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Concentração dividirá o mundo entre senhores e escravos

29/06/2011

Antes do tsunami digital, o poder pertencia aos detentores da informação. Agora, com a informação mais desvalorizada que cruzados e cruzeiros nos anos Sarney e Collor, a moeda em alta será cada vez mais a capacidade de concentração – aquela exigida por exemplo de quem mergulha na primeira página de um livro para emergir na última, sem parar dez mil vezes no meio do caminho para conferir o e-mail ou se divertir com vídeos virais no YouTube.

Parece um paradoxo, mas não é. O turbilhão das informações online é superficial para quem o consome, não para quem o produz. Toda horizontalidade tem uma dimensão vertical que a sustenta: o vídeo viral que se engole em um minuto e meio exigiu tempo e concentração de seu autor ou autores. A capacidade de imersão atenta e refletida que o mundo digital parece disposto a aniquilar é, no fundo, um dos pilares de sua linha de produção.

Uma pesquisa feita no mês passado nos EUA pela Nielsen apurou números interessantes: a maior parte dos proprietários de tablets (70%) e smartphones (68%) passam parte significativa de seu tempo de uso do aparelho (30% e 20%, respectivamente) diante da TV. Isso é dispersão em estado puro. (Lembrei-me de uma amiga querida que, nos anos 1980, só via TV ao mesmo tempo que lia revistas e fazia as unhas – uma vanguardista.)

Em um artigo intitulado “Como sobreviver à era da distração”, publicado na última sexta-feira pelo jornal inglês “The Independent”, Johann Hari desfiou argumentos parecidos para sustentar a já batida ladainha de que a leitura linear dos velhos livros é um bem social de que não podemos abrir mão: “É por isso que nós precisamos de livros, por isso que eu acredito na sua sobrevivência”, escreveu. “Porque a maior parte dos seres humanos deseja se engajar em reflexão profunda, com concentração profunda. Trata-se de músculos necessários para quem quer sentir profundamente e se envolver produndamente. A maior parte de nós não deseja tira-gostos mentais para sempre: queremos refeições.”

Para mim, tudo isso soa bem, mas não diz tudo. Na última quarta-feira, conversando com o jovem empreendedor americano Scott Lindenbaum no palco do Oi Futuro (foto acima), no Rio de Janeiro, sobre sua revista literária multimídia Electric Literature, fiquei surpreso ao ouvi-lo admitir que pouco se interessa pelas novas formas de narrativa que o meio digital propicia. A ideia de sua revista, afirmou, é usar os recursos digitais como chamariz, criando uma aura cool e jovem em torno da boa e velha literatura. Aquela feita exclusivamente de palavras, uma depois da outra.

Acho que a esta altura já se pode levantar uma hipótese a ser testada pelos próximos anos. A atenção concentrada não é apenas um valor cultuado nostalgicamente por tipos literários que, incapazes de aceitar a derrota, queixam-se como velhos ranzinzas da superficialidade de um mundo multitarefeiro. A atenção concentrada é o capital que cada vez mais dividirá os seres humanos entre senhores e escravos digitais.

16 Comentários

  • Afonso 29/06/2011em12:59

    Parece que a concentração, e consequente reflexão, sempre será necessária diante da avalanche de informações e ‘superficialidades’ digitais – encontrar o equilíbrio será o desafio. Por outro lado, há muitos caminhos a serem explorados. Do blog de Affonso Romano de Sant’Anna, reproduzo nas palavras dele: “Há alguns dias uma amiga nos EUA me enviou um link na internet. Sou meio analfabeto nessas coisas eletrônicas, mesmo assim baixei a preciosidade. Era algo que acabara de sair na Inglaterra: o famoso poema de T.S. Eliot, publicado originalmente em 1922 – “The waste land” – agora não apenas falado pela atriz Fiona Shaw, mas também nas vozes de várias pessoas e do próprio Eliot. E não era só isso. Ali estava o manuscrito do poema com as sugestões (nem sempre boas e aceitas) de Ezra Pound, além de várias personalidades comentando o texto. Enfim, aquilo era o que eu chamaria um livro total: texto, imagens, informações de toda ordem. Livro total à altura do sec.XXI” (…) Ele conclui: “E a leitura continuará. Por que o desafio ontem e hoje é o mesmo: ler e interpretar, com a tecnologia disponível, o mundo ao nosso redor.” É isso.

  • Gledson Silva 29/06/2011em16:43

    Tenho que ser estudado, pois passo boa parte do meu tempo checando e-mails, twitters, orkut e msn; discordando um pouco da pesquisa relatada na matéria

  • Horacio Fialho Moreira 29/06/2011em18:51

    Sérgio, achei excelente seu texto. Boas ideias de fato não precisam de muitas palavras. A frase “A atenção concentrada é o capital que cada vez mais dividirá os seres humanos entre senhores e escravos digitais” dá para ser tuitada e sobre espaço prá quem quiser dar RT. Grato, um abraço!

  • Ronald Sanson Stresser Junior 29/06/2011em18:59

    Acredito sim que a capacidade de concentração é relevante, entretanto, tal qual os suportes de acesso à rede devemos ser multitarefa. Existem estudos que relacionam a hiperatividade com o sucesso online. Se há 10 anos atrás crianças hiperativas eram consideradas problemáticas, hoje se sabe que estas pessoas tem melhor desempenho na internet.

    Não vejo vantagem em mergulhar na primeira página de um livro e continuar imerso nele até terminar. Vejo sim um diferencial nas pessoas capazes de ler 10 livros ao mesmo tempo, de forma dinamica. A capacidade de concentração, quando conectados, exige estarmos ligados em vários temas distintos ao mesmo tempo, a várias plataformas e aplicativos simultaneamente.

    Se no passado não muito distante a informação valia mais que dinheiro, acredito que hoje vale qa mesma coisa. Informação vale dinheiro, vale estar na frente. O capital do conhecimento sim, este valorizou muito.

    O escravo digital é o mesmo escravo de sempre, apenas a caverna foi ganhando novas tecnologias, entretanto os cativos continuam os mesmos, desde que Platão os definiu. Qualque um que fica olhando para uma parede o dia inteiro não pode produzir nada de valor indispensável à humanidade, pode sim produzir para outros cativos, como ele.

    Hoje todos somos prossumidores, consumimos mas também produzimos. Se a revolução industrial escravizou, a revolução tecnológica está libertando as pessoas. Vivemos uma revolução (social) dentro da revolução (tecnológica), e tudo isso vai transformar o mundo e a forma como o vemos.

    A verdade, penso, é que nos dias de hoje só escravo quem quer ser, ingressamos em uma era na qual, dentro em breve, não mais irão existir senhores nem escravos. Na Era da Informação e do Conhecimento, a tendência é equalização. Conectar é ligar e não separar. A sociedade conectada caminha para a consciencia coletiva e quem quiser continuar sendo ‘senhor de escravos’ arrisca ficar no caminho, ser isolado, deixado para trás. É tempo de despertar!

  • Wagner Bezerra Pontes 29/06/2011em22:50

    então quer dizer que tenho que abandonar o seu blog?! Oo ¬¬ hehehe(brincadeirinha) XD =D ;D

  • Rogério de Moraes 30/06/2011em07:57

    Olá, Sergio. No encontro de aniversário do blog da Cia. das Letras, minha pergunta falava exatamente disso.

  • Vàrio do Andaraí 30/06/2011em21:58

    Parabéns ! Obrigado pela leitura ( de conteúdo ).

  • carlos magno 05/07/2011em18:51

    gostei da materia, levanta um tema muito relevante, eu mesmo estou na midia digital pela perda da qualidade da tv e por causa das opções que ela dá e tambem ao escrever um comentario na sua coluna por exemplo de participar dela. Mas não abro mão de um bom livro impresso.

  • Luciana 09/01/2012em14:05

    Sinto a verdade destas palavras em minha própria vida, pois é difícil me concentrar meia hora sem pensar se chegou um novo e-mail ou sem dar um olhadinha no facebook para ver se tem novidade e, ainda sem receber uma chamada no msn. Isso vale tanto para quando estou lendo uma impressão, como para quando estou no computador. Se a leitura é na Internet, aí mesmo que a concentração fica comprometida. Lamento por esta verdade!

  • Jonas Lorenz Danker 10/01/2012em14:27

    Estava pensando exatamente sobre isso recentemente.
    Estamos perdendo a capacidade de reflexão por termos “circo” 24 horas por dia.
    As primeiras idéias de Newton apareceram em férias forçadas devidas à peste. Sem ter com o que se distrair começou a desenvolver suas teorias. Não é possível desenvolver conceitos sem concentração e dedicação.

  • Osvaldo 25/04/2012em14:26

    A ledngua portuguesa e9 uma ledngua viva e como tal este1 sp a mudar, mas ineeilzmfnte, e como dizia o meu prof de paleografia, evolued sp por baixo. Agora sf3 resta saber se essa correce7e3o e9 feita de acordo com o portugueas de Portugal, ou com o portugueas do Brasil Bj ternurento,Cav