Estou lendo com muito prazer o recém-lançado “Conversas com escritores”, de Ramona Koval (Globo Livros, Biblioteca Azul, tradução de Denise Bottmann). É apropriado que o título chame de “conversas” (no original, conversations) as entrevistas feitas pela escritora e jornalista australiana especializada em literatura com 26 autores – entre eles Saul Bellow, Ian McEwan, Toni Morrison, Harold Pinter, Gore Vidal, Mario Vargas Llosa, Amós Oz e Martin Amis.
“Há momentos em uma entrevista em que a gente prende a respiração, sem saber se o próximo passo vai trazer a humilhação pública ou um agradável alívio”, diz Koval na introdução. O risco faz mesmo parte de seu jogo. Não lhe falta informação sobre a obra dos autores entrevistados, mas tampouco falta coragem para se colocar diante deles em abordagens pouco convencionais.
Fico pensando que talvez seja a oralidade do rádio, veículo em que ela apresentou durante anos um programa de sucesso em seu país, chamado The Book Show, a principal explicação para o fato de suas entrevistas se distanciarem do formato tradicional e virarem bate-papos propriamente ditos, com reticências, associações livres, apartes e epifanias. “Relendo estas entrevistas”, escreve Koval, “vejo que volto constantemente a perguntas sobre a maneira de avaliar uma vida, como se adquire sabedoria, como se enfrenta a morte, o significado do amor…”. Acredite, dá certo. Ela consegue extrair novidade de gente que já não aguenta mais responder da mesma forma às mesmas perguntas.
Isso, por sua vez, talvez explique o fato de o leitor sentir de vez em quando o impulso de entrar na conversa e começar a discutir com a página.
Abaixo, um pequeno trecho da entrevista com o escritor irlandês John Banville, que escolhi por duas razões, uma pública e uma privada. A pública: Banville será uma das atrações principais da Festa Literária Internacional de Paraty este ano. A razão privada é que, tendo acabado de entregar (hoje mesmo) meu novo romance à editora, acho que tenho uma ideia razoável do que ele está tentando dizer.
Por que [escrever] é um processo medonho? Queria saber, pois escrever, afinal, não é tão difícil quanto trabalhar numa fábrica.
– Provoca coisas medonhas. (…) A minha mulher disse que viver com um escritor é como viver com alguém que acaba de voltar de um assassinato especialmente sangrento. É um processo muito desgastante. É por isso que tantos escritores bebem tanto, porque a única coisa que humaniza a pessoa no final do dia é uma taça de vinho. É a coisa mais exigente que consigo imaginar. Imagino que o esporte tenha suas exigências, mas é mais uma exigência física. Sei, teoricamente, que um esportista precisa se posicionar não só em termos físicos, como também intelectuais, mas escrever… não há nenhum aspecto físico, é apenas o puro consumo da capacidade cerebral oito horas diárias, e no final do dia a pessoa está absolutamente exausta, esgotada, e não sobra nada para os que estão ao redor, e é muito difícil; só posso sentir apreço e gratidão pelos que têm me aguentado cinquenta anos fazendo isso.
5 Comentários
Que coisa bonita, Sérgio! Quer dizer que aquele cujo pano de fundo é o futebol vai sair…
Quem sabe te vejo na FLIP…Afinal, é na minha cidade.
o melhor do post foi saber que vem livro novo por aí. abraço!
Eu fico pensando, o que sobra para um trabalhador exausto tentar ser escritor? O tempo para escrever e pensar, ao menos até onde sei, é um fator pouco comentado nessas entrevistas.
‘Conversas com escritores’: a arte do bom papo | VEJA.com | A Arte da Literatura | Scoop.it
A arte da entrevista, por Ramona Koval | capítulo dois