Um fascinante artigo da Bloomberg Businessweek (em inglês, acesso gratuito) conta como um gigantesco ateliê norte-coreano de escultura e pintura em estilo realista-socialista, o Mansudae (que tem como principal cliente o próprio Estado, claro), foi a melhor opção da cidade de Frankfurt quando, há poucos anos, seus administradores decidiram reconstruir a Fonte do Conto de Fadas (foto), uma extravagância art noveau de 1910 que tinha sido derretida para alimentar a indústria bélica nazista na Segunda Guerra Mundial. Uma fábula real sobre como o tecido da história tem dobras surpreendentes em que o “atraso” estético pode virar vantagem competitiva:
Klaus Klemp, diretor do Museu de Arte Aplicada de Frankfurt, descobriu o Mansudae em 2004 e ficou tão impressionado com a qualidade de seu trabalho que convenceu a burocracia local a contratar o ateliê. “Foi uma decisão puramente técnica”, diz ele. “Os artistas de ponta na Alemanha simplesmente não fazem mais arte realista. Os norte-coreanos, por outro lado, não vivenciaram a longa evolução da arte moderna: estão meio que presos no início do século XX, que é exatamente quando a fonte foi construída.” O preço cobrado pela Coreia do Norte para reconstruir a escultura de bronze também foi atraente: 200 mil euros, transporte incluído.
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No artigo “Jornalismo cultural: promessas e impasses” (o primeiro de uma série), o crítico literário João Cezar de Castro Rocha dá prosseguimento, no jornal “Rascunho”, às mais lúcidas reflexões que tenho visto por aí sobre o momento crivado de sinais contraditórios que vive a cultura brasileira:
De um lado, verifica-se um movimento intenso na área da literatura, em particular, e da cultura, em sentido amplo. Festivais literários se multiplicam; jovens leitores criam blogs e vlogs para discutir suas leituras; autores se desdobram em oficinas e palestras; pequenas editoras surgem com propostas ousadas; o fenômeno da auto-publicação se firma no cenário das letras brasileiras, etc. etc..
De outro lado, escuta-se um coro orquestrado de teóricos, críticos e jornalistas decretando a decadência do momento atual, e, em casos extremos, diagnosticando o “vazio cultural” como a marca-d’água dos tempos que correm.
Ora, em meio ao tiroteio, que partido tomar?
No primeiro momento, partido algum. Trata-se de estudar o presente com uma dupla mirada, destacando as promessas, porém assinalando os impasses.
Em segundo lugar, deve-se analisar, concretamente, a cena contemporânea; caso contrário, como evitar o ridículo de uma frase que se ouve e lê com uma frequência preocupante? Eis: afirma-se que a literatura brasileira contemporânea pouco vale; e a crítica, nada conta. Nesse caso, pergunta-se ao casmurro magistrado: “mas que autores contemporâneos o senhor leu recentemente?”. A resposta, primorosa em sua perversão, encerra o diálogo, como se os famosos antropólogos de gabinete do século 19 retornassem sem constrangimento: “Eu? Nenhum, claro! Pois se a literatura brasileira contemporânea pouco vale…”.
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Uma imperdível reportagem de Lucas Ferraz na “Ilustríssima” conta a história da maior biblioteca especializada em sexo, drogas e contracultura em todo o mundo, com mais de 50 mil itens, muitos deles raridades. A coleção foi montada ao longo da vida pelo bilionário colombiano Julio Mario Santo Domingo Jr., morto em 2009, e cedida pela família a Harvard.
4 Comentários
Sérgio, tu já publicaste alguma lista de obras que você tenha lido e gostado? Se não, poderias fazer uma? O que achas? Única regra: A lista deve conter mais de dez obras. rs. É claro que se eu for garimpar encontrarei uma lista neste blog, mas gostaria que fizesses uma, se não te fores incômodo.
Madre, desculpe, mas vou passar. Depois de mais de sete anos falando de livros no Todoprosa, estou vendo cada vez menos sentido em listas desse tipo – ainda mais assim, sem recorte temático ou de época. Mas se você der uma busca na seção Que cena!, aqui do blog, terá uma relação interessante. Um abraço.
Sergio, Estou perplexo, nao com a materia em si, que achei bastante curiosa. Minha perplexidade esta na expressao “…..estão meio que presos no início do século XX….”. Pensei que o tal do “meio que” fosse algo horripilante e abominavel….Pra mim continua a me doer os ouvidos esse tipo de expressao, assim como os “tipo assim”, “a nivel de” e por ai vai.
Acho que você pode poupar sua perplexidade, Thomas. “Meio que presos” é uma construção coloquial que me pareceu a mais precisa tradução do original, igualmente coloquial, kind of stuck. “Meio presos”, naturalmente, não resolveria o problema, por ter sentido um pouco diferente. Um abraço.