Mas, para além de suas preocupações teológicas, Wood nunca demonstra muito interesse naquilo que os romances querem dizer. Sua crítica oscila entre o plano mais aberto e o mais fechado, o desenvolvimento da técnica ficcional ao longo da história do romance e as particularidades miúdas do estilo autoral. Seu brilhantismo ao descrever ambos os quadros é inigualável, mas ele ignora praticamente tudo o que existe no meio do caminho. Ignora o amplo meio-campo da forma romanesca – estruturas narrativas, padrões de personagem e imagem, símbolos que conectam diferentes momentos e níveis de leitura num texto – e ignora os sentidos que os romancistas propõem por meio desses recursos. (Isso explica seus erros factuais e deslizes interpretativos; ele simplesmente não presta a devida atenção ao que está num determinado plano.) Wood pode discorrer sobre um narrador de Flaubert ou o estilo de Bellow, mas não se mostra muito curioso a respeito do que esses escritores têm a dizer sobre o mundo: sobre tédio, dor, morte ou qualquer outra coisa no vasto e estrelado universo da experiência humana.
Agora que está na moda – e com algum fundamento, não se pode negar – considerar James Wood, da “New Yorker”, uma espécie de deus da crítica literária, é leitura obrigatória a crítica ao seu trabalho (em inglês, acesso gratuito) publicada na revista “The Nation” por William Deresiewicz (via Arts & Letters Daily). Meticuloso, ponderado e cheio de acenos corteses à erudição de seu alvo, mas nem por isso menos violento, Deresiewicz me parece mais eficaz no parágrafo acima: não fica nada bem para um realista a pecha de não ter curiosidade sobre o mundo fora dos livros. Borges, que Wood não respeita muito, tiraria isso de letra, transformando a acusação em elogio, mas o autor de How fiction works é o grande “inimigo” de todos os pós-modernistas, o último bastião teórico do realismo literário. Deresiewcz bateu para doer. E de quebra nos lembra que existe um prazer intenso, embora fora de moda, em acompanhar debates intelectuais civilizados em que as armas são apenas… argumentos.
12 Comentários
Nada contra debates literários “civilizados” onde as armas sejam os punhos… são muito profundos, pragmáticos e divertidíssimos…rs
Sérgio, já viu este blog?
Não conhecia, Renata: juro que plagiei o nome dele no título do post desavisadamente. Obrigado pelo link.
Olá Ségio,gostei de seu blog!Muito inteligente.
Visite o meu também!
Abs!
Marcelo
Eu tinha lido esse texto também, e, embora seja fã de carteirinha do Wood, gostei dele. O Deresiewicz conseguiu essa rara façanha – no meio literário, ainda mais rara – de fazer críticas expondo argumentos construtivos, ao invés de gratuitamente destrutivos. Mostra, principalmente, que respeita seu “alvo”. Fosse no Brasil a discussão, logo alguém partiria para a velha ofensa ad hominem: “ah, o cara é católico, só fala merda”, por exemplo. “Ele escreve na Veja e publica resenha do próprio livro, não tem capacidade de julgar outro autor”.
Um dia chegamos nesse nível.
Antes que o complexo de vira-lata se alastre, é bom lembrar que já tivemos debates inteligentes por aqui. E que a regra, mesmo no dito Primeiro Mundo, é bater primeiro, argumentar depois. Deresiewicz X Wood é exceção, pinçada com muita argúcia pelo colunista.
Oi Sérgio, tudo bem?
Nesta sexta e sábado, dias 28 e 29, a Livraria Cultura preparou um projeto bem bacana chamado Vira Cultura. A loja do Conjunto Nacional, em São Paulo, vai “virar a noite” e ficará aberta durante 37 horas. Será possível assistir a vários eventos literários, de arte, teatro e música, o dia e a noite, tudo gratuito.
Dentre os eventos, teremos leitura de trechos do clássico de Dostoiévski, Os irmãos Karamazov, em comemoração à nova edição, entre outros lançamentos e encontros com autores.
Será um prazer ter você conosco! Se puder ajudar a divulgar aos seus leitores, também agradeço! É uma super dica para quem gosta de literatura!
Se precisar de mais informações, só falar!
um abração e obrigado!
http://www.riuston.com.br
Ah, mas nem chamou o cara de veado!
Muito legal. Não conhecia nem um nem outro, se me permitem confessá-lo. 🙂
Sou um pessimista. Discordo com Jonas quando escreve que :
“Um dia chegamos nesse nível.”
Sem nenhuma intenção de provocar, só partilhar uma impressão, creio que não chegamos, mas não chegamos mesmo.
Mas também sou um realista, o que me leva a concordar com o Daniel Brazil e com o próprio Deresiewicz (ô nome), que invectiva a preguiça intelectual do debate numa crítica generalista aos americanos:
“We are great anointers in this country, a habit that obviates the need for scrutiny. We don’t want to have to go into the ins and outs of a thing–weigh merits, examine histories, enter debates. We just want to put a face on it–the logic of celebrity culture–and move on”
Claro que eu não concordo que os americanos sejam todos assim, e também não concordo que SÓ eles sejam assim. Mas qualquer um que examine o que acontece nos poucos espaços de alguma relevância para a discussão literária rede afora (aqui no Brasil tá difícil achar na Imprensa), vai concordar que o valor das exceções é tão mais alto quanto for a hegemonia da regra.
Ops, era “discordo do” Jonas
Sérgio,
é verdade que nenhum crítico é infalível, todos tem seus cacoetes mas quando um crítico consegue nos mostrar (ou melhor – consegue despertar interesse em um autor que nos era desconhecido e depois de ler esse tal novo autor desconhecido tu achar que valeu a pena conhecer o livro do sujeito e quando relê a crítica do crítico tu percebe que o sujeito apontou para as qualidades que também foram as que te impressionaram, ufa, bueno, isso é um momento cultural – pessoal que seja, a ser celebrado).
Por ter conhecido o David Bezmozgis por meio do James Wood, só tenho que agradecer ao sujeito.