Excelente notícia: Carlos Heitor Cony, um dos poucos escritores propriamente ditos da Academia Brasileira de Letras, comemora seus 80 anos (completados dia 14 de março) lançando romance novo, o primeiro desde 2003. Chama-se “O adiantado da hora” (Objetiva, R$ 32,90) e quando sair, no próximo dia 18, promete causar algum escândalo. Nada que se compare ao caso das caricaturas de Maomé – o catolicismo é bem mais flexível, afinal. Flexível mas nem tanto: vale lembrar a recente tempestade de protestos que desabou sobre os falos desenhados com terços pela falecida artista plástica Márcia X., e que fez o Centro Cultural Banco do Brasil cancelar a mostra “Erotica”. Acontece que Cony, um ex-seminarista que já decretou, pela boca de um personagem do romance “Informação ao crucificado” (1961), que “Deus acabou”, continua afiado em sua tensão espiritualidade x anticlericalismo. “O adiantado da hora” é uma farsa furiosa, de humor escrachado e absurdo, em que Madre Teresa de Calcutá, beata a caminho da santificação, torna-se personagem de uma tórrida cena de sexo – mas talvez tudo não passe de mentira de um certo Seabra…
O adiantado da hora (trecho)
Ninguém sabe por que nem quando o chamavam de Seabra – nem ele, que por cautela adquirida com o tempo nem mesmo se chamava, deixando isso para os outros.
No Registro Civil, na Inspetoria de Trânsito, na Receita Federal e na Ordem dos Velhos Jornalistas, da qual era sócio fundador e remido, em várias delegacias especializadas ou não, constava o seu nome verdadeiro, Antônio Ferreira de Araújo, sendo que nesta última instituição, para melhor identificação, depois dos nomes oficiais, aparecia o Seabra, entre parênteses, como uma espécie de fórmula química (H2O), para a água; como uma família botânica (Cucumis sativus), para o pepino; ou identificação de um micróbio (Treponema pallidum), para a sífilis.
Seria um mistério em si, nome imposto pelo uso e adotado pelo consenso, não fosse o próprio Seabra um mistério à parte, ninguém tinha certeza de nada quando dele lembravam ou quando procuravam esquecê-lo.
Mas como esquecer o sujeito que garantia ter sido seduzido pela Madre Teresa de Calcutá, em 1935, quando viajava pelo Oriente (onde nunca pôs os pés) e passou a noite num albergue em Bombaim, onde fora recolhido após assombrosa bebedeira.
Colocado numa esteira de bambu, Seabra curava o porre quando uma freira com cara de retirante nordestina aproximou-se e perguntou se ele precisava de alguma coisa. Sim, ele precisava, a freira estranhou aquele desconhecido ali jogado na esteira de bambu, entre indigentes, mas com furiosa vontade de trepar, trepar o que fosse, uma vaca sagrada (estava na Índia), um camelo, um encantador de serpentes, até mesmo uma serpente, embora fosse complicado transar com uma delas.
É de ignorância geral como se passaram as coisas, nem mesmo ele sabia ao certo. O próprio Seabra contava o episódio em diferentes versões, que poderiam ser assim classificadas:
a) em 78 rotações, curtas como os primitivos discos das vitrolas antigas;
b) em longa duração, como nos discos de vinil, em 33 rotações, um pouco mais compridas;
c) em CD, narração que durava mais de uma hora, com detalhes escabrosos nos quais a freirinha revelava uma luxúria que deixara Seabra de língua dura e pau mole.
Quando, anos depois, soube que a madre ia ser elevada à glória dos altares, como santa, ele acrescentou um lance ao episódio: após saciado pela gula da freira, ela o teria obrigado a recitar os sete Salmos Penitenciais, dos quais Seabra não tinha conhecimento prévio, nem deles teria depois, apesar de, voltando ao Ocidente e procurando se informar, ter arranjado com um beneditino de Solesmes um livro de orações que tinha os referidos salmos em versão latina e francesa.
Seabra não sabia latim nem francês, o livro de orações de nada lhe serviu, mas segundo constava, foi trocado por uma imagem do Senhor dos Passos atribuída ao Aleijadinho ou a um de seus discípulos, troca que inauguraria Seabra ao mesmo tempo como eventual comerciante de obras raras, entendido em barroco mineiro, jornalista e desocupado nas horas vagas, que eram muitas, para não dizer, todas.
9 Comentários
Essa cabra Coni não precisa chamar a madre Teresa para escrever cena tórrida. Basta botar o nome dele como precursor dos “mensaleiros”, um sujeito que enraiba a Pátria todos os meses nalguns milhares de cruzeiros e já enraibou nalguns milhões. Para que mais torridez do que enraibar a viúva?!
E a polêmica teve início.
Adorei ver você “todoprosa”. Boa sorte nessas novas palavras.
Obrigado, Dani. Apareça sempre.
Mas quando afinal teremos Literatura (com “L” maiúsculo) de novo? Com 32,90, tiro fotocópia de um livro de Cecília Meireles e lucro muuuuuito mais.
My God, o que a idade não faz com os escritores?
Cony?! Blerghhhh…… Está certo que escreve bem mas não dá!
Abs.
Cony não escreve bem – sua prosa é pedestre, se comparada a quaisquer dos realmente bons escritores brasileiros. E suas opiniões são quase sempre de uma mediocridade avassaladora. Num determinado momento, quando integrava o número de cronistas do “Correio da Manhã”, nos seus “áureos” anos da década de 1960, ganhou certa fama por escrever contra a ditadura militar (embora seus escritos nunca tivessem sido realmente censurados – tenho um livro dele, com coleção de crônicas políticas, publicado naquela época!). Foi com ela, a fama de contestário de araque, que conseguiu entrar para a Academia, uma opulenta “indenização” (até hoje não sei porquê) e uma salário eterno. E continua escrevendo “protestos” que mais parecem coisa de adultescentes, como diria o Sérgio Rodrigues…
Acho que o Cony esta mais parecendo uma personagem de John Cheever. Com este adiantado da hora esta mais para nao tras novidade. Nao é as memorias de Sade. E continua se repetindo. E sobre fazer parte da Academia. Isso, “a esta altura do campeonato” nao significa, pois la tem entrado ultimamente quase todomundo. Por exemplo: um cineasta que nunca escreveu livro! A Academia é um mausoléu, um fóssil, uma lareira de vaidades e nulidades. Me perdoem os puros, ingenuos e crentes do pensamento unico midiático! A tradicao e o conservadorismo da academia esta vindo abaixo atraves de suas mais estranhas campanhas de “renovação” com a nominata e eleição dos mais díspares seres. Não ficarei admirado se amanhã ela venha a ter entre seus pares “eleitos” e homenageados para ocupar uma das 40 cadeiras daquela caverna chamada Petit Trianon “compositores” de raps, funks, pixadores e grafiteiros.
queria dizer: “mais pra la do que pra ca” no trecho: […Com este adiantado da hora esta mais para nao tras novidade.] Ops! Perdao!
Apesar de gostar da imagem da Madre Tereza sendo enrabada (gostaria até de ter sido eu o Seabra, pois a albaneza foi uma linda mulher na sua juventude) o velho Cony e sua literatura não me interessa para nada. Aliás, todo sujeito que aceita ir para a Academia é um crápula que, apesar da farsa literária que qualquer um pode inventar, não tem nada a dizer. E depoiis, foi quase padre, sabe latim, mama em no corporativismo vil dos jornalistas, dá palpites idiotas na CBN etc. Enfim, quem está adiantado da hora é ele. Esse país não é apenas uma bosta, ele engendra bostas.