Entrou no ar neste fim de semana o site da segunda edição da Copa de Literatura Brasileira. Como um dos jurados deste ano, tive direito a voto, mas nem por isso me considero suspeito para elogiar a lista dos dezesseis concorrentes, que me parece sensata, eclética e representativa. Não faltará quem torça o nariz, alegando que a literatura brasileira não produz dezesseis bons romances por ano. Concordo. Mas o que importa é que os livros realmente relevantes estão lá. E se a Copa for tão divertida quanto a do ano passado, terá valido a pena.
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Muito bom o texto do crítico Alcir Pécora na “Folha” de sábado (só para assinantes) sobre o livro de contos “Putas assassinas” (Companhia das Letras), de Roberto Bolaño:
De repente, percebe-se que a paisagem é de horror, na iminência tensa de um desastre. A natureza do desastre é potencializada na injustiça e crueldade da América Latina, acumulada sobre um fundo primitivo de traição, dor e vingança. A violência contra mulheres, índios, velhos e crianças são evidências da devastação em curso, mas não é para os políticos que Bolaño aponta em primeiro lugar o dedo acusador, e sim para a cumplicidade que a literatura estabelece com eles: a literatura dos poetas nacionalmente celebrados, cujo serviço sujo seria disfarçar a violência e o sofrimento em pitoresco latino-americano, gesto tanto mais imperdoável, quanto se iguala ao de negação de uma chance de vida real.
Seguindo nessa linha, Pécora acaba por escalar outro autor da mesma editora, em grande evidência neste momento, como anti-Bolaño: Jorge Amado.
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Distraído que sou, só tomei conhecimento do bom programa de rádio Laboratório de Leitura, no ar desde o início do mês passado, ao ser entrevistado por Diego Franco para a mais recente edição. Recomendo.
47 Comentários
Não vejo problema no fato do Brasil não produzir 16 bons romances por ano. A Copa do Mundo de Futebol não tem 32 times espetaculares. A idéia da Copa de Literatura é muito boa. Você tem seu favorito ao título? Abs.
Marcelo: na condição de jurado não devo comentar isso. Você tem o seu?
O filho eterno.
Bernardo Carvalho, talvez? Carola Saavedra? Não posso falar muito, na verdade, porque li poucos dos que estão ali.
Que vença o melhor, direi eu, que não li nenhum.
Carola Saavedra? Quando eu me senti fortemente tentado a reescrever o primeiro parágrafo do seu livro, que era assim:
Outro dia sonhei que atravessava o deserto do Atacama, horas e horas atravessando o Atacama, ao meu lado no carro, dirigindo, alguém que eu não conseguia reconhecer. Alguém que eu conhecia, eu tenho certeza, mas o rosto, por mais que eu tentasse, o rosto era apenas um esboço, um borrão. Lembro que eu não queria estar ali, eu queria qualquer outra coisa, sei lá, ir ao cabeleireiro, ao cinema, mas por algum motivo eu estava ali, atravessando o Atacama, e isso me desesperava.
e ficou assim:
Outro dia sonhei que atravessava o deserto do Atacama, horas e horas atravessando-o. Ao meu lado no carro, dirigindo, alguém que não conseguia reconhecer. Alguém que eu conhecia, tenho certeza, mas o rosto, por mais que tentasse, o rosto era apenas um esboço, um borrão. Lembro que eu não queria estar ali, queria qualquer outra coisa, sei lá, ir ao cabeleireiro, ao cinema, mas por algum motivo estava ali, atravessando o Atacama, e isso me desesperava.
(muito melhor, não acham?)
eu desisti de ler o livro dela.
Pra quem não é assinante da Folha:
Crítica/”Putas Assassinas”
Charme de obra de Bolaño se baseia na condição de fragilidade
Editado em 2001, livro de contos chega ao Brasil pela Companhia das Letras
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Possivelmente Roberto Bolaño (1953-2003) seja o escritor latino-americano com prestígio crítico mais crescente e maior potencial editorial, fenômenos que, isolados, não acontecem todos os dias, quanto mais conciliados entre si.
Não se pode descartar a suspeita, contudo, de que o prestígio se alimente também das notícias admirativas face à vida desregrada que levou, na qual o radicalismo político, apartidário e antiinstitucional se amplifica com experiências pessoais excessivas, como o nomadismo, o uso de drogas, a freqüência da barra pesada, a atitude rebelde e destemida, e, enfim, o amor sincero à literatura.
Quer dizer, o imaginário do “wild side”, ou da “vida loca”, para usar uma imagem latina, pode ter pesado na avaliação muito positiva que a obra tem recebido. A suspeita, que, no fundo, insinua divergências irreparáveis entre obra e vida, não faria sentido para Bolaño.
Em “Putas Assassinas”, livro de contos editado em 2001 e lançado agora no Brasil, uma das personagens diz: “A arte (…) é parte da história particular muito mais do que da história da arte propriamente dita”. E arremata: “É a única história particular possível”. Não estranha, portanto, que os seus textos tenham um temperamento jovem, capaz de imprimir a posições políticas um caráter surpreendentemente confessional, e as confissões mais pessoais, um tom de escolha e luta políticas heróicas, ainda quando o herói se confesse frágil.
Talvez mais ainda aí: quando a vontade ou a atitude do sujeito surge no interior da condição da sua fragilidade. Para mim, é esse o charme de Bolaño, com toda a equivocidade do termo.
É certo que está longe de ser um charme de ocasião. Há grande domínio técnico em sua narrativa, apoiada em diversas alças da tradição que pareceriam inconciliáveis entre si: as de viés mais especulativo e cerebral, como Poe e Borges; as de tom mais atmosférico e opressivo, como Kafka ou Malcolm Lowry; as de abandono às experiências da estrada e do sexo, como os beatniks.
O êxito da mistura se deve, sobretudo, ao cuidado da disposição, na qual seqüências de ações casuais, anódinas, acabam se metendo em labirintos, a seguir falas indiscerníveis, linguagens de sonho, ameaças veladas.
De repente, percebe-se que a paisagem é de horror, na iminência tensa de um desastre. A natureza do desastre é potencializada na injustiça e crueldade da América Latina, acumulada sobre um fundo primitivo de traição, dor e vingança. A violência contra mulheres, índios, velhos e crianças são evidências da devastação em curso, mas não é para os políticos que Bolaño aponta em primeiro lugar o dedo acusador, e sim para a cumplicidade que a literatura estabelece com eles: a literatura dos poetas nacionalmente celebrados, cujo serviço sujo seria disfarçar a violência e o sofrimento em pitoresco latino-americano, gesto tanto mais imperdoável, quanto se iguala ao de negação de uma chance de vida real.
Por isso, imagina histórias de amor e trepadas que duram até o amanhecer com nomes e fotografias de poetas desaparecidos. Também desse ponto de vista, o menino mapuche, sobrevivendo duramente na periferia, é a imagem exemplar do poeta a se perder no deserto do presente.
O que me suscita outras duas observações: 1) mais do que qualquer outro autor citado com reverência por ele, “Putas Assassinas” parece remeter a Salinger, com o pesadelo de crianças à beira do abismo; 2) a iconoclastia de Bolaño está sendo lançada nos mesmos dias e na mesma editora que relança Jorge Amado, o papa do pitoresco nacional.
O que Bolaño pensaria? Que a iconoclastia faz correr sangue fresco para velhos vampiros? Que a ironia é a mais certeira das figuras? Que a lucidez é perpétuo desengano?
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas e autor de “Máquina de Gêneros” (Edusp).
PUTAS ASSASSINAS
Autor: Roberto Bolaño
Tradução: Eduardo Brandão
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (224 págs.)
Avaliação: ótimo
A lamentar na Copa – iniciativa de resto interessante e divertida – mais uma vez a exclusão dos livros de contos (ainda que sob uma categoria outra). Seria mais justo que o torneio se chamasse Copa do Romance Brasileiro.
Entre comentários mais prosaicos a respeito da literatura e dos leitores brasileiros, Sergio Rodrigues diz, na entrevista ao Laboratório de Leitura, que “a elite de leitores não coincide com a elite econômica”. É uma intuição correta e precisa do estado de coisas. E dá muito o que pensar.
Saint-Clair, a sua emenda ao parágrafo da Saavedra é perfeita. Muito agudas as suas observações e retificações. É pena que você coloque muita viadagem no seu blog (como este video ridículo de machos dançando uma coreografia obscena), eu visitá-lo-ia mais freqüentemente.
É claro que para o restante do Brasil Jorge Amado é pitoresco: um autor que se divertiu enquanto escrevia? Um autor relevante que diverte o leitor? Um homem que reunia na mesma frase crítica social e elogio gluteal? Chega a ser ofensivo para parte parisiense do Brasil… Pode-se falar o que quiser do Jorge Amado, mas o homem escreveu ao menos três obras-primas (‘Quincas’, ‘Tocaia Grande’ e ‘O capitão-de-longo-curso’) e se quem critica e diminui Amado não tiver talento para escrever alguma obra-prima também, o que é o caso na esmagadora maioria das vezes, são palavras ao vento, e palavras ao vento se perdem no vento… Quanto ao Bolaño, depois de ler quase toda a obra dele já (falta ‘Amberes’ e ‘Literatura Nazi na América’) posso emitir uma opinião: foi um grande escritor, e merece sim toda atenção editorial que recebe. Mas não enterrem García Márquez e Vargas Llosa e Donoso e Julio Cortazar e Juan Jose Saer e Cabrera Infante e Carlos Fuentes e Carlos Onetti e Sergio Pitol e Ricardo Piglia por causa dele, seria um empobrecimento. É coisa de gente que não leu a literatura latino-americana das décadas 1960-70 afirmar que Bolaño ‘superou’ essa geração. Pode até sentar confortavel na mesma mesa com eles, isso sim. Mas ‘superar’, como leio aqui e ali, já é demais. Bolaño sim foi um grande leitor da literatura latino-americana, quem atravessou boa parte da nossa literatura de expressão espanhola lê Bolaño com outros olhos: um filho agitado mas que, no fundo, não é tão revoltado assim com seus pais. Ao contrário: mostra um respeito que chega quase a veneração cega. Só tem vergonha de admitir esse orgulho. Aí fica fazendo birra. Mas Bolaño é um ótimo exemplo que prova a máxima feia, simplória e feia, de que livros nascem de livros, sempre foi assim, e sempre será. Um latino-americano com orgulho de ser latino-americano? Está aí uma coisa rara, algo que não se vê todo dia…
Aiê, galera
Marcelo, concordo contigo que há uma incoerência na Copa ao não incluir livros de contos, embora o Lucas me pareça um cara sério e generoso em sua iniciativa. Mas aí os poetas podiam chiar também, não?
Eu acho que dá pra botar em campo um livor de contos e um romance (ou novela) e deixar a bola rolar. Ao final da leitura, os comentariastas poderiam julgar qual foi o melhor livro, aquele do qual saiu mais satifeito como leitor de ficção. Claro que numa coletânea de contos há irregularidades, uns são melhores do que outros, mas os romance também têm (quase todos) melhores momentos e alguns menos felizes (bem-sucedidos).
Também sou contista, embora sem livro, mas, a julgar pela sagaz colaboração do Saint aí em cima, publicar hoje no Brasil tem mais a ver com loteria e compadrio do que talento mesmo.
Acredito que a Copa poderá vir a abrir uma “chave” para os contos, pois seu sucesso como painel da produção literária tupiniquim me parece indiscutível.
Agora vou pegar um jacaré.
à plus
Pôxa, Paulo (o outro Paulo), eu boto viadagens tão raramente no meu blog!?! 99% das vezes são assuntos “neutros”… Você podia visitar com mais frequência o Opiário, viu?
Só boto viadagens lá quando elas mexem particularmente comigo, como foi o caso dos garotões rebolativos… Ninguém é de ferro, né? LINDOS!!!
Vinícius,
Concordo com você: o Bolãno veio pra SOMAR e não pra SUBSTITUIR, como parece que estão vendendo ele por aqui. Seria ridículo achar que pra ele ter espaço temos que jogar esses outros grandes escritores que você mencionou fora.
Fala sério! ¬¬
Mudando de assunto:
Vocês ouviram falar que tem um pool de editoras portuguesas (mais uma ou duas de Angola e Moçambique) querendo comprar a Cia. das Letras?
Vejam só:
“A nau à frente desta invasão já aporta por aqui: o grupo editorial Leya, composto por oito editoras portuguesas, uma moçambicana e uma angolana, articula a compra de editoras no Brasil – a primeira seria a gigante paulista Companhia das Letras – e a transferência da sede para cá.”
Caramba!
Areias: concordo com vc que a iniciativa é bacana e o Lucas tbm me parece um cara sério e generoso
Só um pouco de contexto, Saint-Clair. O parágrafo que você citou é o início de um diálogo. Você esqueceu de pôr o travessão. A personagem está no sofá do terapeuta contando um sonho. Ou seja, a linguagem é oral. Daí o fluxo meio caótico e a informalidade do trecho, é lógico. Até acho sua pontuação mais agradável de ler, mas seu “atravessando-o”, sério, não cabe ali.
Yada,
Se é o início de um diálogo, não tem isso indicado no original.
Vinicius e Saint-Clair: fiz um grande esforço, mas confesso que não consigo ver o que teríamos a ganhar com essa visão conciliadora e mascaradora de tensões que vocês professam para a literatura. Bolaño se alimenta do conflito com a tradição latino-americana, isso é bem evidente. Encena esse conflito de milhões de formas, a admiração se misturando com o repúdio em combinações variadas. Isso não quer dizer – o que seria pueril – que toda a tradição é anulada por Bolaño. (Se quiséssemos enveredar pela psicanálise de botequim, poderíamos dizer que entender todo confronto como tentativa de assassinato denuncia psiquês pouco maduras. Mas vamos deixar a psicanálise de botequim para outra hora.)
Mudando de continente, mas não de assunto: compreender por que Nabokov se afirma nas letras russas como um anti-Dostoievski não nos impede de ler os dois. Mas – eis a beleza da coisa – essa leitura será bem mais rica se conseguirmos compreender a tensão estética que se produz ali, mesmo que seja para, em último caso, denunciá-la como pura estratégia de marketing do autor mais jovem. Tudo menos mascará-la numa grande irmandade de escritores eunucos. Literatura sem olho roxo não tem graça nenhuma.
Abraços aos dois.
“Literatura sem olho roxo não tem graça nenhuma.”
E é precisamente por tal razão, acrescento eu, que o falar mal é medida higiênica das mais importantes para desinfetar o mundo das letras, onde o germe das idéias feitas e a bactéria do comodismo estético proliferam-se em níveis assustadores.
Refael, você deve ser o nosso melhor escritor em atividade porque você se expressa com uma atitude que faz o Nabokov parecer humilde…
Não estou mascarando nada, Sérgio. Apenas vejo ‘Os Detetives Selvagens’ como uma homenagem a ‘Três Tristes Tigres’ e ‘A região mais transparente do ar’; ‘Noturno do Chile’ como uma homenagem à ‘O outono do patriarca’; muitos contos como diálogos abertos com Cortázar e Borges; seus ensaios debochados como homenagens aos ensaios de Sergio Pitol, até na ar debochado e surreal de alguns deles… E por aí vai… É muito mais conflituoso enfrentar a tradição de frente do que pinçar nela aquilo que nos serve, até mesmo porque não é isso que Bolaño faz… Ele dialoga diretamente com Vargas Llosa, que vivia espinhafrando, ele tem um artigo covarde diminuindo Donoso e não faz outra coisa além de visitar o universo dele… Para quem conhece livros como ‘O lugar sem limites’, ‘Três novelas burguesas’, ‘O jardim ao lado’, ‘O Obsceno Pássaro da noite’, ‘Este Domingo’ não existe muita novidade temática nem formal em Bolaño. Impressiona muito, isso sim, como ele retrabalha temas desses autores do Boom… Essa é a grande tensão: como escrever um grande romance sobre a experiência mexicana com ‘A região mais transparente’ no meu cangote? Escrevendo ‘Detetives Selvagens’… Quem conhece a obra do Fuentes não tem muita novidade no ‘Detetives Selvagens’. Diria até mais: ‘2666’ é uma fantasia histórica dentro do universo do ‘Terra Nostra’ do Fuentes. Não tem muita novidade no Bolaño, isso é fantasia que nasce da ignorância. Estimem Bolaño, mas não superestimem porque ele dá mais passos para o lado que para frente, e é por isso que o admiro. Agora essa conversa de revolução e passo adiante da imprensa, superação, é conversa de escoteiro em busca de herói… Nunca fui escoteiro… Escritores fracassados, estudantes em busca de poetas perdidos, professores universitários pesquisando autores obscuros, exilados politicos tentando se adequar a vida na Europa, o cotidiano mesquinho de poetas fracassados vivendo de colaborações escusas com o poder, etc, etc… Pode parecer que estou descrevendo o Bolaño, mas estou descrevendo o chileno José Donoso… A impressão que dá é que Bolaño surge do nada, como uma espécie de redentor… Mas não é não, e é por isso que é tão interessante… O contrário que poderia acontecer: um resgate da tradição latino-americana a partir do Bolaño. Isso sim seria riquíssimo! O espírito da recepção do Bolaño é meio ‘esqueça o resto, é isso que vale’ quando Bolaño cresce MUITO justamente quando se valoriza o restante… Ele despreza o Donoso, por exemplo… Como livros são feitos de livros, e tudo que escapa do livro é confete e serpentina, o importante é notar que Bolaño é filho direto de Donoso, mesmo que ele diga tão mesquinhamente que Donoso foi um escritor ruim… Se o Bolaño é mesquinho e imbecil, não preciso ir atrás dele porque o que interessa são os livros… Entrevista, prefácio, artigo, isso é tudo encenação… Se na entrevista ele despreza, no livro ele ama, venera, retransforma, homenageia… Mas Sérgio, no fundo estamos falando a mesma coisa… Só acho que o amor também gera cicatrizes e olho roxo… Quanto ao Nabokov, ele não gostava de ninguém que tivesse tanto talento quanto ele… Mais ou menos como o Bolaño… E é meio superficial essa conversa de anti-Dostoiévsky, da mesma forma que é superficial Bolaño anti-Boom… Pelo que sei a crítica de Nabokov acerca de Dostoiévsky era de natureza estilistica: ele achava que o russo tinha uma prosa de jornalista, apressada e pouco trabalhada, e preferia Tolstoi, Tchekhov, Lermontov, prosadores ‘artistas’ que trabalhavam a linguagem com mais esmero… Mas muitos dos conflitos do Nabokov são facilmente encontrados da obra do Dostoiévsky… Escritor mente muito, inventa muita onda, acha que levar o leitor diretamente a sua fonte tira um pouco do seu brilho, acho que deve ser isso… Bobagem… Aos meus olhos aumenta o brilho…
Melhorou, Vinicius. É possível mesmo que – sem mascaramento de conflito neste caso – estejamos dizendo mais ou menos a mesma coisa. Embora para mim o Bolaño seja um autor muito mais original do que para você, a tensão com os grandes vultos do passado que ele alimenta tem, obviamente, muito de homenagem. Admiração misturada com repúdio, como eu disse. Quanto a Dostoievski, está correto dizer que o problema de Nabokov com ele era basicamente de estilo. Só isso? Bom, para um escritor que é 90% estilo, como o Vladimir, é um problema e tanto.
Vinicius, siga o conselho do Oráculo de Delfos: conhece-te a ti próprio.
Se o meu abreviado texto de pouco mais de quatro linhas passou-lhe a impressão de que sou mais arrogante que Nabokov, se justo esse curto parágrafo, no qual não cantei loas a mim mesmo, não mencionei nenhuma habilidade que me fosse imanente, não atribui a mim nenhum dom da natureza, se essas parcas linhas causaram-lhe tamanho desconforto, não será antes porque você anela no mais fundo da alma ser adulado, sabujado, admirado pelos coetâneos como o primus inter pares, o mais erudito, o mais espirituoso da geração?
Talvez lhe atormente a idéia de que sua geração não receberá, no futuro, a unânime aclamação dos povos.
Esse espectro que lhe assombra diuturnamente você tenta exorcizar, agarrando-se ao otimismo mais ingênuo, panglossiano, que lhe cega o espírito crítico.
Sinto informar-lhe, entretanto, que não tenho veleidades literárias e não aspiro a ser nenhum Nabokov. Não quero senão viver a aurea mediocritas de que falava Horácio, a dourada mediocridade em que vivem os homens honrados.
O Vinicius fala de algo interessante – a influência involuntária disfarçada pela repulsa. Vejo muito disso no Conrad, que dizia detestar Dostoiévski, mas que em alguns momentos me parece o mais fiel herdeiro do russo.
Essa briga entre Sergio e Jatoba esta otima, mas parece um pouco pendenga de compadres tipo a do Nabuco, dizendo que a Ceci, de Alencar, mais parecia uma Norma de Bellini. No fundo sao amigos… trocam missivas… nada de olho roxo….
Sergio, a retorica de arrasar quarteirao para a qual tanto voce quanto o Jatoba convergem, a de cuspir na geracao literaria anterior, eh, como todos nos sabemos, um jogo de marketing, mais velho que a travessia do mar Vermelho (… ou que a heroica batalha de Lepanto!), pois no fundo cada escritor elege a tradicao com a qual quer dialogar ( Hatoum/Amado, Fonseca/Costallat-Pynchon-Roth…. so pra citar dois que me vem agora).
So para exemplificar a superficialidade desses jogos de “olho roxo,” lembro de um cidacao que apareceu uns anos atras no cenario Latino com um papo de “geracao McOndo,” um tal de Alberto Fuguet. Disse que fazia e acontecia em cima do cadaver do Garcia Marques… conclusao o tal Las peliculas de mi Vida eh um tremendo livrinho de geracao… pobre e sem sentido. Um Daniel Galera ou uma Adriana Lisboa, por exemplo, escrevem com muito mais riqueza estilistica que esse rapaz. Mas eh a coisa da propaganda…. do proselitismo… das conexoes e dos grupos aos quais pertences….A midia e os suplementos literarios compram o discurso sem vergonha e o jogaram para o topo da lista dos mais vendidos.
Seguramente, sempre quando ouco esse topico de conflito geracional, como a desse rapaz, vejo uma tentativa canhestra de se afastar de uma literatura de qualidade mas datada (como a de Marques), utilizando a moeda de troca de um marketing abusivo. No fundo essa eh a mesma retorica do olho roxo: visibilidade, apologia, pegando no centro de uma das fraquezas humanas, a vaidade do autor e a suposta ingenuidade do leitor.
Hoje, a literatura eh um negocio! Quem divida, leia no blog do Nassif a coluna ( de titulo genialmente ironico) Os Mais Vendidos http://www.projetobr.com.br/web/blog/4#6636
A proposito da tua birra com o Donoso, Jatoba, vai ai uma frase dele que sempre reverbera quando penso em copas, premios, tacas que tenham mais relacao com a literatura que com o futebol:
“Eh muito provavel que os premios literarios tenham sido criados por algum demiurgo sarcastico para sublinhar a gargalhada com que o tempo se vinga das certezas.”
Jatoba, pra terminar, a tua sentenca de que o Jorge Amado ofende a parte parisiense do Brasil eh otima… queria ter escrito isso antes de voce. Athe concordo contigo mas o meu problema eh que ja nao consigo ler a pop pasteirizacao industrial que virou a escrita do Jorge Amado. Eu comeco a lembrar do Caetano, do Brown, do Gil e me sobem uns acidos estranhos do estomago.
Chico, não existe briga nenhuma, essa palavra é muito forte. Apenas expresso aqui parte daquilo que passa pela minha cabeça, esse espaço é um grande laboratório de idéias e como o Sérgio não monopoliza nunca os sentidos das discussões existe bastante liberdade aqui até para bobagens. Já devo ter cometido uma boa dezena de asneiras por aqui. Não tenho birra com o Donoso… Chico, vou ser honesto contigo, estou muito magoado e sentido de você não ter prestado atenção no que escrevi… Tive o maior trabalho e você afirma que escrevi uma porção de coisas que não escrevi… Estou chateado contigo… Isso muito me magoa…
Rafael, você usou quatro palavras – anela, sabujado, diuturnamente, coetâneos – que devem ser, pela confusão de sons e letras, alguma coisa muito ruim… Se eu tivesse uma riqueza vocabular maior até arriscava te responder, mas admito que não é para mim, estou muito velho para esse tipo de coisa… Teria que nascer de novo… Você não é novo Nabokov não, uma pessoa que usa latim numa caixa de comentários tem todo direito de escolher quem quer ser… Vamos lá, Rafael… Quer ser o Bolaño? Quer ser o Borges? O Ovídio? Escolha, escolha… ‘Pensatis e matutatis, cacildis… Escolhevareae o nomine que xuxê qué’
Sobre Nabokov e olhos roxos, lembrei de uma resenha sobre as cartas do autor:
“There is an exuberance about his self-delight which cancels out its arrogance. After a while, his lightning denunciations of most other writers dazzle rather than strike: Saul Bellow is ‘a miserable mediocrity;’ Eliot and Pound are ‘big fakes’; Thomas Mann is a ‘ponderous conversationalist;’ Faulkner a joke. “
O link da resenha,
http://books.guardian.co.uk/reviews/biography/0,,99383,00.html
“Literatura sem olho roxo não tem graça nenhuma.”
Bem, Mario Vargas Llosa concordaria. Já Gabriel Garcia Marquez, bem, este eu acho que não …
V. Jatobá,
Por que vc não escreve assim no Estadão? No jornal seus textos, diferente dos deste tópico, são ilegíveis.
Infelizmente, não posso continuar com o diálogo com o Sérgio e o Jatobá porque não conheço tão profundamente assim a literatura latinoamericana.
Estou tomando providências para corrigir a falha, mas vai levar ainda uns bons 10 anos. Estou na etapa de aprender a falar espanhol, pra não depender mais das traduções nacionais, de preço muito além do que o meu bolso pode pagar. Os livros na Argentina, no Uruguai (e na maioria dos países latinoamericanos) é baixíssimo. Na Argentina, por exemplo, livros não têm impostos. Nenhum. E roubar livros não é crime. Ninguém pode ser preso roubando livros. No máximo, te obrigam a devolver. Porra, que merda, queria tanto morar num país assim, onde não fosse crime roubar livros!!!
Além disso, leio por prazer, não como um programa. Leio só o que quero e/ou o que posso conseguir. E nem sempre posso conseguir o que quero ler. Por exemplo, os livros do Bolãno, que estão pela hora da morte (dele). Felizmente existe a internet e consegui o e-book do Detetives Selvagens em espanhol.
Chico, pelamordideus, a gente falando de Bolaño e você vem com Fuguet… Sim, uma certa imprensa literária comprou, e daí? Isso significa que tudo é marketing? Convém não confundir olho roxo com maquiagem.
Vinicius,
Não se deixe impressionar com meu vocabulário. É que gosto – muito – daquelas revistinhas Coquetel, de palavras cruzadas. Como você já está “muito velho”, recomendo o passatempo, infinitamente mais útil que jogar dominó na pracinha, apesar de não ser tão lucrativo quanto vender bilhetes de loteria.
Chico,
Há um artigo interessante sobre rivalidade de Cervantes e Lope de Vega na internet:
http://cvc.cervantes.es/obref/aih/pdf/02/aih_02_1_062.pdf
“a gente falando de Bolaño e você vem com Fuguet”, hahahaha.
Belo comentário o do professor Pécora. Bolaño é sim um baita escritor. Agora, o cara era meio marqueteiro de si mesmo sim… No que ele fazia muit bem. Independentemente disso, é um escritor que deixou uma obra literária que conta, o que não é pouco.
1) Jatoba nao foi a minha te ofender. Tambem considero esse espaco otimo pela troca de ideias. E gosto muito dos teus pontos de vista e admiro teu naipe de leituras. E a proposito, ja segui muitas das tuas dicas de leitura, bem antes de participar dessa confraria. Mas desculpas eu nao peco, nao, meu camarada, desculpe.
2) Gosto demasiado do Bolano, e o considero sim um bom escritor ( falo de Amuleto e Detectives selvages), mas nao o considero genial, nao. Considero-o um tnato auto-referente. Numa primeira leitura isso funciona como novidade, mas depois do segundo e terceiro livros, algo me estorva.
3) Ser bom nao anula o fato de que ele se tornou xodo do Jose Millas e de alguns escritores catalaes que compraram o seu discurso de perseguido politico no Chile. Tudo bem, depois teve umas complicacoes bravas de saude e nisso a gente nao toca.
4) E dai, Sergio, que o Fuguet eh uma merda? Eh uma merda sim – eu nao afirmei o contrario nem quis comparar bolano com Fuguet – e a imprensa literaria o comprou como compra um monte de gente e poe na lista dos “mais vendidos”. Esse eh o meu ponto, que serve tanto pra Bolano, Millas e Fuguet – e vou tirar o Marques dessa, e dar uma aliviada no Amado, ok, pois ai sim eu taria variando da cabeca, estroinando com voces e comigo.
Rrrrafael, fui ler o texto sobre a rivalidade do Vega com o Cervantes. Algumas partes sao intressantes (ri muito do Lope Vega como “gran pecador” ), mas eu nao sei o que eh pior, se o espaniol academico ou o portugueis de terceiro grau.
Rafael, a vida não é nem tão dramática quanto dizem, nem tão séria quanto imaginamos. Na minha lista de prazeres livros ocupam uma boa posição, e tenho o provilégio de escrever sobre livros em espaços em que as pessoa gostam de livros. Algo especial, mas ninguém é tão extraordinário assim. A recepção do Bolaño no Brasil não difere muito da recepção do Bolaño na Argentina, por exemplo. Ano passado vivi em Buenos Aires dois meses e meio e as mesas de lançamentos vendem os mesmos livros e os suplementos falam dos mesmos autores. E em comum também essa euforia que parece jogar fora o melhor daquilo que escrevemos. A impressão que tive é que tirando Borges não sobrou nenhum autor de valor no passado literário. E o que mais impressiona é como o próprio Bolaño participou ativamente dessa campanha de depredação. Ler os artigos dele na imprensa, suas entrevistas, e tem uma coletânea chamada ‘Entre Parêntesis’ que traz bastante desse material, é realmente frustrante porque saímos de lá achando que nada além de Bolaño e Borges presta. E ele tem uma coisa meio ‘Geração 90’: os colegas de antologias e editora (Anagrama) são as únicas coisas legíveis que a américa latina possui. É curioso que alguém com uma obra narrativa tão enriquecedora construiu meteoricamente uma figura pública (e cultural) tão empobrecedora. Para ser honesto, acho muito interessante pensar os motivos para isso. O que sei é que é praticamente impossível comprar livros do Donoso, Fuentes, Vargas Llosa, Onetti, Cabrera Infante na… Argentina! A depredação cultural desses autores vem com uma agressiva ausência do catálogo deles do mercado… É só em sebo, e olhe lá… Achei que fosse encontrar fácil a obra completa do Felisberto Hernandez e demorei um mês (um mês!) para encontrá-la… Num sebo escondido num bairro distante… E o Bolaño, e a figura dele, só agrava esse quadro porque a falta de generosidade que ele tem cava ainda mais fundo esse buraco… Ele gasta páginas e páginas elogiando autores ruins porque são colegas dele, e simplesmente joga fora obras inteiras importantes em dois parágrafos… Essa atitude é a seguinte: eleva autores que não possuem a menor condição de incomodá-lo, e assim aumenta ainda mais seu próprio brilho… Basta lembrar que Nabokov fazia coisas semelhantes: elevava Updike e Salinger, jogava Faulkner e Bellow na latrina… O Bolaño tem a mesma postura mesquinha do Nabokov nesse sentido, a mesma mistura juvenil de vaidade com arrogância… O que não diminui em nada os livros e legado deles… Mas só não precisamos cair na armadilha que eles montaram…
Voltando à vaca fria, ou Copa de Literatura, sem querer desviar o assunto, que vença o Sr. Tezza!
Pois é, Vinicius. Aí você pega um livro chamado Conversações com Goethe, no qual o fiel e fidedigno Eckermann reproduziu as opiniões do octogenário (sim, octogenário) escritor alemão. E você lê como esse senhor, uma celebridade imensa para a época, era antenado com a literatura conteporânea, que acompanhava com entusiasmo. E como ele apreciava os escritores mais jovens, como Byron e Walter Scott, a respeito dos quais dizia palavras afáveis e elogiosas. Esse Goethe, tão reverenciado em vida, não se deixou cegar pelo orgulho doentio que contaminou as últimas décadas e soube admirar a produção da geração mais nova.
Depois de ler um livro desses, a gente sente até um embrulho no estômago ao lembrar as ensoberbadas criaturas que infestam o atual mundo das letras.
Entao, Jatoba, eu concluo [ironia on, para nao ser misunderstood], que para se firmar como um “escritor geracional” voce precisa se juntar com um monte de outros escritores – mediocres ou nao – da tua geracao, subir numa lata de oleo mazzola e comecar a pregar contra a geracao anterior, ou um ou outro escritor que encabece este grupo, sejam estes bons ou maus. [ironia off].
Por isso, sempre desconfiei desse tipo de [ironia on] pacote turistico ( “manetas que escrevem”, “cegos nas letras dos 80”, “geracao velotrol dos 90”, “anoes literarios do milenio”) [ironia off] por concordar com teu argumento de nao cair na armadilha que essas esfinges literarias (Bolano, Paz no Mexico, e ateh o Borges contra o Cortazar e o Roberto Arlt) criaram; pois afinal, no teu caso e de muitos outros criticos, como dizia o Benjamin, a critica eh uma forma de recriacao literaria ao iluminar vaos e vazios que nem o leitor tampouco o autor perceberiam sem as lentes do critico.
Rafael, isso que voce diz sobre a iluminacao de Goethe, tambem houve aqui, na Terra dos Papagaios. Certa vez o Chico Buarque estava curioso sobre o que o pai andava lendo e entrou no seu escritorio. Isso era no final dos anos 60. O pai o surpreendeu de inopinado folheando o Coleira do Cao nas maos e aconselhou-o a ler uma das promessas literarias brasileiras. Isso era no final dos anos 60 antes do Homem de Fevereiro ou Marco, Fonseca estava no segundo livro. Alias, na minha opiniao o melhor livro do Fonseca (com inclusive uma incursao dele pelo mundo da alegoria de ficcao cientifica – tao grata ao Sergio – que ele retirou das reimpressoes seguintes)
Então a briga entre o Bolaño e o Octavio Paz no México era tudo encenação?:shock:
Tudo jogada de marketing…
Os infra-realistas…
Eu fico com a Carmen Boullosa:
“Paz, Huerta, Arreola, Cortázar: Bolaño took the best from them all. When he left Mexico he wasn’t fleeing the masters: He was running to catch the ball they had flung high into the air.”
Ou o próprio Bolaño
“Me excluí [del movimiento que había fundado] al cabo de pocos años. Yo creo que estos grupos, pues no están mal, pueden ser divertidos, incluso tienen una función que cumplir, pero únicamente en la medida en que conservan el sentido del humor. Si el humor se pierde, pues entonces estamos otra vez en las puertas de la iglesia y por ahí yo no paso.”
😯
Agora sim!
😉
Rafael
Conheço vários – vários! – jovens autores nacionais que publicaram um ou dois livros, acham-se a melhor coisa que já aconteceu na literatura brasileira nos últimos 100 anos, e guardam um desprezo (velado, porque não são bobos) por seus outros jovens colegas…
Seu post me lembrou isso.