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Concentração dividirá o mundo entre senhores e escravos

14/06/2014

Até o fim da Copa do Mundo, que estou cobrindo para VEJA, o blog traz uma seleção de posts de outras jornadas. O artigo abaixo foi publicado em 29/6/2011.
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Antes do tsunami digital, o poder pertencia aos detentores da informação. Agora, com a informação mais desvalorizada que cruzados e cruzeiros nos anos Sarney e Collor, a moeda em alta será cada vez mais a capacidade de concentração – aquela exigida por exemplo de quem mergulha na primeira página de um livro para emergir na última, sem parar dez mil vezes no meio do caminho para conferir o e-mail ou se divertir com vídeos virais no YouTube.

Parece um paradoxo, mas não é. O turbilhão das informações online é superficial para quem o consome, não para quem o produz. Toda horizontalidade tem uma dimensão vertical que a sustenta: o vídeo viral que se engole em um minuto e meio exigiu tempo e concentração de seu autor ou autores. A capacidade de imersão atenta e refletida que o mundo digital parece disposto a aniquilar é, no fundo, um dos pilares de sua linha de produção.

Uma pesquisa feita no mês passado nos EUA pela Nielsen apurou números interessantes: a maior parte dos proprietários de tablets (70%) e smartphones (68%) passam parte significativa de seu tempo de uso do aparelho (30% e 20%, respectivamente) diante da TV. Isso é dispersão em estado puro. (Lembrei-me de uma amiga querida que, nos anos 1980, só via TV ao mesmo tempo que lia revistas e fazia as unhas – uma vanguardista.)

Em um artigo intitulado “Como sobreviver à era da distração”, publicado na última sexta-feira pelo jornal inglês “The Independent”, Johann Hari desfiou argumentos parecidos para sustentar a já batida ladainha de que a leitura linear dos velhos livros é um bem social de que não podemos abrir mão: “É por isso que nós precisamos de livros, por isso que eu acredito na sua sobrevivência”, escreveu. “Porque a maior parte dos seres humanos deseja se engajar em reflexão profunda, com concentração profunda. Trata-se de músculos necessários para quem quer sentir profundamente e se envolver produndamente. A maior parte de nós não deseja tira-gostos mentais para sempre: queremos refeições.”

Para mim, tudo isso soa bem, mas não diz tudo. Na última quarta-feira, conversando com o jovem empreendedor americano Scott Lindenbaum no palco do Oi Futuro (foto acima), no Rio de Janeiro, sobre sua revista literária multimídia Electric Literature, fiquei surpreso ao ouvi-lo admitir que pouco se interessa pelas novas formas de narrativa que o meio digital propicia. A ideia de sua revista, afirmou, é usar os recursos digitais como chamariz, criando uma aura cool e jovem em torno da boa e velha literatura. Aquela feita exclusivamente de palavras, uma depois da outra.

Acho que a esta altura já se pode levantar uma hipótese a ser testada pelos próximos anos. A atenção concentrada não é apenas um valor cultuado nostalgicamente por tipos literários que, incapazes de aceitar a derrota, queixam-se como velhos ranzinzas da superficialidade de um mundo multitarefeiro. A atenção concentrada é o capital que cada vez mais dividirá os seres humanos entre senhores e escravos digitais.

2 Comentários

  • Ronaldo Braga 17/06/2014em09:25

    o mundo então terá dois tipos de pessoas: a
    A – O tipo que gosta de distração e terá que buscar quem o alimente
    B – Quem batalha, luta pela vida e por uma vida melhor.
    Bom então eu escrevi este texto chamado pessoa

    PESSOA
    A visão de uma relva, uma flor, uma água estreita a correr longos caminhos, é sempre como um sonho e então é neste cenário belo, quase que preparado, que o sangue humano escorre por entre feridas e cortes profundos.
    Vivemos em um tempo comédia, onde a tragédia é apenas um conteúdo silencioso, onde a tragédia não é mais uma estética e nem uma época, antes, o trágico é um decadente estilo violento de matar e morrer. Um tempo, que a estética, não é mais que uma cômica forma covarde de um viver, que não é vida, e sim uma perene busca de não ser o responsável, uma busca perene de por no outro todo o peso do comando.
    Humanos, não são pessoas, por que nasceram humanos, antes se tornam ou não se tornam pessoas, pois pessoas são, não somente um formato humano, pessoas são valores e valores precisam de força, coragem ou perecem de joelhos.
    Pessoas, para pessoas serem, necessitam acima de tudo de desejos, objetivos e responsabilidades, e saber que o outro não pode fazer aquilo que só você deve fazer.
    Responsabilidade, gravidade, capacidade de superação e coragem para enfrentar, primeiro, seus próprios limites, são as leis que fazem de um ser, que nasce humano, uma pessoa.
    R.B.Santana
    http://www.ronaldobragas.blogspot.com

  • Pedro 15/07/2014em11:25

    “o mundo então terá dois tipos de pessoas: a
    A – O tipo que gosta de distração e terá que buscar quem o alimente
    B – Quem batalha, luta pela vida e por uma vida melhor”
    Ironicamente, aqueles que ‘batalham, lutam pela vida e por uma vida melhor’ são aqueles que propiciam ‘distração’ para os que gostam dessa e que ‘tem que buscar quem os alimente.”