O problema de Demóstenes Bastião era que ele escrevia em preto-e-branco. Não num preto-e-branco estiloso ou expressionista. Num preto-e-branco cinza, cinza-e-branco, cinza-e-cinza. Chiadeira das mais invernosas, sua prosa era mais cacete que a palavra “cacete” usada como adjetivo, mais morrinha que um daqueles lençóis de vapor que uma vez por década envelopam o mundo por semanas, meses, sem chover nem sair de cima, até os canários virarem limo e os orgasmos, perebas. Desprovida de quaisquer efeitos poéticos, dramáticos ou cômicos que soassem minimamente autênticos, a prosa de Demóstenes Bastião era sem lustro, sem lastro, sem risco, sem gosto, sem gusto. Nada iluminava, nada movia. Movia-se, só, e penosamente. Era como se desafiasse o leitor a cada advérbio preciosista, a cada contorno de frase corretíssimo e vão: se você não desistir, não espere que desista eu. Renitente, isso não dá para negar que a escrita de Demóstenes Bastião fosse. Feito um vírus combalido que, de uma hora para a outra, ao descuido mais bobo, pode ser mortal. E aqui não se trata de metáfora, infelizmente. Consta que houve mesmo seis ou sete casos funestos. Está certo que o sujeito acabar de ler um livro de Demóstenes Bastião e morrer ali mesmo, olhos vidrados, duro na poltrona, podia ser só uma coincidência, vá lá, da primeira vez. Mas a repetição macabra deveria ter bastado para nos abrir os olhos.
37 Comentários
Tem o estilo do Nareba…
Pode ser um exercício em terceira pessoa do próprio Demóstenes Bastião. Just kidding. Mas há metáforas demais e, conforme se diz em inglês, o trecho “belabors the point”, repete muito uma idéia que o leitor já capta nas duas primeiras frases. Essas frases caudalosas tb são desnecessárias.
Suspeito que seja o Andre Sant’anna.
gostei. não assinado, assumo que seja proveniente da pena do “blogger”. beleza Sérgio, agora, não creio que termine no “…abrir dos olhos.”. esperamos a continuação. forte abraço!
Nossa, discordo completamente do Bemveja. De qualquer forma, é um trecho muito curto para avaliar. Diria que gostei com um pé no precipício.
O texto é do Sérgio, sem nenhuma dúvida. E Demóstenes Bastião deve ser alter ego de muitos que campeiam por aí, matando seus leitores de raiva por terem gasto dinheiro precioso em objeto inócuo.
Pô, Sérgio! Tá regulando a mixaria? Põe um trecho maiorzinho, vai!
Esse trecho me lembrou o último livro do João Gilberto Noll, A máquina de ser. Chato pra cacete (o substantivo).
(Tá, Tibor, pode rir)
HAHAHAHAHAHAHAHAHA…. Gilberto Noll é a chatice elevada à enésima potência.
Sim, é chato porque ele tentou replicar o estilo do Sr. Bastião. Eu *acho* que sei de quem ele está falando…
Os romances dele e o primeiro livro de contos são muito bons, Tibor. Mas fiquei decepcionado com este último.
É um texto inédito. Sendo otimista, prefiro acreditar que os pecados nele contidos tenham sido deliberados, de modo que minha resposta à pergunta do título seria: não, doloso.
Como eu sempre digo, o Sérgio gosta muito de ironias. Muito bom, engraçado e, voltamos ao que havia sido dito no post anteriro: Quando quiser ser irônico avise com uma semana de antecedência, coloque manual de instrução, ilustrações e dvd interativo com exemplos práticos aplicados na vida real.
Abraços.
Este texto certamente não foi escrito pelo Bastião.
Muito bom, Sérgio.
É verdade, Fernando. Só em algumas partes, como “não espere que desista eu” (hino nacional, alguém?). Imagine se Bastião ia escrever “num” ao invés de “em um”.
Não entendi: qual a diferença de se escrever “num” ao invés de “em um”? Não é questão de preferência, não, hein?
Ah, sim: “a dupla ou tripla ocorrência de palavras – palavras exóticas! – com menos de 24h de diferença” chama-se “sincronicidade” e é junguiana…
Simone Campos:
Acho tão antipático escritores que têm blogs mas não permitem comentários. É a mesma coisa que se mostrar a bunda, mas de dentro de uma caixa de vidro: qual é a graça, se a gente não pode passar a mão nela?
Acho que este Bastiao anda plagiando “Nareba, o virtuoso”. Provavelmente é um outside ex-companheiro de cela do Nareba.
Adorei “não espere que desista eu”. E figuras de linguagem, todas, estão muito bem colocadas, descrevendo o perfil psicológico do protagonista.
Continuo com o pé no precipício, já que não sei de onde parte e para onde vai esse texto.
Mas a construção do texto é ótima.
A “construção” do texto é tão boa quanto a dos prédios do Sergio Naya.
Paf! Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiii…..Plof!! shirlei horta acaba de despencar do precipício, empurrada pelo Bemveja.
Cara Shirlei, obrigado pelo interesse. Tenho por regra nunca “explicar” posts, principalmente os de ficção. Cada um lê o que quer – ou pode. Abro uma exceção porque seu pé no precipício me deixou preocupado. “Culposo?” é mais um textículo da série que acompanha o Todoprosa desde o início, de posts satíricos com pequenos perfis ou vinhetas em estilos variados – sim, é claro que o estilo depende do personagem, como sacou a Simone – sobre escritores e o ofício de escrever. Lúcio Nareba e The Bogus Writer, para citar alguns dos mais recentes, são parentes de Demóstenes Bastião. Como você, também não sei muito bem onde isso vai dar. Blog, como gostam de dizer os comentaristas esportivos, “é momento”. Espero ter ajudado a aplacar sua angústia. Um abraço.
faP! iiiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaa….folP!! shirlei horta resgatada pelo Sérgio.
Melhor subir logo cara shirlei, porque essa corda é meio frágil… De saída, o SR disse que não tem “por regra” não explicar posts. Logo em seguida, faz precisamente o contrário!
Essas explicações e desculpas extratextuais não redimem nada. Ironia, precisa de universalidade, concisão e leveza, do contrário é apenas uma private joke. Além disso, para onde foi o conceito, que se aprende até em manuais de jornalismo, de se escrever somente o necessário? Provocar nos leitores aquela sensação de “ok, já entendi, já sei onde você quer chegar” é contraproducente (p/ dizer o mínimo).
Bemveja, você sabe o que quer dizer “exceção”? Pois eu disse que ia abrir uma para a Shirlei e expliquei por quê. Não dei “desculpa” nenhuma, nem teria por que fazer isso. Como eu disse, cada um lê o que quer – ou pode, ou consegue, ou alcança. É do jogo. Mas acho pelo menos curioso que, tendo deixado claro desde o início que detestou o texto, você faça questão de repetir isso a cada duas horas.
Sérgio, essa sua iteressante série de perfis me lembra “O todo-ouvidos”, do Elias Canetti.
Um abraço,
Ana Z.
Sérgio, abrir uma exceção apenas formaliza a incoerência. Eu não “detestei” o texto. Meus comentários, por colocarem a cabeça acima da manada, é que chamam talvez um pouco mais de atenção. Acho que você faz muito bem em demonstrar curiosidade pelos comentários daquelas pessoas que lhe criticam, aliás repito: a sina do escritor não é só ser lido ou colher os buquês deslumbrados das shirleis e sheilas da vida, é ter seus textos esmiuçados e criticados mesmo. Não se preocupe tanto com o tom ou a frequência dos comentários (isto é a internet, afinal); preocupe-se, isso sim, com o aplauso pavloviano e com a indiferença.
Múúúúúúúúúú…. pra você, Bemveja.
Bemveja, seus comentários chamaram atenção, sem dúvida, mas apenas pela freqüência ligeiramente obsessiva. Não encontrei neles nada que me fosse de ajuda, infelizmente. Em compensação, também não vi manada nenhuma, ela deve ter passado em silêncio dessa vez.
Pois é Tibor, está cheio de replicantes (andys) na cultura brasileira! Parecem leitores, falam feito leitores, mas não lêem no sentido de interpretar o texto. Qualquer comportamento que se desvie da rotina já chama a atenção!! Eu fui criado numa atmosfera em que o anticonformismo era estimulado, e não cerceado. Nessa multidão de vacas sagradas e ovelhas elétricas, espero que o nosso Deckard do Todoprosa não seja um replicante também e estimule o debate ao invés de perseguir os que têm comportamento autônomo.
Agora você está se sentindo perseguido, Bemveja? Porque eu respondi quando fui interpelado num plano que me pareceu mais pessoal – depois de, no literário, deixar passar todas? Rapaz, seu caso começa a me preocupar de verdade.
Sinto-me, digamos assim, meio singularizado entre os demais comentaristas desse tópico Sérgio, até porque houve comentários bem mais acerbos e menos ponderados no sentido de dizer por que não gostavam do texto. A própria expressão “deixar passar” já me parece eloquente…
Veja bem: não estou reclamando. Valorizo a polêmica. Tenho certeza de que você também.
Puxa vida, esse vejabem é chato pra cacete (o adjetivo)…
Obrigada, Sérgio. Realmente eu não conhecia esse “jogo”. Achei legal. Como desconhecia a autoria, não enviei flores. O texto está muito bem construído, gostei.
Ah! Já tirei o pé do precipício… relaxem.
Fico aliviado, Shirlei, mas seu pé acabou me dando uma idéia: todos os posts nessa categoria que eu mencionei – metalingüística, digamos, desde que se consiga tirar toda a pompa dessa palavra – têm a partir de agora o cabeçalho “Sobrescritos” (os antigos também). Um abraço.