Ninguém tomava ao pé da letra as coisas que Martin Pemberton dizia; ele era melodramático demais, ou atormentado demais, para falar sem floreios. Por isso as mulheres o achavam atraente – viam-no como uma espécie de poeta, embora ele fosse mais crítico do que poeta, um crítico de sua própria vida e época. Assim, quando Martin começou a dizer que seu pai ainda estava vivo, nós que o ouvíamos falar e nos lembrávamos de seu pai tínhamos a impressão de que ele estava se referindo à persistência do mal, em termos gerais.
Alguém, creio que Don DeLillo, já disse que o segredo da literatura está no modo como se enfileiram palavras, o resto é secundário. O que sugere um paradoxo: o que há de mais “profundo” na escrita estaria logo ali na superfície, numa combinação de sinais gráficos que leva o leitor a submergir naquilo – ou ir embora. O primeiro parágrafo de “A mecânica das águas”, do escritor americano E.L. Doctorow (Companhia das Letras, 1995, tradução de Paulo Henriques Britto), é um ótimo exemplo de como pode ser poderoso esse negócio de uma-palavra-depois-da-outra.
8 Comentários
O Doctorow é tão pouco lembrado por aqui, embora quase todos os seus livros tenham saído no Brasil.
Só uma pergunta: será que esta questão de como se enfileiram as palavras pode ser tratada quando se lê uma tradução? Não tenho o original de Doctorow mas será que em inglês a diferença de ordem das palavras não teria produzido um texto completamente diferente?
Completamente diferente, não acredito. Mas sempre será uma versão que, nas mãos do PH Britto, costuma ser impecável.
Sérgio,
Concordo com sua argumentação, mas “disconcordo” do exemplo. Esse excerto do Doctorow, um ótimo escritor, a meu ver não ilustra a contento a bela tese que vc joga. Ou, em outras palavras, não tem todo esse “poder” apregoado…
Questão de opinião, se me permite.
Prezado Sérgio Rodrigues,
Gosto muito de E.L. Doctorow, embora o único livro que tenha lido dele, em português, tenha sido “Ragtime”, nome do filme homônimo, com James Cagney, em seu último (e ótimo) papel no cinema antes de sua morte, logo após as filmagens. Em “Ragtime” a narrativa é “normal” e super interessante, e o filme foi-lhe fiel. Inclusive no episódio da morte/assassinato de “Coalhouse Walker Júnior”, numa cena memorável. No livro não ficou tão emocionante, mas há passagens deliciosas. Não tenho o livro agora comigo, nem nenhum de Doctorow no momento, (moro no litoral e os livros estão em minha casa de São Paulo City). Mas Doctorow é muito bom. Muito prazer em conhecer, meu nome é Sérgio.
Ragtime é excelente! Volta e meia quando ressurge esse papo de qual é “O” Romance Americano, sempre me lembro dele. (de outros também, vá lá, mas não considero isso pouco 🙂
Gostei disso.
Em literatura – e talvez na vida -, estilo é tudo.