Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado, viu que se transformara, em sua cama, numa espécie monstruosa de inseto.
Eis o primeiro parágrafo de “A metamorfose” (Civilização Brasileira, tradução de Brenno Silveira, 5a edição, 1988), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Sem comentários.
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LI, tempos atrás, uma versão americana, comentada, da “Metamorfose”. A palavra que Kafka teria usado para designar este inseto é a que corresponde ao nosso “rola-bosta” (em inglês: “dung beetle”). Alguém pode esclarecer? O fato é curioso porque, no Brasil, por muito tempo, se pensou numa “barata” – até o Sérgio Santana tem um conto que se refere à “novella” kafkaiana e que tem como personagem central um Guilherme Barata…
Nesse primeiro parágrafo, a referência é vaga: o original fala em ungeheueren Ungeziefer, algo como “monstruoso inseto repulsivo”. Em outros pontos Kafka parece se referir a um inseto da família dos coleópteros, enorme, mas sem maiores qualificações. Esta família é ampla o suficiente para incluir besouros, joaninhas e vagalumes, por exemplo. Segundo um ensaio de Nabokov, grande admirador da novela de Kafka, a única pessoa que chama Samsa de Mistkäfer, ou seja, escaravelho mesmo, besourão, rola-bosta, é a velha faxineira da família. Mas Nabokov acha que ela faz isso para ser “amigável”. E segue em frente: “Ele não é, tecnicamente, um escaravelho. É apenas um beetle grande. (Devo acrescentar que nem Gregor nem Kafka enxergavam o bicho muito claramente.)”
A confusão, como se vê, parece ser proposital. A popularidade da idéia de que Samsa era uma barata vem dessa indeterminação, e também do fato de a palavra beetle, em inglês, ser usada de modo informal também para baratas – embora estas sejam de família diferente. Ignoro se o mesmo se passa em alemão.
Pensei que a noção popular de que o inseto é uma barata vinha do fato de que estes insetos são extremamente repulsivos.
Não há baratas na Alemanha. Alemães não conhecem baratas. Acho melhor mesmo arrumarem outro inseto.
Kafka eu acho que é o autor que eu mais vi traduções. Toda hora que eu abro um volume empoeirado num sebo eu vejo um tradutor diferente…
Uma perguntinha, esse Kafka bebia?
Sergio Rodrigues,
Acompanho e gosto dos seus “Começos Inesqueciveis”…Tolstoi… Juan Rulfo…Kafka.
Permita-me sugerir acrescentar mais um tema: Equivocos ou Mentiras Literárias,
Exemplo 1 – No caminho com Maiakovski (atribuido a Bertold Brecht).
Exemplo 2 – Instantes (atribuido a JL Borges)
Exemplo 3 – texto da famosa “Carta do Chefe Seatlle”.
Ainda hoje ouvi numa FM a leitura toda cerimoniosa da tal carta. Não seria interessante essa desmistificação?
“Quero contar-vos, senhores, mesmo que não desejais ouvi-lo, porque nem sequer consegui tornar-me um inseto. Declaro-vos solenemente que muitas vezes quis tornar-me um inseto. Mas nem disso fui considerado digno”, escreveu Dostoievski em “Notas do Subterrâneo”.
Kafka conseguiu registrar no século XX a mais digna metamorfose – escaravelho besouro barata joaninha percevejo beetle beatles – do homem subterrâneo do século XIX.
Achei o blog dos meus sonhos!
Virei sempre checar a partir de agora.
Sérgio Rodrigues, faz tempo que li “A Metamorfose” e me lembro muito bem de ter ficado surpresa em não encontrar nada a respeito de barata.
É preciso sempre lembrar que Kafka tem um enorme senso de humor. A palavra “kafkiano” é muito infeliz por que apaga esta peculiaridade deste autor que adoro.
Achei que esta tradução do Brenno Silveira (em especial a parte “numa espécie monstruosa de inseto”) tirou um pouco do que me agradava em outra tradução, da qual não recordo agora: a surpresa e terror na constatação “num monstruoso inseto”, sem especificar que seria uma “espécie de” e sem identificar qual seria, assim mesmo, o bicho.
Já que falaram de Nabokov e o tema é “Começos inesquecíveis”, sugiro o parágrafo inicial de Lolita. Dá vontade de ficar revirando os éles na língua.
Clarice, apareça sempre.
Gabriel, a Lolita já passou por aqui, no dia 24 de julho – confira lá no arquivo.
Abraços.
Sérgio, acabei de ver e estava vindo exatamente me redimir. Você chegou antes.
Abraço!
É um livro bem aborrecido, assim com o é 1984, do George Orwell.
Dane-se a síntese do homem do século XIX. E usou do século XXI.
Alguém nessa ciaxa de comentários já acordou alguma vez com a sensação de que ler 90% dos aclamados clássicos é um perda de tempo tanto pela estética quanto pela efemeridade da obra?
E que tornar um livro “clássico” é ignorar justamente que a força dos livros está em representar o seu meio e a percepção do seu autor?
E, FINALMENTE, que aprender o contexto histórico de um perído já morto só pra apreender um livro é apenas vaidade?
Por isso Shakespeare não envelhece, mas Balzac já deu nos cornos faz tempo.
Alguém quer discutir ISSO?
Vc disse tanta bobagem que nem vale a pena discutir.
Eu disse tanta coisa contra a opinião largamente estabelecida que você deitou no travesseiro E CHOROU!
A vantagem de ler clássico está em, como tanta gente já leu e falou que é bom, corre-se menos riscos de perder tempo com porcarias. E tempo é precioso. Como é.
Quando lí Metamorfose, fiquei por muito tempo com a impressão de que, a qualquer momento, poderia me transformar em um inseto asqueroso.
Guardei o livro, longe das minhas vistas, no fundo de uma gaveta.
Fabio Negro, aquí, junto do Sérgio, todas as opiniões são válidas.
Quanto aos clássicos, serve para nos mostrar o vaivém da vida, sem poupar ninguém. Todos estão sujeitos às vicissitudes da vida.
Na ISTOÉ desta semana, uma nota sobre a esquizofrenia:
Cerca de 1% da população mundial desenvolve esquizofrenia.
No Brasil, 1,8% milhão de pessoas têm essa enfermidade mental.
Desculpem o lápso ” servem para nos mostrar”.
Desculpem de novo, “lapso”.
Nossa! A menção deste assunto, me deixa fora de órbita. Já lí em algum lugar que, nós todos, vivemos no limiar da loucura.
Não há baratas na Alemanha? Como assim???? Existem baratas por TODO o universo!
Acho que o Fábio Negro é o Leitor Rabugento da coluna Oops! (“Nhé! Isso aqui não presta”) do UOL, que era a única forma tolerável de ler essas fofoquinhas de gente famosa.
Engraçado é que a tamanha genialidade do Shakespeare é uma das que mais é “contextulizada” para ser compreendida, chegando a ouvir todos os detalhezinhos da vida teatral na Inglaterra do Século XVII…
mas deixa pra lá… mau humor cada um tem o seu
Só hoje encontro um link de Kafka com os criadores de Matrix [ I ]. Muito interessante, quando vi o filme pela primeira vez em 1999 o absurdo de Kafka opressivamente ficou navegando em meu inconsciente até hoje! Valeu Sérgiou por trazer este insight!
Pois eu li duas peças do Shakespeare (com a sensação de estarem mal traduzidas), gostei demais e não sei nada sobre o contexto. Não sei sobre sistemas monárquicos e nada sobre mouros, mas entendi perfeitamente Rei Lear e Othelo.
Agora, 1984 fora do contexto histórico é um porre, um futuro distópico rrrrédículo e muito, MUUUITO mal escrito.
Diferentemente de A Revolução dos Bichos, que é mais alegórico ainda, mas que se sustenta como fábula. MUITO bom, e MUITO melhor que 1984 (que tem em O’Brien um dos vilões mais ridículo-e-fascinante da literatura anglo-saxã)
A Metamorfose também não significa NADA, e é escrita de forma muito sem sal.
Pouco se aproveita.
Eu acho que o Flávio é mais ou menos como o outro lá em cima: “se alguém discorda da opinião cristalizada e oficializada, eu vou desmerecê-lo”.
E eu sou mal-humarado em relação ao Ricardo Calil, que basicamente é um otário em cinema-e-indústria, mas segue copiando e colando os textos da imprensa americana como se a terra aqui estremecesse em resposta.
Coincidentemente, o último post dele é muito bom, sobre os veteranos dociema sem oportuniade de filmar.
Sérgio Rodrigues é um cara legal, com um blog legal e cujo conteúdo às vezes eu discordo e venho democraticamente meter o pau. Vai lá no meu meter o pau em mim.
Pois o mesmo Kafka “sem sal” influenciou praticamente todos os escritores que vieram depois dele. Quem se esquece do que Garcia Marquez disse, que foi depois de ler A Metamorfose que ele decidiu ser escritor? E o Nabokov que diz que A metamorfose é o melhor conto do século XX?
Mas talvez os dois sejam também sem sal e de pouco proveito… Cada um na sua, né?
E o Jackson 5 influenciou todas as boys band da História, de Menudos a Backstreet Boys.
E DAÍ?
Li, mas não lembro onde neste momento, que Kafka usou um termo como inseto hexapode… dai em diante ficou vago demais que inseto seria… quanto aos caras de opiniões metidas e polêmicas, estou pouco me lixando para vocês… ler é um prazer para quem gosta, há quem goste de festas, bares, cinema ou até mesmo tudo junto, gosto é igual cara, cada um tem a sua… obrigado Sergio por sempre trazer algo de bom por aqui…
fábios negros são como insetos produzidos pela sociedade para se acharem contraventores e subversivos porque se dizem andando contra a maré… não passam de mais um no monte de seres produzidos em massa e sem personalidade que acham que são iconoclastas… verdadeiros insetos, diga-se, operários, daqueles que integram uma colônia para equilibrarem a balança do poder… acham que mostram o que está errado, mas não mudam nada, são meros operários que assimilam seu papel de irem “contra” . Só isso…
Sempre imaginei o inseto de Metamorfose uma barata obesa, daquelas que quando a gente pisa em cima, faz “pleft”!
Raquel,
Corajosa você, heim? Você pisa em barata?
Felizmente não entra barata aqui em casa. Mas eu pego logo o inseticida e afogo se aparecer uma em minha frente. Pisar, nunca… jamais… Irk…
Mas foi bom saber que alguém acha 1984 chato. Eu nunca consegui ler. Sempre pensei que era por que o livro é em inglês e o inglês do Orwell não combinava com o meu…. rsrs
… então, de acordo com o que diz o Francisco Maciel lá em cima, os Beatles assim se chamam porque surgiram no subterrâneo (“Cavern Club”)…?
curioso hiperlink histórico, esse!
…vai saber (do que um ácido é capaz).