Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: “Não, não quero ver televisão!”. Se não ouvirem, levante a voz: “Estou lendo! Não quero ser perturbado!”. Com todo aquele barulho, talvez ainda não o tenham ouvido; fale mais alto, grite: “Estou começando a ler o novo romance de Italo Calvino!”. Se preferir, não diga nada; tomara que o deixem em paz.
Você acaba de ler o primeiro parágrafo de “Se um viajante numa noite de inverno”, de Italo Calvino (Companhia das Letras, 1999, tradução de Nilson Moulin).
18 Comentários
O início de “Um conto de duas cidades” de Charles Dickens é maravilhoso.
“Grande Sertão: veredas”..Nonada. Tiros que o senhor ouviu (…) .O setão está em toda parte” igualmente belo.
abraços,
oops..em “setão” leia “sertão”..sorry,
abrs,
instigante este ítalo. neste título, faz pegadinha o tempo todo, envolvendo e jogando com a gente. mestre nas coisas de escrever. fodal mesmo!
Narcisista e genial.
Mas é exatamente isso que acontece. Em mês de copa então…
É incrível! Tive que ler o primeiro parágrafo quatro vzs. até me concentrar…que voz infernal…
muitôbôm
LI, tempos atrás, embora não me lembre mais nem do autor nem da revista, um artigo em que um crítico inglês fazia uma análise de vários romances através de sua primeira frase. A conclusão final era a de que ali estaria, resumidamente, todo o livro. E alguém já analisou também este “NONADA” de Guimarães Rosa a partir de sua relação com o número NOVE e com as ENÉADAS de Plotino, autor de cabeceira do romancista mineiro. NONADA seria uma “tradução” caipira de ENÉADA. [No correr de “Grande Sertão: Veredas”, sempre que a palavra NONADA aparece ela vem acompanhada da palavra NOVE.]
Esse livro é muito bom!! Se não me engano, já tinha sido editado no Brasil, acho que pela Planeta. E deve ser mais barato que a versão da careira Companhia das Letras.
Se não me engano, a primeira edição brasileira do Se um viajante … foi da Nova Fronteira. Eu tinha um exemplar, que foi surrupiado por alguém que pediu emprestado e não devolveu …
É isso mesmo, Rosa. Nova Fronteira, 1982, tradução de Margarida Salomão.
Não se compara ao início de “As Cidades Invisíveis” tb do Calvino, dos raros livros que começam com a palavra “não”. Algo como (puxando pela memória):
“Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo que lhe conta Marco Polo”…
Prefiro o início de “Estranho em uma terra Estranha”: Mike era um marciano…
Frases iniciais de alguns romances brasileiros:
“Passei a infância entre dois homens estranhos; meu pai, que sempre me ignorou – a mim e a tudo o mais – e Pedro.” [Maria Julieta Drummond de Andrade, A BUSCA]
“O pinto de Pedro era pequeno.” [Paulo Francis, FILHAS DO SEGUNDO SEXO]
“São Paulo é o maior centro industrial da América do Sul.” [Mara Lobo, isto é, Patrícia Galvão, PARQUE INDUSTRIAL]
“Ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis.” [Cyro dos Anjos, O Amanuense Belmiro]
“… meu Deus, que é a morte?” [Lúcio Cardoso, CRÔNICA DSA CASA ASSASSINADA]
“Nunca me passou pela mente que o meu amigo Gonzaga de Sá se dedicasse a cousas de balões.” (Lima Barreto, Vida e Morte de M. J. GONZAGA DE SÁ)
“Era no tempo do rei.” [Manuel Antônio de Almeida, MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS]
“No fundo do mato-virgem, nasceu Macunaíma, herói de nossa gente.” (Mario de Andrade, MACUNAÍMA]
“Verdes mares bravios de minha terra natal, opnde canta a jandaia nas frondes da carnaúba” [José de Alencar, IRACEMA – embora a primeira frase do capítulo II seja a mais popular: “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.”]
“A tristeza, a compressão e a desigualdade de nível mental do meu meio familiar, agiram sobre mim de um modo curioso: deram-me anseios de inteligência.” [Lima Barreto, RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA]
“Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na cama de velhice.” [Márcio Souza, GALVEZ IMPERADOR DO ACRE]
“Daqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja.” [Ariano Suassuna, ROMANCE D’A PEDRA DO REINO]
“Aos dezesseis anos matei meu professor de Lógica. Invocando legítima defesa – e qual seria mais legítima? – logrei ser absolvido por 5 votos contra 2, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, passava noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.” Campos de Carvalho, A LUA VEM DA ÁSIA]
P. Osrevni, é isso mesmo. Existe uma edição, em capa dura, da Planeta. Custou uma pechincha. Sim, os preços da Cia. das Letas são europeus. abraço
Sérgio, era mais fácil ter usado aspas, essa invenção imperialista ianque que está se globalizando.
“muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel aureliano buendia se lembrou das primeira vez em que viu uma pedra de gelo”. cem anos de solidão(cito de memória) coisa mais linda de gabriel garcia marquez
Porra, tua memória anda mal, hein, fera!