAL MESMO PARA QUE VOCÊ PERCEBA A GRAFIA ERRADA ANTERIOR E ENTENDA!
ADRIANO NUNES.
Caro Sérgio,
Um dos meus sonetos! Abraço forte!
SONETO IV (PARA PÉRICLES CAVALCANTI)
O PENSAMENTO
PESA O POEMA.
POR QUE SUPÕE
SER ASSIM LEVE
COMO UMA PENA?
POR QUE SEQUER
NADA PONDERA
OU PRINCIPIA?
O PENSAMENTO
É MESMO CEGO.
POR QUE NÃO VÊ
QUE SÓ O POEMA
TUDO SUPORTA,
TUDO SUSTENTA?
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.
Dr. Adriano Nunes,
Não tenho nada contra a sua proposta! PORÉM É CONSIDERADO FALTA DE EDUCAÇÃO INTERNÉTICA ESCREVER EM CAIXA ALTA, PORQUE DÁ A ENTENDER QUE SE ESTÁ GRITANNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNDO!!! Você tiraria meleca em público? Pois então: escrever em caixa alta é a mesma coisa.
Aproveitando o ensejo, eis um poema meu, rsrsrs:
“Estou aqui esperando o Senhor”
Para Carmencita la Serenissima
Estou a esperar o Senhor.
Disseram-me que daqui a 5 minutos ele passará
por esse caminho.
Estou sentada e espero.
Espero com as mãos cruzadas no colo,
como antes de mim fizeram minha mãe
e todas as mães do mundo.
Mas minha mãe não esperava o Senhor,
esperava seu homem.
Que era, ao seu modo, o Senhor dela.
Eu não tenho homem.
Eu já tive muitos homens,
mas nenhum deles foi meu senhor.
Estou sentada e espero.
O calor queima-me as pernas
(quem mandou vir esperar o Senhor
com essas saias tão curtas?)
Sinto uma gota de suor que brota da minha nuca
e escorre gravidade abaixo
até chegar ao meio das costas
e some.
Estou sentada e espero.
Doem-me os pés, que noto agora
sujos de poeira
(achei que fariam boa figura
sandálias de couro, tão franciscanas)
Doem-me os pés e ainda por cima estão
sujos.
De repente canso-me de esperar,
sozinha debaixo do sol.
Uma estranha idéia ocorre-me
súbita
como a gota de suor que há pouco
brotou em minha nuca e
escorreu pele das costas abaixo:
E se o Senhor já estiver aqui?
Se ele for este pedaço morto de árvore
no qual estou sentada?
Se ele for a poeira da estrada
nas sandálias
ou
aquela pedra do outro lado, jogada
dentro da vala, perto da bosta de vaca?
O mundo é cheio de mistérios e o Senhor
pode já ter vindo.
Aliás, pode até mesmo ter-se
cansado e ido embora.
Fiquei eu.
Saint-Clair, vai arrumar alguma coisa pra fazer, vai…rs
Escrever tudo em maiúscula e achar bonitinho merece o prêmio ‘sem noção’ da semana. Mas o Saint se sentiu ameaçado e roubou o prêmio para si com essa poesia. rs.
Abss!
ps. parabéns pelo novo livro.
Sr. Saint-Clair Stockler,
Você ainda se prende às regras da comunicação? Então, seria incapaz de apreciar um poema concreto ou visual, ou até mesmo as canções de Carlinhos Brown ou Djavan. Jamais entenderia O disco Araçá Azul de Caetano! Se a caixa alta das palavras tanto o incomoda – sempre há o agravo de não satisfazer ao leitor o que se é proposto – ao menos devia ter sido educado, para dar o exemplo, não acha? Há zil formas de apontar erros, sem ser grosseiro ou ridículo!
Abraço forte!
P.s.: gostei do poema!
Adriano Nunes.
Adriano, obrigado pelo link e muito boa sorte com seus escritos. Se me permite um palpite, acho que não devia levar o Saint-Clair a mal, vamos em frente. Um abraço.
Grande Sérgio,
Grato! felicidades!
Adriano Nunes.
Belíssima escolha Sérgio…
Realmente é um começo e um livro inesquecível.
E como disse um amigo mais acima, Mrs Dolloway também é maravilhoso.
Orlando é um livro pelo qual tenho carinho especial. E sempre que falo em Virginia, lembro-me de Clarice. Simplesmente perfeitas.
“Você ainda se prende às regras da comunicação? Então, seria incapaz de apreciar um poema concreto ou visual, ou até mesmo as canções de Carlinhos Brown ou Djavan”
Primeiro: um comentário para fazer propaganda de um blog de poesia não é a poesia propriamente dita, então sim, neste caso é saudável se ater às regras de cortesia.
Segundo: não sei o Saint-Clair, mas acho Carlinhos Brown e Djavan um saco.
Terceiro: esperemos o romance. Até hoje não consegui ler as “sementes…” também.
Tem razão, para ler Virgina é preciso estar em um estado de espírito especial, é preciso estar devidamente desejoso de vivenciar uma experiência de tal magnitude.
Orlando é realmente um tesouro da humanidade. Eu não me esqueço do cheiro de armário da rainha Elizabeth, da tribo nômade da Turquia, da conversa com o poeta (qual era o nome dele? Green?) ou o duque/duquesa com aparência de urubu… hahahaha!
Inesquecível!!!!!!!!
Orlando pode ser para uma autodidata um caso de amor à primeira vista. E foi. Como nominimo e o todo prosa e projetoreleituras e o rafael galvao, e por aí vai pela blogosfera que gosta Muito de você. Que bom. ;-)) Um abraço da leitora do DF; -)