Eu, Valfredo Margarelon, subscrevo esta declaração no intuito de recolocar a justiça acima dos boatos e restaurar a fachada honrosa do brasão de minha família, sordidamente maculada por três elementos nocivos à ordem e aos bons costumes do reino inglês. Meu espírito simples, desabituado à lida com as palavras, vem a público para desmentir as ignominiosas calúnias feitas contra minha prima, Maria Margarelon, por um desclassificado de nome João Manningham, em conluio com o autor teatral Guilherme Shakespeare, integrante da companhia Homens do Lorde Camarista, e outro chamado Ricardo Burbage, ator na mesma companhia. Juntos, os três espalharam boatos deturpados e desonrosos, que alteram o curso da verdade e mancham a honra de minha prima e irmã de criação. Eu afirmo, perante Deus e a justiça real, que tais aleivosias nasceram de suas mentes imundas e tiveram divulgação a partir de tavernas e bordéis, sítios tão infectos quanto indecorosos. Provarei aqui como sua versão dos fatos é caluniosa, além de muito deturpada pela arrogância que caracteriza o círculo teatral e os que nele perambulam.
O primeiro parágrafo anuncia com todas as letras a delícia que é a novelinha farsesca “O mistério do leão rampante” (Ateliê Editorial, 1995), livro de estréia de Rodrigo Lacerda – até hoje, em minha opinião, não superado por ele. Andei especulando por aqui que a literatura brasileira, tão queixosa da indiferença do público, talvez fizesse bem em se despir de uma certa sisudez para cair na gandaia (do texto), cuidando em primeiro lugar de divertir à larga – e de forma inteligente, claro – o pobre do leitor. “O mistério do leão rampante” faz isso com a maior elegância.
22 Comentários
Quer apostar como daqui a pouco vai aparecer o Saint Clair pra dizer que leu?
Hahahahahaah
Prezado Sérgio,
sou leitor assíduo do “Todo Prosa”, e admiro cada dia mais os seus escritos. Mas quem faz um espetáculo à parte são seus “comentaristas” de plantão. Como crianças que disputam um guloseima, eles estão sempre ávidos por lhe enviar o primeiro comentário e lhe disputar a atenção. A esse seleto grupo de leitores do “Todo Prosa” o meu forte abraço.
Mas qual é o problema se o Saint-Clair e outros leitores mais assíduos usem os comentários para exporem seus entusiasmos com livros e autores? Saint Clair tem se mostrado uma pessoa com muita paixão pela literatura e comentários irônicos como esses só podem surgir mesmo de pessoas que talvez, no fundo, não tenham como verdadeiramente colaborar de outra maneira além de tentando tirar o valor das pessoa que estão tentando fazer algo positivo.
…como verdadeiramente colaborar de outra maneira além de tentando tirar o valor de outras que estão tentando fazer algo positivo.
Caro Vinicius,
Espero que seu desabafo não se refira ao meu comentário de estréia. De minha parte, gosto de ler os textos do Saint-Clair, da Clarice, e de tantos outros que, com habitualidade e competência, brindam-nos com seus pontos-de-vista. Os textos do “Todo Prosa” se enriquecem justamente com a participação dos internautas. Tenho dito!
Vinicius,
Que bom te ver!
Mas é intrigante que o Saint-Clair ainda não tenha se manifestado. Será que está gripado?
Thomas m., obrigada. A gente tenta.
Mas o anfitrião é que conduz a discussão. Não dá para comentar matéria ruim.
O problema é o rombo no orçamento.
agora li com calma. Adorei o “cair na gandaia”. Eu acho que precisa sim, Sérgio. Claro com a restrição que você fez do contrário vira outra coisa. Deve ser bom este livro e gostei deste início. O meio teatral é bem por aí.
Mas cadê o Saint-Clair? Será que tem algum 1,99 de livros hoje?
Vinicius, tu és muito estressado mesmo. O profeta lá em cima fez um comentário espirituoso sobre o Saint-Clair, um comentário claramente amigável e tu já levas para o lado ruim. O Saint-Clair é querido de todos aqui, duvido que alguém levantasse um dedo para dritica-lo.
critica-lo (corrigindo…)
Pode ser, mas não se deve oferecer ao leitor apenas ambrosia, pão-de-ló, quitandas, pitéus e quitudes. O leitor também precisa receber um tiro na primeira frase, talvez na segunda, quem sabe na terceira. Um tiro certeiro capaz de deixá-lo songamongas, tonteado, um tiro certeiro que possua na primeira (ou na terceira ou na quarta frases) um tum-tum de malefícios (mesmo fingidos), um tum-tum de feitiços (mesmo com falsos despachos). Leitor que é bom deve morrer logo no começo. Mais tarde, mais adiante, devemos revivê-lo, trazê-lo da cova, retirá-lo de seu estado morto-vivo. Um leitor só é bom quando leva no cocuruto uns coques, uns piparotes. Cegar o leitor? Talvez. Calá-lo? Pode ser. Leitor bom a gente pega pelo cangote e enfia o rosto dele na fantasia. Devemos hipnotizá-lo. Uns gostavam de dar no leitor algumas bengaladas. A bengala é uma boa arma tonteante. Mas existem outras. Por exemplo, uma mesa posta com guloseimas. Só que o leitor não sabe onde fica o prato envenenado. Essas coisas. Etc. Sim.
Adendo besta: “quitudes” também servem, mas servem igualmente os quitutes.
Amém.
Mas o que está acontecendo aqui? Um festival de boiolas? Guloseimas…ambrosias…pitangas e quitéus, digo, quitandas e pitéus…
Façam-me o favor! Mais compostura!! Controlem-se!! Que vexame!!
Ô PROFETA!! Quá, quá, quá, quá. Foi ótima!
Aniversário de 20 anos de uma obra-prima extraordinária:
http://www.silverbulletcomicbooks.com/reviews/116577491411149.htm
Na imprensa brasileira, nada foi dito. Como sempre.
Outro ET? O Lucas Baldus acha que literatura é via de mão única e que o escritor é homem das cavernas:))))))
Vocês desculpem mas não dá para levar a sério um troço destes. Só rindo!
Hahahaha, e sabe o que é pior? Nunca li nada do Rodrigo Lacerda. O meu dinheiro não chega pra comprar tudo que quero ler, sabem? Fiquei sumido porque estou relendo João Antônio: “Leão-de-chácara”. Eis o meu começo inesquecível de hoje:
“O luminoso se acende e, num golpe, fixa as oito letras do nome francês e isto aqui, a que os otários e os espertinhos chamam de buate, está aberto na noite. De olho em pé, aceso e bem. Que para essa gente afobadinha demais, metida a ter vontade, mal acostumada, fantasiada com seus leros e ondas, quase tudo é folgança e prosa afiada. Ainda mais no começo da noite. E o pior é que o movimento e o rumor, as idas e vindas, essa fricoteira toda, para esses caras distraídos e de cabeça fria, é curtição”.
(Com a licença do Seu Sérgio, porque a idéia dos começos inesquecíveis é dele)
E, aproveitando, deixo meu msn pra quem quiser trocar dois dedos de prosa: saint-clairstockler@hotmail.com
Ô meu Pai! Vinícius, eu ADORO essa graphic novel. Brilhante! Fantásticos os vários e simultâneos níveis narrativos… É verdade, você está certo: é preciso comemorar esses 20 anos! (Sérgio, escreve uma nota aqui no Todo Prosa, vai…)
Aproveitando: você já leu o romance/livro de contos (há controvérsias sobre o que seja) do Moore “A voz do fogo”?
Sérgio, olha aqui um bom começo inesquecível: “Eu tinha vinte anos. E não me venham dizer que é a idade mais bela da vida” (“J’avais vingt ans. Je ne laisserai personne dire que c’est le plus bel âge de la vie.”). Conhece?
Bom mesmo, Eduardo. Não conhecia, mas o Google me apresentou. “Aden Arabie”, do francês Paul Nizan, você leu?
Pelo jeito, ninguém aqui leu mesmo essa obra-prima strictu e latu sensu do Rodrigo Lacerda apresentada pelo João Ubaldo e que encontrei literalmente no chão de uma banca de livros usados, em meio a Sabrinas e quejandos (como encontrasse Flowerville daqui a três meses… brincadeira, mas a realidade ronda). Não é de espantar, uma vez que nunca, até então, havia ouvido falar nessa pequena jóia, uma peça divertidíssima feita da mais fina ironia, aliás cada vez mais rara na literatura em português.
À propósito de um comentário do escritor Rodrigo Lacerda no “entre” da Globonews sobre ‘aparência”,o poema:
REGRESSO
Quando minha filha chegar de viagem
(e olha que terão passado uns poucos dias)
estará diferente e ainda mais parecida
com a outra que um dia ela verá refletida,
tão mais bela quanto crescida em meus olhos,
num espelho d’água e numa fotografia.
Leonor Vieira-Motta