Quem estivesse na praça da Estação na madrugada de hoje veria um nordestino moreno, de 53 anos, entrar com uns oitocentos flagelados no trem de madeira que os levaria de volta para o Nordeste. Veria os guardas, soldados e investigadores tangendo-os com energia mas sem violência para dentro dos vagões. E veria que em pouco mais de quarenta minutos estavam todos guardados dentro do trem, esperando apenas a ordem de partida.
E, a menos que estivesse comprometido com os acontecimentos, não compreenderia como o fogo começou em quatro vagões ao mesmo tempo. Apenas veria que o fogo surgiu do lado de fora dos vagões, já forte, certamente provocado.
Assim começa, pegando fogo literalmente e num tom de “jornalismo literário” que logo será explicitado, o romance “A festa”, lançado em 1976 pelo mineiro Ivan Ângelo (Summus Editorial, 4a edição, 1978). Na página seguinte, a explicação: “Trecho da reportagem que o diário ‘A Tarde’ suprimiu da cobertura dos acontecimentos da praça da Estação, na sua edição do dia 31 de março de 1970, atendendo solicitação da Polícia Federal, que alegou motivos de segurança nacional”.
Forte candidato a melhor retrato literário do Brasil nos anos da ditadura militar e um caso raro de texto de altos teores políticos que não abre mão de ser esteticamente afiado, “A festa” é, felizmente, um livro bem vivo: a Geração Editorial lançou sua 11a edição em 2004. No entanto, não parece ter entre as novas gerações de leitores o reconhecimento que merece.
19 Comentários
Belo começo, mesmo.
“A festa” é um livraço, de um dos melhores autores desta geração. Tenho na mão meu exemplar da 8ª edição da Geração Editorial, de 1995. Parece que é um livro perene. Aliás, guarda o frescor de obra atemporal, como se tvesse sido esrito ontem (desculpe o clichê).
Muito bom Sérgio. Sua divulgação, certamente ajudará às novas gerações de leitores a conhecerem e reconhecerem a criatividade e competência que certamente a literatura brasileira possui, mas que muitas vezes não aparece nos cadernos literários. Hoje, precisamos sim é de editores da estirpe de um José Olympio. E a imprensa literária deveria ser menos obtusa. Escritores criativos, com “obras de vigor, de fôlego e ambiciosas”, estes, mesmo que longe dos holofotes, temos aos montes (Letícia Wierzchowski, Paulo Lins, Ana Maria Gonçalves, entre tantos outros). É só temos mais espaço, tempo e investimento, claro, afinal, nada (sério) se cria da noite para o dia. Assim, as editoras e jornalistas estariam dando sua importante contribuição para que sejam mudadas as ridículas estatísticas de venda de livros e número de leitores no Brasil.
Assim como nosso amigo Cezar Santos, também guardo com carinho a 8ª edição de 1995 (Geração Editorial). Uma excelente leitura assim como o é também, do mesmo autor, A Casa de Vidro. Lamento que eu não conheça outras obras do Ivan Angelo; ou ele parou nestas duas?
Sérgio: Parabéns por tratar deste livro, sem dúvida uma das melhores coisas produzidas pela Literatura Brasileira depois de 1960. Para Ubirajara Mathias: Ivan Angelo participou de uma “geração” de escritores belo-horizontinos na década de 1950, que chegaram a publicar uma revista e vários livros. Com Silviano Santiago publicou um volume de contos, “Duas Faces”, creio que em 1960, e depois de “A Casa de Vidro” teve mais uma “novella”, creio que chamada “Amor” (bastante inferior, infelizmente, à sua obra anterior). Ele pode ser lido, às vezes, em crônicas no “Jornal da Tarde.”
PROJETO CHAPULETADAS NA MEDIOCRIDADE
– Boletim nº 1 –
terrordemediocre@hotmail.com
Sou um personagem novo na cultura brasileira. É isso mesmo que você ouviu. Com toda a carga de pretensão e arrogância que corresponde, porque essas duas qualidades são essenciais para a missão a que resolvi dedicar, a partir de agora, meu lado Mr. Hide.
Saiba você que, ao ser selecionado para receber esta mensagem, está tendo o privilégio de participar de um momento histórico importante na cultura do Brasil. Não seja besta de não prestar atenção em mim, com todo o respeito.
Em realidade, a missão já começou e pode ser resumida assim: ONDE ESTIVER A MEDIOCRIDADE, AÍ ESTAREI DANDO CHAPULETADAS. Como vocês perceberão, tenho conhecimento e espírito crítico na medida necessária para fazer isso. Simples e objetivamente, esse aí é o resumo da orientação seguida.
Em que consiste, na prática? Não quero aqui alongar-me muito na explicação, na justificativa e no detalhamento dos critérios a utilizar, mas posso adiantar que, na primeira etapa, consiste em entrar nos sites de literatura para avaliar o seguinte:
a) o site é aberto de verdade à participação do leitor ou é lugar desonestamente reservado para a promoção de panelinhas?
b) os textos têm qualidade literária ou argumentativa?
c) os escritores manejam razoavelmente a língua portuguesa?
Apenas isso. E veja que, mesmo com essa abrangência tão reduzida, venho encontrando material para tornar-me morador definitivo do primeiro site visitado, o Cronópios (www.cronopios.com.br). É tanta coisa para comentar, que não tenho dia marcado para ir embora.
Entrei lá e fiquei impressionado com a mediocridade escancarada. É um grupelho provinciano, mas metido a sofisticado, cometendo as maiores barbaridades em clichês literários e erros de português. Sabem aquelas gororobas que são publicados para distribuição de graça pelo autor aos amigos e familiares? Pois é, assim é a quase totalidade do que se lê ali, como vou demonstrar outro dia com exemplos. Salvam-se uns três ou quatro colaboradores.
Para que tenham idéia do clima, entrei lá no café literário, espaço de “debate” do site, e comecei a apontar erros de português e idiotices no raciocínio da patotinha que não sai dali. Ninguém teve argumento para me responder (depois conto essa história com detalhes). Por isso, acionaram o “moderador” e fui censurado: não só deletaram minhas críticas como me cortaram o acesso ao café. E agora vem o melhor e mais sintomático. O mengelinho nazista responsável pela censura, um sujeito chamado Pipol, justificou desta maneira a alguém que protestou contra a censura a meus comentários: “O Café não é livre para pixadores e destruidores”. Assim mesmo, “pixadores” com “x”.
E ele é um dos editores do site e poeta festejado pelos puxa-sacos que freqüentam o Cronópios atrás de espaço para publicar. Um exemplo de seus “poemas”:
Dirigindo na estrada, vejo no acostamento a polícia, de motocicleta. Daquelas bonitas.
– É pra prender gente de terno e gravata!
(pág. 25 do livro digital Brinquedos de Palavras, http://www.cronopios.com.br/pocketbooks)
Tenho certeza que você pensa que estou brincando, não é? Pois não estou não. A seguir, há mais retirado do mesmo livro, que é muito bom como solução visual (bonito, limpo e bastante amigável, para utilizar um termo do informatiquês. Quanto ao produto virtual, parabéns, Rer Pipol. Heil!). Veja outros “poemas”:
……………………………………………………………
Por que sempre rimos quando alguém tropeça e leva um tombo?
– É porque somos bípedes!
(pág. 27)
……………………………………………………………
Atualização
A máquina
substituirá
o homem
corrupto.
(pág. 31)
……………………………………………………………
Como é bonito ver uma mulher chamando um táxi. O automóvel vem em sua direção, sem ninguém dirigindo.
(pág. 41)
……………………………………………………………
No bar da esquina, os bêbados de olhos vermelhos por causa da bebida.
Porque queriam ser mulher.
(pág. 47)
……………………………………………………………
Sei que você continua achando que é uma brincadeira. Juro que esses poemas estão mesmo lá no livro e do jeito que transcrevi. É necessário criticar tais textos patéticos? Qualquer que seja a característica da poesia que busquemos, com base em qualquer ideologia conceitual, está ausente aí. Se Rer Pipol (Heil!) não fosse um editor e não assumisse o papel de dono da verdade num site literário, com poder de veto e tudo, eu consideraria uma covardia estar criticando alguém com esse nível de boçalidade.
E olha que Cronópios é um dos sites literários mais festejados da internet brasileira. Claro que ainda vou voltar a ele, com análises de verdade. O aperitivo de hoje foi apenas para ilustrar o meio que me espera. Por falar nisso, em breve o boletim 2, com o texto Pau nos mudernos.
Por que escrevo anônimo?, você poderá estar querendo saber. Lembra-se dos “juízes sem rosto” da Operação Mãos Limpas, da Itália? Pois é, essa é a maneira mais segura de enfrentar mafiosos. Você vai entender logo, logo, porque, com o lombo ardendo pelas porradas recebidas em tão poucas intervenções, posso afirmar que já entendi isso muito bem. E também e principalmente porque sou covarde e defendo o fim do preconceito contra a covardia do leitor na imprensa brasileira.
Ora, todo mundo é covarde: o editor da revista não afronta o anunciante, o jornalista/colunista não afronta o editor, o doido pra aparecer não afronta o jornalista/colunista, o presidente da República não afronta os aliados, os aliados não afrontam o presidente, a mesa não afronta os congressistas, os congressistas não afrontam os financiadores de campanha, os financiadores de campanha …, não, não, estes não – estes afrontam qualquer um. Pois bem, tirando os financiadores de campanha política, todo mundo é covarde no Brasil. Por que, então, o leitor tem que ter coragem e se identificar na hora de descer o cacete pela imprensa escrita ou internetizada?
Sem contar que a covardia é o apanágio do São Pedro sobre o qual se construiu a igreja da democracia: o voto secreto. A maior instituição democrática é filha da covardia. Na hora em que se apresentou no Congresso a idéia de voto aberto para tudo, a grita dos covardes lá também não foi geral? Qual é o problema? E se alguém vier com o argumento de que o voto é secreto para evitar pressões antes e perseguições depois, serve também para mim: na moita estou livre de ameaças e boicotes. É que também sou filho de Deus, e minha porção Dr. Jekyll adoraria colaborar na internet, uai!
Por fim, qual é a diferença de assinar anônimo ou Pedro Henrique Martins de Azevedo ou Maria Edilícia da Anunciação Sobreira?
LEITOR TAMBÉM TEM O DIREITO DE SER COVARDE.
O Ivan Angelo é craque mesmo. Seja em A FESTA, A CASA DE VIDRO ou nas crônicas de O LADRÃO DE SONHOS.
Ler ele é um privilégio.
Olhaí Terror Medíocre: não é só no CRONÓPIOS que vemos tais barbaridades, não. Muitos sites “literários” chafurdam na lama da imbecilidade e pseuda criatividade.
Fui ao CRONÓPIOS e li o PIPOL. Gostei de um poema – A VIAGEM. O livro do Back é ruim também. Bom que ele é melhor cineasta.
Olha essa da ANA MARIA MACHADO:
Garfo e faca
Quem lê muito escreve direito. Acho que se as crianças lerem mais, vão escrever melhor. Podem estar escrevendo mal na internet – “vc” em vez de “você”. Podem estar abreviando as palavras, naquele jargão, naquele código. Se ficarem escrevendo só na internet, é complicado, sei que é um problema. […] Mas não sou muito apocalíptica. Acredito na literatura. Sem ela, não vai dar. A gente come de garfo e faca porque viu pai e mãe comendo de garfo e faca. Criança lê porque vê adulto lendo. Se nunca vir, corre o risco de se repetir um fenômeno que acontece no Brasil. As pessoas lêem muito quando crianças; mas, quando adolescentes, deixam os livros para trás, junto com os brinquedos. Deixam essa fase para trás. Uma tristeza.
Olá Sérgio Rodrigues e leitores do TodoProsa.
Procuro um livro mas tenho poucos dados sobre ele. Sei que trata-se de um escritor uruguaio. Na história uma mulher morre atropelada em algum lugar da Europa. Esta mulher trazia consigo um livro todo sujo de cimento e areia. Partindo da dedicatória na primeira página do livro alguém vai buscar investigar o porquê do livro sujo daquele jeito e descobre a história de um homem que havia construído a própria casa com os livros da sua bilbioteca e o livro que estava com a mulher era um deles.
Saberia de livro e autor se trata? Alguém conhece?
Obrigado
-“A festa” é, felizmente, um livro bem vivo: a Geração Editorial lançou sua 11a edição em 2004. No entanto, não parece ter entre as novas gerações de leitores o reconhecimento que merece. –
Sérgio, prezado,
Muita coisa boa parece não ter eco nenhum entre a atual geração de leitors… principalmente quando é bom, faz pensar e refletir sobre algo…
Jornalismo literário: que assunto maravilhoso Sérgio! Aliás, você leu a crônica do Ivan Angelo na Veja dessa semana? Está maravilhosa!
Gostaria de obter mais informações sobre este e outros livros. Sou de Salvador, Bahia. Faço parte de um Insituto chamado Leitura na Praça que vai distribuir no Dia Mundial do Livro 8 mil exemplares. Gostaria de distribuir exemplares como esses também. Não temos incentivo algum do governo municipal, estadual ou federal ainda. Espero receber esses livros aqui. Mais informações basta ligar para (71) 9997-6605.
Reges, o livro a que você se refere é A casa de papel, do argentino e residente no Uruguai Carlos María Domínguez. Eu não o li, mas está disponível na maior parte das livrarias. Segue o resumo por parte da editora (Francis):
“Na primavera de 1998, Bluma Lennon, uma professora de Cambridge, está lendo um livro de poemas de Emily Dickinson quando é atropelada. Após a sua morte, um colega e ex-amante recebe um exemplar de A linha da sombra, de Joseph Conrad, em que Bluma escrevera uma misteriosa dedicatória e que lhe era agora devolvido. Intrigado, ele parte numa busca que o leva a Buenos Aires com o objetivo de procurar pistas sobre a identidade e o destino de um obscuro, mas dedicado bibliófilo e a sua intrigante ligação com Bluma. ‘A casa de papel’ é uma fábula sedutora sobre o amor desmesurado pelas bibliotecas e pela literatura. Uma envolvente intriga policial e metafísica que envolve o leitor numa viagem de descoberta e deslumbramento perante os estranhos vínculos entre a realidade e a ficção.”
Um abração.
terror de medíocre,
Admiro sua disposição e invejo a disponibilidade de tempo que você tem para dedicar-se a essa cruzada. Daqui torço (e acompanharei, na medida do possível) por você.
Li este livro em 1980,tinha 16 anos, ainda guardo na memória a emoção que tive. Foi uma obra que me abriu os olhos não só para uma realidade que eu desconhecia como também esteticamente me deixou maravilhado. Ler este pequeno trecho me conduziu de volta ao meu velho COLTEC, quando matava aulas para me enfurnar na biblioteca e devorar livros que mudaram minha visão de mundo.
Valeu!
Obrigado Thiago pela informação! Abraço.
Foi uma grata surpresa ler “A Festa”. Um amigo me presenteou com o livro, fazendo recomendações, mas a sinopse de ficção de cunho político quase me fez o ignorar. Confiei no amigo e, que beleza, tive a alegria de descobrir um novo autor. Neste tipo de experimento formal poucos escritores brasileiros tiveram a felicidade do Angelo
Adoro toda a obra de Ivan Angelo e sinto uma imensa alegria ao ler suas cronicas de 15 em 15 dias na revista Veja Sao Paulo. Para os interessados, Ivan Angelo esta lancando HOJE na Livraria Cultura da Av. Paulista (a partir da 18 30) uma coletanea de cronicas!