Sobre “Como falar dos livros que não lemos?”, do francês Pierre Bayard (Objetiva):
Faz diferença enfrentar Ulisses, algo que vai nos consumir meses ou anos, se o que “importa” é saber sobre o que o texto trata, qual sua relevância, quais foram suas inovações de linguagem, que lugar ele ocupa na história da literatura?
Se tais perguntas fossem realmente a sério, uma crítica inevitável a Como falar… seria a de que seu autor esquece aquilo que move a maioria dos leitores. Ou seja, o prazer, o medo, o impacto, o encantamento e todas as sensações que tiramos de um livro em si, concomitantemente à sua fruição, o que é imediato e anterior a qualquer elaboração intelectual. É isso o que ficou para mim, por exemplo, dos romances de mistério da Coleção Amarela que li pelos 12 ou 13 anos, dos quais é difícil lembrar até os títulos. Ou dos gibis de terror da editora Vecchi. Ou de centenas de histórias de Tio Patinhas, Bolinha e Marvel que deixaram a infância gloriosamente autista e colorida.
Mas Bayard está longe de ser tão óbvio. Mais que uma tese, seu livro é um exemplar acabado de prosa irônica, que usa um cinismo falso para, no fundo, fazer uma homenagem ao objeto que parece desconstruir. Argumentando o tempo todo que não é preciso ler, citando o tempo todo obras que supostamente só folheou ou ouviu a respeito – mas que, percebe-se logo, ele conhece em detalhes –, parecendo o tempo todo flertar com uma variante de auto-ajuda para emergentes culturais, o ensaio também pode ser interpretado como uma ode à natureza da leitura. Só que uma natureza nem sempre percebida: a de um conhecimento sempre individual, incomunicável, irredutível a qualquer fórmula, e que por isso mesmo é um dos mistérios mais fascinantes da vida.
Michel Laub, preciso como sempre, falando em seu jovem blog da rumorosa provocação de Bayard. Está me fazendo repensar a decisão que tomei na época do lançamento: não ler o livro para poder falar dele em seus próprios termos.
10 Comentários
Em primeiro lugar, um viva! para a estréia de Michel Laub em blog. Em segundo, sua análise do livro de Bayard, uma aparente anti-ode à leitura. Michel mostra o contrário, que se trata de pura ironia do autor. Tinha interrompido a leitura, vou retornar a ela com outros olhos.
Tá claro, clarinho…o Bayard usa ironia e provocação.
Pra criticar um sistema, ou negá-lo com argumentação válida e coerente, há que se conhecê-lo por dentro.
Pra se desmontar regras, há que se dominá-las…
É o que o gajo faz bem feito.
Queria só saber quem tem dinheiro pra comprar uma das duas traduções do Ulisses.
Ler é o de menos, o problema é COMPRAR.
E essa ironiazinha em torno da literatura é típica dos intelectuais franceses punheteiros.
Tem sido um grande prazer ler o blog do Laub. Os posts dele sobre esse romance inédito do Francis são mais esclarecedores que tudo que saiu na imprensa.
preciso como sempre, é isso mesmo. que bom que o blog do Michel Laub tá começando a repercutir.
É,
Repercutindo como um címbalo nas alturas dos Alpes Suíços.
Livros são como estranhos conhecidos com os quais nos relacionamos, o encontro às vezes é profundo, duradouro, apaixonante como um bom amante. Por vezes enfadonho e cruel. Como falar dos livros que lemos é fácil, pois todos ficam presos em nossos dedos ou em nossa mente. Coberto de razão!
Olha a Nazarethe aí de novo… tô bege (imitando vocês sabem quem…rsrs)
“Nas suas relações,os homens procedem como a luz e os corcundas, que só apresentam uma das faces.”
ARTHUR SHOPENHAUER.
É Arthur Schopenhauer que se escreve…rsrs